07 Janeiro 2016
Gerard Biard é o redator-chefe da revista satírica francesa Charlie Hebdo, que faz agora um ano que sofreu um atentado no que morreram 12 pessoas. Biard repasa o que supôs neste ano para o semanário e sua forma de entender o humor.
A entrevista foi publicada por El País, 06-01-2015.
Eis a entrevista.
Um ano depois da matança que dizimou a redação do Charlie Hebdo, o que você não quer ouvir no dia 7 de janeiro de 2016?
Tenho medo até de ouvir isso. Diante desses atos de terrorismo, sempre acabamos encontrando explicações e justificativas que de fato soam como desculpas. É inaceitável. Para mim, trata-se apenas de rejeitar uma ideologia totalitária baseada em dogmas religiosos.
No entanto, qualquer explicação não serve como desculpa...
É verdade, mas o Estado Islâmico tem milhares de razões para nos odiar, por isso procurar explicações é um exercício que não tem fim e, repito, sempre há o risco de buscar as “razões corretas”. Estas não existem, pois o único objetivo é impor a sociedades democráticas uma ideologia religiosa radical.
Você se refere ao fascismo islâmico?
Eu, que sou de origem italiana, rejeito a palavra “fascismo” porque tem muitas conotações em um contexto histórico. “Totalitarismo” me parece mais adequado e a palavra abrange muito mais do que o estalinismo e os fascismos do século XX. Infelizmente, estamos diante de novas formas de totalitarismo no século XXI.
Como você viveu os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris? Como uma repetição do 7 de janeiro?
Eu estava na redação do Libération para comemorar sua mudança de endereço, muito perto do Bataclan e dos cafés do XI distrito de Paris. Éramos 300 jornalistas e estávamos todos em um estado de estupefação: era impossível acreditar no que as redes de informação contínua nos mostravam. Nossa obsessão no Charlie Hebdo dessa vez foi falar das matanças sem ser sinistros. Nossa mensagem foi simples: “Eles que se f...”. Isso foi dito pela redação do Charlie Hebdo, mas também por todos aqueles franceses que saem para beber e vão a concertos. E o “eles” se refere, evidentemente, àqueles fanáticos que querem impor um novo totalitarismo religioso na França e no resto do mundo, porque a França, é claro, não é nada mais do que um símbolo e não é o único país ameaçado.
Como você explicaria o conceito de laicidade para um público que não é francês?
Começaria por dizer que não existe uma tradução satisfatória em outra língua. Em inglês, secularismo não é suficiente para traduzir “laicismo”. Depois, nós sempre temos que estar conscientes de que há duas visões da separação entre Igreja e Estado: na França, a religião não deve se imiscuir nos assuntos do Estado, enquanto que num país como os EUA, é o Estado que não deve se imiscuir nos assuntos religiosos. São visões opostas e é por isso que é tão difícil falar de laicismo em um país anglo-saxão.
Outras capas do Charlie Hebdo causaram polêmica, como a do pequeno Aylan que morreu em uma praia na Turquia...
Sim, porque mais uma vez nos acusaram de ter blasfemado. Quisemos mudar voluntariamente o significado do que, em nossa opinião, tinha se tornado “uma imagem piedosa”, e estamos orgulhosos de manter essa tradição de desenho de imprensa.
A linha editorial do Charlie Hebdo mudou a partir de janeiro de 2015?
No que diz respeito ao fundo, não queremos mudar. Mas assumimos o fato de que 70% das pessoas que nos leem não nos conheciam antes de 7 de janeiro de 2015. Muitos franceses, mas também muitos europeus, aos quais temos de transmitir a mensagem de um jornal satírico quando na verdade não existe um equivalente no Velho Continente. É verdade que nos esforçamos para ser mais didáticos, mas nunca deixaremos de fazer o que sempre fizemos.
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Gérard Biard: “Estamos diante de novas formas de totalitarismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU