28 Agosto 2010
Amigos e inimigos do Papa Bento XVI concordam que ele tem um problema de imagem. O lugar onde eles colocam a culpa disso pode ser diferente, mas o fato em si mesmo parece claro: de um ponto de vista das relações públicas, este é um pontificado definido pelos seus incidentes.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 27-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Catalogar esses acidentes é a ideia central de um valioso novo livro de dois dos melhores vaticanistas italiano hoje: Andrea Tornielli, do Il Giornale, e Paolo Rodari, do Il Foglio, que também possuem blogs muito lidos – "Palazzo Apostolico", de Rodari, e "Sacri Palazzi", de Tornielli. Seu trabalho é intitulado "Attacco a Ratzinger: Accuse e scandali, profezie e complotti" (Ataque a Ratzinger: acusações e escândalos, profecias e complôs), publicado em italiano pela editora Piemme.
O livro foi publicado na Itália na última terça-feira, e esperamos que uma editora nos Estados traga uma tradução em inglês rapidamente. (Deixe-me oferecer aqui e agora: eu ficaria feliz em fazer um prefácio que introduza o livro e seus autores para uma audiência de fala inglesa).
Enquanto a crise dos abuso sexual tem provocado as mais sérias críticas sobre Bento XVI, dificilmente é um caso isolado. Tornielli e Rodari tratam de uma longa lista de outras controvérsias e de fiascos de relações públicas também, incluindo:
Uma medida de como as coisas tem sido ruins é que esta é uma lista realmente longe de estar completa. Os autores poderiam ter incluído outros episódios calamitosos, como a viagem de Bento XVI para o Brasil, em 2007, quando ele pareceu sugerir que os índios deveriam ser gratos aos colonizadores europeus; o tiro pela culatra entre judeus e católicos reformistas por causa do decreto de de virtudes heroicas de Pio XII, assinado em 2009 por Bento XVI, movendo o controverso pontífice do período de guerra para mais perto da santidade; e o surreal "caso Boffo" no início deste ano, envolvendo acusações de que assessores do Papa haviam vazado documentos falsos, sugerindo que o editor de um jornal católico italiano havia assediado a namorada de um rapaz com o qual ele queria continuar um caso gay.
Nas crises que eles analisam, o trabalho de Rodari e Tornielli tem dois méritos principais.
Em primeiro lugar, eles encontram o equilíbrio certo entre abordagens internas e externas. Os leitores que não acompanharam esses episódios de perto irão encontrar as principais distorções e voltas habilmente resumidas, enquanto até os fiéis irão ficar sabendo de coisas que não sabiam. (Mais informações sobre essas revelações daqui a pouco).
Em segundo lugar, Rodari e Tornielli apresentam uma amostragem diversa de teorias para explicar a imagem pública negativa deste Papado, examinando aqueles que os autores descrevem como os "observadores mais qualificados" da Europa e dos Estados Unidos. (No interesse de uma divulgação completa, por alguma razão eles me incluíram nesse conjunto).
Algumas dessas opiniões parecem terrivelmente conspiratórias, como sugestão do jornalista italiano Marcello Foa de que o sombrio "Bilderberg Group" está por trás da hostilidade midiática contra Bento XVI, porque o Papado é o último obstáculo para um credo secular mundial. Outros educadamente sugerem que o Vaticano não tem ninguém para culpar além de si mesmo, como Rachel Donadio, correspondente em Roma do The New York Times, que afirma que o pobre tratamento dado pelo Vaticano à crise dos abusos sexuais aprofundou a ruptura entre os católicos norte-americanos e Roma.
Uma coisa que todos parecem concordar é que a estratégia de relações públicas do Vaticano é geralmente deficiente. Comentando o senso comum de que Joaquin Navarro-Valls, porta-voz de João Paulo II, trouxe a comunicação do Vaticano para o século XX, George Weigel brinca: "É... para a primeira metade do século XX". Hoje, disse, as coisas realmente parecem estar indo para trás.
Tornielli e Rodari não pretendem resolver todas as questões e percebem que o tumulto desencadeado por esses episódios não podem ser reduzidos exclusivamente a um problema de comunicação. Dito isso, Tornielli e Rodari acreditam ter demonstrado um "ataque" contra o Papa, decorrente de três círculos concêntricos:
Independentemente do que for feito com isso, a série de desastres examinados em "Attacco a Ratzinger" ofuscou, sem dúvida, as prioridades e a mensagem de Bento XVI para uma ampla faixa do mundo. Em um frase, a tragédia do papado de Bento XVI é que ele é um grande Papa professor, cuja sala de aula está quase vazia porque sua escola está pegando fogo.
Em pouco mais de 300 páginas, Tornielli e Rodari reúnem a maior parte dos dados necessários para refletir sobre como essas chamas foram acesas e o que é necessário para apagá-las. Mesmo os leitores que podem discordar de seu diagnóstico lhe são devedores.
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Agora, uma das revelações do livro capta a desafinação do Vaticano nas relações públicas tão perfeitamente que quase lhe tira o fôlego.
Trata-se do caso do bispo Richard Williamson, um dos quatro prelados tradicionalistas cujas excomunhões foram revogadas pelo Papa Bento XVI em janeiro de 2009. Infamemente, Williamson deu uma entrevista à televisão sueca, em novembro de 2008, repetindo declarações que fizera duas décadas antes, no Canadá, no sentido de que os nazistas não usaram câmaras de gás e que apenas 200 mil a 300 mil judeus morreram em campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A entrevista não foi ao ar na Suécia até o dia 21 janeiro de 2009, mas seu conteúdo foi antecipado em uma nota da revista alemã Der Spiegel no dia anterior, 20 de janeiro.
Naquele período, Bento XVI já havia decidido (em algum momento do final de 2008) revogar as excomunhões dos quatro bispos – vendo isso, como ele insistiria mais tarde, como o início de um processo de reconciliação, não o fim. Um decreto formal foi apresentado ao bispo Bernard Fellay, líder da tradicionalista Fraternidade de São Pio X, no dia 17 de janeiro de 2009, e entrou em vigor no dia 21 de janeiro. O decreto não foi publicado pelo Vaticano, porém, até ao meio-dia de Roma do dia 24 de janeiro, quando foi divulgado no boletim de notícias desse dia.
Assim que isso aconteceu, as manchetes sobre o Papa que "reabilitou um negador do Holocausto" se transformaram em um tiro ouvido em todo o mundo. Depois de semanas de controvérsia, Bento XVI acabaria finalmente emitindo uma carta de agonia para os bispos de todo o mundo, se desculpando pela ferida causada pelo caso.
O que Tornielli e Rodari acrescentam é que, no dia 22 de janeiro de 2009 – dois dias depois que a Der Spiegel revelou a história da entrevista de Williams e dois dias antes do anúncio formal do Vaticano sobre a revogação das excomunhões –, ocorreu uma reunião do alto escalão do Vaticano para discutir a apresentação do decreto papal. A reunião foi convocada pelo cardeal italiano Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano. Também estiveram presentes:
O encontro, em outras palavras, reuniu o grupo de conselheiros mais altos do Vaticano. Tornielli e Rodario reconstróem a reunião com base em um conjunto inédito de atas confidenciais do Vaticano.
Aqui está o ponto alucinante: durante a reunião, não houve qualquer menção aos comentários explosivos de Williamson sobre o Holocausto, apesar do fato de eles estarem em circulação há dois dias inteiros. As atas refletem uma discussão detalhada sobre se e como a revogação das excomunhões se aplicava a outros clérigos da Fraternidade de São Pio X, mas não houve, aparentemente, nenhuma consideração de como essa medida poderia ser recebida pelo tribunal mais amplo da opinião pública.
