22 Dezembro 2017
Natal é, pois, uma questão de nascimento: a luz, um mundo novo, o Cristo ressuscitado, o nascimento de Deus. Para nós cristãos, Natal é tudo isso... todos esses nascimentos... Mas, de fato, que mensagens podemos reter nesta festa de Natal de 2011?
A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo da Natividade do Senhor. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o texto.
Referências Bíblicas:
Noite de Natal:
1ª leitura: Is 9, 1-6
Evangelho: Lc 2, 1-14
Dia de Natal:
1ª leitura: Is 52, 7-10
Evangelho: Jo 1, 1-18
Em cada ano, no mês de dezembro, nós nos preparamos para a festa de Natal. Decoram-se nossas casas, iluminam-se os quarteirões, ouve-se na rádio a música de Natal, vai-se às lojas, compram-se presentes, fazem-se festas no local de trabalho, escrevem-se votos, compartilham-se fantasias de Papai Noel, cestas de Natal, participa-se da Missa, tem-se o coração em festa, fica-se mais sensível à família, à amizade, à pobreza, à paz e ao amor. Natal é a ocasião das partilhas, dos perdões, das reconciliações, das trocas de todo tipo. Isso deveria ser Natal todos os dias! Natal é para todos, pois todo o mundo encontra aí sua parte. Seja-se crente ou não ou ainda de diversas religiões, no Natal pode-se celebrar qualquer coisa.
A origem desta festa é inicialmente natural e pagã. Quer se queira ou não, nesta época do ano, no solstício do inverno, tem-se a impressão que a noite leva vantagem sobre o dia, segundo o eixo de rotação de nossa boa e velha terra. É por isso que, no Império Romano, tinha-se o hábito de celebrar o sol nascente, o solis invecti, na noite de 24 a 25 de dezembro, para significar o renascimento da luz, já que os dias começam a se alongar, e isso até o solstício do verão. Natal é, pois, uma questão de nascimento: a luz, um mundo novo, o Cristo ressuscitado, o nascimento de Deus.
Para nós cristãos, Natal é tudo isso... todos esses nascimentos... Mas, de fato, que mensagens podemos reter nesta festa de Natal de 2011?
1. A luz
“O povo que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Para nós cristãos, esta luz não é o sol, é o Cristo da Páscoa que vem transformar nossas vidas ainda hoje. Ele é a luz sobre a estrada; ele é o sol de nossas vidas. Em seus respectivos evangelhos, Mateus e Lucas compuseram um relato de nascimento para aquele que se tornou Cristo, Senhor, Salvador na Páscoa.
Mas, atenção! Mateus e Lucas não contam o nascimento de Jesus de Nazaré; eles nada sabem a respeito. Em vez disso, o que eles contam é o nascimento do Cristo ressuscitado que foi, segundo a expressão de Paulo, o “primogênito dentre os mortos” (Cl 1, 18). Então, a festa de Natal nasceu após a Páscoa. Foi preciso que Jesus ressuscitasse para que se pudesse celebrar seu nascimento... E, com seu nascimento, ocorre ao mesmo tempo o nascimento de um mundo novo, iniciado na Páscoa e que continua hoje, através dos cristãos de todos os tempos. Em cada ano somos convidados a fazer nascer esta luz em nós e em torno de nós, para expulsar todas as formas de trevas de nossas existências que ainda subsistem hoje.
2. Deus e o Homem
Santo Irineu dizia: “Deus se fez homem para o que o Homem se torne Deus”. A história de Natal é de Deus que vem ao encontro das mulheres e dos homens de todas as épocas para divinizá-los, isto é, ensiná-los a serem mais humanos pela acolhida, pela abertura, pelo respeito de suas diferenças, pela restauração da justiça, da dignidade, da igualdade para todos, pela partilha de suas riquezas, pelo amor incondicional e pelo cuidado dos pobres, dos machucados da vida e dos mais desamparados.
Não é por nada que São Lucas faz nascer o Cristo numa imensa pobreza: num menino, numa criança, em primeiro lugar, com toda a vulnerabilidade, a fraqueza e a fragilidade que comporta esta etapa da vida... Porém, mais do que isso, um bebê pobre, saído de uma família não convencional, que nasce numa manjedoura de animais, porque demasiado pobre para nascer em outro lugar. Além disso, seu nascimento é anunciado em primeiro lugar aos pastores, os excluídos, os marginais, os desprezados da época.
Se não há aí uma mensagem do evangelista, de que o próprio Deus é pobre e que ele escolheu seu campo, o campo dos excluídos, dos rejeitados, dos desprezados da sociedade para nascer, eu me pergunto: O que realmente significa essa história contada por Lucas? E a mensagem que daí decorre é que o mundo novo, que começou na manhã da Páscoa, só pode se realizar se este mundo for construído sobre a dignidade, a justiça e a igualdade das pessoas, seja qual for seu status social, seu sexo, sua religião e sua cultura. Não há aí um olhar a todos os Indignados da terra que se manifestam ao mundo de hoje?
Que não venham me dizer que o Evangelho não é atual! No fundo, são Lucas nos diz que a construção de um mundo melhor não é somente um voto, um desejo piedoso ou um sonho; é uma realidade começada há mais de dois mil anos com o nascimento do Cristo e que deve prosseguir hoje; caso contrário, o Cristo não pode ter nascido... Isso quer dizer que hoje, em nosso mundo, em nossa sociedade, em nossa Igreja, não se pode celebrar o Natal caso se persista em discriminar as mulheres, os pobres, os homossexuais, os divorciados-redesposados, as mulheres que tiveram um aborto, os esquecidos e os feridos da vida.
Como cristãos, todos e todas temos uma responsabilidade. O início do evangelho de João, que se tem na manhã de Natal, nos diz que o Cristo é o logos, o Verbo, a Palavra de Deus, que esta Palavra se tornou humana e que ela é transportada por aqueles e aquelas que a receberam e que creem no Cristo (Jo 1,12). E aí o versículo seguinte é de uma importância capital: “Estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1,13). Isso quer dizer que do Cristo ressuscitado se é porta-voz, porta-voz de Deus. Que responsabilidade!
3. Uma liberdade responsável
O Cristo de Natal nasce para libertar-nos. Ele nos liberta das trevas que frequentemente se manifestam pela opressão, o ódio, o desprezo, a rejeição, a exclusão, a injustiça, as desigualdades, etc. O Cristo também nos liberta de uma religião opressora, legalista e injusta que procura destruir o cristianismo, entupindo-o com leis e regras discrimatórias, e que quer amordaçar Deus controlando-o e recusando-lhe seu direito de palavra às mulheres e aos homens de hoje.
Os fiéis e os cristãos que tomaram distância em relação à Igreja, não é a Cristo que eles rejeitam, mas à instituição que pretende representá-lo. As pessoas não se tornaram anticristãs; pelo contrário, nossos modos de viver sempre refletem os valores cristãos fundamentais: a justiça, a liberdade, a igualdade, a dignidade das pessoas. O que as pessoas rejeitam, são os gurus, os aiatolás, os ditadores religiosos que creem deter a verdade sobre Deus e sobre o mundo e que esmagam os fiéis com interditos, regras e leis que convidam à intolerância, ao ódio e ao desprezo da pessoa humana.
Na história humana, Deus se revela como um Deus de Liberdade... uma liberdade responsável. Ser livre não é fazer não importa o que, nem importa quando; pelo contrário, ser livre é ser exigente. Isso supõe uma aprendizagem no sentido de se viver juntos, tendo em conta os outros, e isso se aprende pela educação. Quando há leis ou interditos com ameaças punitivas conservam-se simplesmente as pessoas no medo de serem descobertas numa falta e isso mantém o infantilismo e a não responsabilidade. Ensinando às pessoas a se tornarem responsáveis para salvaguardar seus valores, para serem felizes, as leis se tornam caducas e inúteis. Não necessito de uma lei sobre o homicídio para não matar alguém. Aprendi a me respeitar e a respeitar aos outros. E, quando se produzem ocorrências trágicas e infelizes, não são as leis e as punições que conseguem evitá-las.... Mas é pela prevenção, pela reabilitação, pela responsabilização que se pode esperar mudar as coisas.
Concluindo, pode-se esperar celebrar o Natal neste ano? Creio que sim, se cremos verdadeiramente que o Cristo só pode nascer em nós através de nós. Desejo a todos esta Liberdade responsável, sendo nós mais humanos, a fim de nos tornarmos mais divinos.
Feliz Natal 2011!
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Natal: A humanidade de Deus e a divindade do Homem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU