12 Janeiro 2016
Um cisma na Igreja Anglicana em todo o mundo por causa da questão da sexualidade não necessariamente seria um “desastre”, insistiu o arcebispo de Canterbury.
A reportagem é de John Bingham, publicada por The Telegraph, 11-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Reverendíssimo Justin Welby disse que a Comunhão Anglicana, com os seus cerca de 85 milhões de fiéis, ainda seria uma “família”, mesmo se algumas igrejas nacionais percorrerem seus “caminhos em separado”.
Segundo ele, sem dúvida seria um “fracasso” se as negociações decisivas que se iniciaram em Canterbury nessa segunda-feira (11 de jan.) não evitarem um racha total. Porém acrescentou que não havia “nada que eu possa fazer” para deter as pessoas de se retirarem.
O arcebispo estava falando enquanto os representantes de quase 40 igrejas anglicanas de todo o mundo se reuniam em Canterbury para a primeira sessão face a face em mais de uma década.
O arcebispo Welby convocou esta reunião como uma tentativa de forjar uma reconciliação entre grupos progressistas e conservadores. O anglicanismo sofreu um abalo em 2003 quando o ramo americano da igreja – A Igreja Episcopal (TEC na sigla em inglês) – ordenou o seu primeiro bispo abertamente gay, Gene Robinson.
Províncias tradicionalistas, especialmente no chamado “sul global”, desde então romperam os laços com os ramos mais progressistas. Uma igreja americana mais conservadora também se formou nos EUA em separado.
Falando enquanto o encontro acontecia, o arcebispo disse à Rádio BBC: “Com certeza eu quero a reconciliação; e reconciliação não significa concordar. Na verdade, ela raramente funciona assim. Reconciliação significa encontrar meios de discordar de forma saudável e é isso o que temos de fazer esta semana”.
E acrescentou: “Não há nada que eu possa fazer, se as pessoas decidem deixar a sala. Isso não vai dividir a Comunhão, há todo um processo (...) que tem a ver como uma província deixa a Comunhão. Mas nós queremos permanecer juntos para ouvir uns aos outros no serviço a Jesus Cristo e nos focarmos não só na questão da sexualidade como também nas enormes questões que estão afligindo as pessoas ao redor do mundo: conflitos, perseguição, violência religiosa”.
O religioso insistiu que as pessoas não deveriam se “mesmerizar” com a questão da sexualidade.
“A igreja é uma família e se permanece uma família, mesmo se você segue em separado o seu caminho”, disse. “Sempre foi assim, e sempre será”.
“Deus nos colocou juntos e nós precisamos saber como viver com essas diferenças, e como servir a Ele fielmente de um jeito que demonstre que discordamos profundamente e, mesmo assim, vivemos e cuidamos uns dos outros”.
Perguntado sobre o que aconteceria se várias igrejas nacionais se retirassem da Comunhão por causa desta questão, ele declarou: “Um cisma não seria um desastre no sentido que você o coloca; Deus é maior do que as nossas falhas”.
“Não seria bom se a igreja não for capaz de dar o exemplo ao mundo, de mostrar que podemos nos gostar e discordar profundamente porque somos unidos por Jesus Cristo, e não por nossa própria escolha. Não somos um tipo de clube ou partido político; somos algo feito por Deus”.
O arcebispo quer que os primazes considerem reformular o anglicanismo transformando-o numa confederação aberta para levar em conta os desacordos em torno da sexualidade.
Isso significaria que as igrejas nacionais estariam formalmente ligadas somente a Canterbury – e não diretamente umas com as outras –, capacitando-as a discordar em temas como a dos bispos gays sem romper todos os laços.
Um assessor do arcebispo comparou recentemente este movimento com o “mudar-se para quartos separados”, em vez de um divórcio completo.
Mas qualquer coisa nesse sentido irá equivaler a um escalonamento da certa vez toda-poderosa Comunhão Anglicana e a uma formalização do racha existente, em vez de uma tentativa de superá-lo.
Assessores do Palácio de Lambeth admitem, em privado, que esta é uma “última tentativa” para salvar a Comunhão Anglicana. Alguns conservadores já descartaram, em privado também, a ideia como “impraticável”.
Por que a Igreja Anglicana está em crise?
As origens do racha entre as alas progressistas e conservadoras remontam a algumas décadas, mas a atual crise irrompeu em 2003 quando o ramo americano do anglicanismo – A Igreja Episcopal (TEC) – ordenou o seu primeiro bispo abertamente gay, Gene Robinson.
Anglicanos conservadores acreditam que tal ordenação vai contra o ensino bíblico, porém os progressistas dizem que o cristianismo deveria ser inclusivo.
Desde então, várias igrejas anglicanas, em particular na África e na Ásia, romperam os laços com a TEC, bem como o ramo canadense do anglicanismo, por causa da questão da sexualidade.
Uma igreja nova e mais conservadora igualmente surgiu nos EUA e no Canadá conhecida como a “Anglican Church of North America” (Igreja Anglicana da América do Norte – ACNA).
O assunto veio à tona em 2008 quando muitos conservadores boicotaram o Congresso de Lambeth, encontro mundial dos bispos que acontece a cada década. Eles boicotaram porque a TEC estava presente. Desde então, tem havido várias iniciativas para superar o racha entre as igrejas, todas sendo ignoradas em sua maioria.
O arcebispo de Canterbury, Justin Welby, agora quer rever o anglicanismo transformando-o numa confederação aberta.
O que é a Comunhão Anglicana?
O anglicanismo surgiu nos séculos XVI e XVII na Inglaterra através da Reforma, quando novos grupos protestantes se separaram da Igreja Católica Apostólica Romana na Europa. Ele tenta forjar algo como um meio termo, com os anglicanos geralmente se descrevendo como “católicos reformados”.
Ele se difundiu por meio de missionários anglicanos e é particularmente forte nos países da Commonwealth e em outras regiões com laços históricos com o Império Britânico, mas não exclusivamente. Hoje, estima-se haver cerca de 85 milhões de anglicanos no mundo, participando em 38 igrejas nacionais independentes – conhecidas como províncias – bem como um punhado de igrejas “extraprovinciais” semiautônomas em lugares tais como as Malvinas e Bermudas.
O arcebispo de Canterbury, o Reverendíssimo Justin Welby, é efetivamente o líder espiritual do anglicanismo, mas possui pouco poder direto. Ele é visto como “o primeiro entre iguais” entre os líderes anglicanos (ou primazes).
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Um cisma anglicano “não seria um desastre”, diz Justin Welby - Instituto Humanitas Unisinos - IHU