Duas figuras chaves não estavam na lista de convidados da reunião do dia 22 de janeiro: Lombardi, que teve que explicar a decisão para a mídia do mundo, e o cardeal Walter Kasper, que teve que explicá-la para os judeus. Pelo contrário, Filoni liderou uma breve discussão sobre a proposição de uma declaração à imprensa, e as atas refletem o consenso geral de não conceder qualquer entrevista à mídia. Coccopalmerio ficou comprometido em publicar um artigo no L`Osservatore Romano explicando o decreto, mas apenas "depois de alguns dias".
A falta de qualquer sentido de urgência ou de alarme sobre a reação pública é impressionante. A impressão que se tem é que os "melhores e mais brilhantes" do Vaticano eram extremamente sensíveis ao tipo de perguntas que os canonistas poderiam fazer, mas também ignoravam – ou, mais problemático ainda, eram indiferentes a – como o decreto podia atingir o resto do mundo .
O resto é história. Depois de ter sido atingida por um tsunami global durante 10 dias inteiros, a Secretaria de Estado do Vaticano finalmente divulgou um comunicado no dia 4 de fevereiro, chamando as declarações de Williamson sobre o Holocausto de "inaceitáveis". Ele esclarecia que, ao revogar as excomunhões, Bento XVI apenas abriu uma porta para o diálogo, e que agora cabia aos tradicionalistas provar sua "adesão à doutrina e à disciplina da Igreja". Os quatro prelados ainda não têm autoridade para atuar como bispos católicos, e seu movimento ainda não é reconhecido. Se eles querem ser totalmente reintegrados à Igreja, terão que aceitar o magistério do Concílio Vaticano II.
Olhando para trás, aqui está o ponto.
Mesmo que Williamson nunca tivesse dado a entrevista à TV sueca, qualquer pessoa que olhasse para a situação de um ponto de vista de relações públicas deveria ter previsto que, assim que o Vaticano anunciasse que esses quatro bispos não estavam mais excomungados, os repórteres iriam olhar para os seus históricos. Se alguém do Vaticano tivesse passado cinco minutos no Google buscando o nome de "Richard Williamson", sua problemática história acerca do Holocausto teria saltado da tela, que era uma questão de registro público muito antes de ele ter falado para os suecos. (Na verdade, tudo o que os jornalistas suecos fizeram foi pedir que Williamson repetisse coisas que ele já tinha dito).
Armado com essa informação, o Vaticano poderia ter emitido a detalhada declaração do dia 4 de fevereiro, juntamente com o próprio decreto, para explicar desde o início que esses homens não haviam sido "reabilitados", mas, pelo contrário, haviam recebido uma oportunidade para limpar o seu passado. Eles também poderiam ter organizado uma coletiva de imprensa, assim haveria declarações para a TV que assegurariam ao mundo que essa decisão não significava um retrocesso nas relações entre católicos e judeus ou qualquer coisa parecida.
Sob quaisquer circunstâncias, o fato de não terem sido dados esses passos do senso comum é difícil de explicar.
No entanto, Williamson deu aquela entrevista à TV sueca e, sob essa luz, a revelação de que os principais assessores do Papa se reuniram dois dias depois veio a público, e eles ainda pareciam alheios ao desastre que vinha em sua direção – bem, você não precisaria de mais provas de que o Vaticano tem um problema de relações públicas.
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A propósito, um ponto que Bento XVI fez em sua carta aos bispos depois do caso Williamson é que ele reconheceu a necessidade de ser mais astuto com relação à Internet. Na verdade, "Attacco a Ratzinger" mostra claramente que, em 2009, o Vaticano já deveria ter aprendido essa lição. A história da ascensão e da queda do arcebispo Stanislaw Wielgus de Varsóvia dois anos antes é um exemplo.
Recapitulando, o Vaticano anunciou que Bento XVI havia nomeado Wielgus para substituir o cardeal Josef Glemp em Varsóvia no dia 6 de dezembro de 2006, com a instalação oficial de Wielgus definida para o dia 5 de janeiro. No dia 20 de dezembro, um importante jornal polonês acusou Wielgus de ter colaborado com a polícia secreta da era soviética. Wielgus admitiu que tinha "contatos", mas negou ter denunciado alguém ou colaborado. No dia 21 de dezembro, o Vaticano emitiu uma declaração afirmando a "total confiança" de Bento XVI na sua opção. No dia 4 de janeiro, outro jornal polonês publicou um documento de 1978 assinado por Wieglus, que pedia a sua cooperação com a polícia secreta, sob o nome de código "Gray". Com o aumento do protesto público, Wielgus foi obrigado a transformar uma missa no dia 6 de janeiro, em comemoração ao início do seu ministério, pelo contrário, em um fórum para anunciar a sua renúncia.
Aqui está a pérola que Tornielli e Rodari acrescentam à história: foi apenas no dia 2 de janeiro, depois que a bomba já havia obviamente estourado, que alguém do Vaticano se preocupou em pedir ao Instituto para a Memória Nacional da Polônia, que mantém os arquivos da era comunista, quaisquer arquivos que tivessem sobre Wielgus. Essa omissão ocorreu apesar do fato de que, como Tornielli e Rodari indicam, o instituto tornou o seu índice disponível na Internet, dois anos antes.
"Tudo o que era preciso era um clique na Internet para perceber que, na lista dos 240 mil nomes citados nos arquivos do instituto, o nome de Wielgus aparece duas vezes", escrevem os autores.
Rodari e Tornielli dizem que ainda é uma "questão em aberto" por que ninguém fez isso antes de aprovar Wielgus para o cargo mais importante do catolicismo polonês, especialmente levando-se em conta a hipersensibilidade da Polônia com relação à colaboração. Em aberto, de fato.
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Mais uma pérola: Tornielli e Rodari citam o Pe. Marco Valerio Fabbri, da Università della Santa Croce, de Roma, dirigida pela Opus Dei, sobre o caso de Stephen Kiesle, um ex-padre de Oakland e pedófilo condenado. Uma carta de 1985 do então cardeal Joseph Ratzinger ao bispo de Oakland daquele momento, dizendo que caso Kiesle deveria ir devagar "pelo bem da Igreja universal", tem sido amplamente apresentado como prova do histórico ambivalente do Papa com relação à crise dos abusos sexuais.
Fabbri, entretanto, diz que essa interpretação jaz sobre uma leitura equivocada da carta de Ratzinger de 1985, que foi publicada em latim. A carta fala de "dispensa", diz Fabbri, e não de expulsão do estado clerical. A questão da carta não era, portanto, se Kiesle devia ser exonerado, mas se devia ser dispensado da sua obrigação do celibato.
Sob o direito canônico, as duas coisas não vão juntas automaticamente. O cânone 291 afirma: "A perda do estado clerical não implica na dispensa da obrigação do celibato, que só é concedida pelo Romano Pontífice". A lógica, segundo Fabbri, é clara. Se a obrigação do celibato de um padre termina automaticamente com a laicização, então ser laicizado sob a lei penal significaria, ipso facto, a liberdade para se casar na Igreja. Em outras palavras, equivaleria a uma recompensa para cometer um crime.
A linha de fundo, diz Fabbri, é que, ao se recusar a conceder essa dispensa imediatamente no caso Kiesle, Ratzinger estava sendo duro com um abusador, não permissivo.
A pergunta óbvia que isso implora: se isso for verdade – e certamente parece ser uma explicação convincente –, por que não ouvimos alguém com autoridade falar disso naquele momento? Por que esse tipo de coisa sempre parece acontecer um dia depois?
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Há muitas outras coisas boas em "Attacco a Ratzinger", desde um novo pano de fundo sobre o conflito entre Schönborn e Sodano, a grandes detalhes de bastidores da retirada humilhante da nomeação de Gerhard Wagner por parte de Bento XVI como bispo auxiliar de Linz, na Áustria, no final de janeiro de 2009.
Essa reviravolta veio depois que os meios de comunicação reciclaram declarações incendiárias que Wagner havia feito em 2005, teorizando que o furacão Katrina foi uma punição divina para a imoralidade de Nova Orleans, e, em 2001, sugerindo que Harry Potter leva as crianças para o satanismo. Enquanto a maioria dos católicos viu o episódio Wagner como mais um fracasso do Vaticano para vetar candidatos devidamente, Tornielli e Rodari fazem um comentário cáustico totalmente em outra direção, de um funcionário anônimo do Vaticano: "Os cardeais e os bispos podem criticar publicamente o Papa tanto quanto quiserem, mas um bispo auxiliar é forçado a renunciar por causa de algumas declarações de anos atrás sobre o Katrina e Harry Potter... isso é realmente incrível".
Obter esse tipo de informação confidencial e privilegiada é a principal razão que precisamos de uma tradução do livro em inglês.
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Li "Attacco a Ratzinger" logo após ler um artigo do New York Times do último domingo, que analisava três desastres de relações públicas no mundo corporativo: a BP, o Goldman Sachs e a Toyota. A notícia se refere a um artigo provocativo de Eric Dezenhall, ex-assessor de Ronald Reagan, intitulado "Nem toda a publicidade é boa publicidade". Intrigado, busquei o artigo, que apareceu na edição de julho-agosto da revista Ethical Corporation.
Diretor-executivo de sua própria agência de comunicação, Dezenhall desacredita oito ditados propagados por gurus do círculo empresarial, dentre os quais o destaque é para a ideia de que toda crise é uma oportunidade. (O equivalente católico, suponho eu, seria que cada crise é um "momento de aprendizagem").
Dezenhall diz: "Uma crise é um assalto", escreve ele, e "seu objetivo é sair vivo, não sair com todo o seu dinheiro e sua autoestima".
Por que um assalto? Por causa da natureza dos desastres de relações públicas do século XXI, alimentados pelo que Dezenhall chama de "crises capitalistas" – pessoas que se aproveitam quando alguém está com problemas, porque há dinheiro e fama a serem obtido. (Massimo Introvigne, um dos especialistas entrevistados por Rodari e Tornielli, tem um termo diferente para a mesma parcela da vida – ele chama de "empresários morais"). Dezenhall diz que eles incluem "os repórteres, as vítimas, blogueiros, tweeters, advogados de defesa, reguladores, legisladores, ONGs, ativistas, pequenos vendedores, fontes anônimas, especialistas técnicos, analistas, apaixonados por mídia, oportunistas e uma enxurrada de peritos em crise amadores".
A conclusão parece óbvia: de um ponto de vista das relações públicas, não importa se alguém está realmente lá fora para te pegar, porque, quando uma crise começa a rolar, a dinâmica do mercado vai obrigar as pessoas a agir como se houvesse. O objetivo, portanto, não é convencê-lo a não lhe assaltar. O objetivo é evitar tornar isso mais fácil.
Aqui está um estudo de caso potencial ao longo daquelas linhas que Tornielli e Rodari insinuam, mas que na realidade não desenvolvem.
Quando Bento XVI foi a Camarões e a Angola em março de 2009, a cobertura da viagem no Ocidente foi dominada pelos comentários do Papa a bordo do avião papal sobre preservativos. Durante uma breve sessão com a imprensa, o jornalista francês Philippe Visseyrias pediu que Bento XVI comentasse as percepções de que a posição da Igreja com relação ao HIV/Aids "não é muito realista e eficiente". (Note que Visseyrias não usa a palavra "preservativo", e a elaboração de sua pergunta não exige que o Papa a utilize).
Bento XVI respondeu que os dois pilares da abordagem da Igreja são a humanização da sexualidade e a amizade genuína com as pessoas que sofrem. Ao longo do caminho, ele acrescentou que os preservativos não são a solução para a Aids, mas, na verdade, agravam o problema.
Esse último trecho previsivelmente se tornou a manchete na cobertura da mídia e desencadeou protestos em massa, especialmente na Europa. O governo espanhol anunciou que iria enviar um milhão de preservativos para a África em réplica, e o Parlamento da Bélgica censurou formalmente o Papa. Do ponto de vista da imprensa mundial, a estadia de seis dias de Bento XVI na África também poderia ter ocorrido no lado escuro da lua.
Apenas alguns dias depois dessa história fizeram com que três outros pontos surgissem, nenhum com a mesma força que a afirmação original do Papa:
O Papa não foi pego de surpresa pela pergunta de Visseyrias. O porta-voz do Vaticano, o padre jesuíta Federico Lombardi, recolhe as perguntas dos jornalistas vários dias antes de uma viagem, escolhe duas ou três que parecem ser as mais comuns e, depois, as envia ao Papa com antecedência.
Vamos assumir que Bento XVI não pudesse ter viajado para a África e tivesse se esquivado da questão da Aids e dos preservativos. Vamos também estipular que as autoridades do Vaticano poderiam, e deveriam, ter previsto que qualquer coisa que Bento XVI dissesse iria atrair um amplo interesse, correndo o risco de ser mal interpretado ou caricaturado.
Nessa situação, como seria uma melhor estratégia antiassalto?
Em primeiro lugar, o principal objetivo da viagem de seis dias de Bento XVI era a de colocar os holofotes sobre a África, especialmente sobre o dinamismo da Igreja Católica no continente. Assim, quando a questão Aids surgiu no avião, Bento XVI poderia ter dito algo como: "Essa é uma questão muito importante, e eu vou falar sobre isso daqui a dois dias, durante a minha visita ao Centro Cardeal Léger para o Sofrimento, na quinta-feira. Por enquanto, porém, quero que o foco fique sobre as boas notícias da África". Essa resposta asseguraria que os jornalistas tivessem que apresentar histórias sobre a situação africana em geral no primeiro dia, sem alimentar impressões que o Papa estava evitando a questão dos preservativos. Isso também criaria um interesse mundial em sua visita ao Centro Léger, um dos momentos visualmente mais impressionantes da viagem, assim como colocaria o Papa em contato pastoral direto com doentes e deficientes.
Em segundo lugar, quando Bento XVI falou sobre os preservativos, o Vaticano poderia ter organizado que ele estivesse junto com outros líderes religiosos africanos – bispos católicos e anglicanos, pastores pentecostais, imãs muçulmanos e líderes das crenças tribais tradicionais, que ecoariam a sua opinião. Não era difícil encontrá-los. No segundo dia da viagem, eu entrevistei o grande imã da mesquita nacional de Yaoundé, capital do Camarões, que me disse que seu único arrependimento sobre o comentário do Papa é que ele não havia esperado para que eles pudessem tê-lo dito juntos.
Em terceiro lugar, o Vaticano poderia ter organizado para ter à disposição peritos africanos em Aids seculares, como Balla, sem vínculos com a Igreja Católica, que poderiam ter oferecido a sua experiência em apoio à tese do Papa. Ambos os líderes religiosos e os especialistas em Aids seculares poderiam ter sido disponibilizados aos jornalistas no centro de imprensa em Yaoundé imediatamente após o discurso do Papa no Centro Léger.
Em quarto lugar, Lombardi e seus assessores poderiam ter montado um pacote de estudos empíricos demonstrando os limites dos esforços anti-Aids baseados em preservativos, apresentando o estudo de Green, de Harvard. Esse pacote poderia ter sido distribuído pouco antes do discurso do Papa, de modo que figurasse no primeiro ciclo de notícias e comentários da TV. Os jornalistas não teriam que esperar 48 horas para ler sobre o trabalho de Green em um artigo do The Washington Post – um artigo, a propósito, que pareceu ter pego o Vaticano completamente de surpresa.
Nada disso impediria completamente os protestos sobre as declarações do Papa, dado especialmente que há um debate legítimo a ser feito sobre o papel apropriado dos preservativos nos esforços anti-Aids. Essa estratégia, porém, teria pelo menos tornado mais difícil retratar Bento XVI como isolado, fora do alcance e sem sentimentos, retrato que foi o enredo dominante da viagem africana.
Esse é o tipo de reflexão prática que se espera que "Attacco a Ratzinger" estimule.
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"Ataque a Ratzinger" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU