16 Dezembro 2011
A presença humana sobre a Terra põe com força a necessidade de modificar um modelo de desenvolvimento que destrói recursos e determina o desaparecimento de muitas espécies vivas. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da genética enfatiza a responsabilidade dos cientistas no seu trabalho de pesquisa. Uma entrevista com o autor do livro Il seme di Pandora, publicado pela Codice Edizioni.
A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 14-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde 2005, Spencer Wells trabalha intensamento no "Genographic Project" com a intenção de definir um mapeamento da difusão da população humana sobre a Terra, desde o aparecimento do Homo sapiens. Geneticista e antropólogo, Wells estudou com Richard Lewontin e com Luigi Luca Cavalli-Sforza. Com ambos, compartilha a ideia de que o aparecimento dos sapiens é fruto de uma evolução que durou centenas de milhares de anos, caracterizada não só por uma capacidade de adaptação ao habitat natural, mas também pelos encontros entre as diversas espécies de hominídeos que viveram sobre a Terra.
Autor que alterna entre a escrita e o trabalho de campo – ele é um "explorador" da National Geographic –, Spencer Wells é autor de Il viaggio dell'uomo (Longanesi) e do recente Il seme di Pandora, publicado pela Codice Edizioni (241 páginas), ensaio que propõe uma espécie de sociedade da parsimônia a ser contraposta à liberal riqueza das nações.
Eis a entrevista.
Em Il seme di Pandora, você se concentra nos resultados da civilização nem sempre positivos para os seres humanos. Por que a civilização tem essa ambivalência de fundo?
Eu não nego que o processo de civilização teve efeitos positivos sobre a vida humana. Por exemplo, o trabalho, através das máquinas e a aplicação da ciência às atividades produtivas, é seguramente menos cansativo do que no passado. A ciência também favoreceu o tratamento de doenças que dizimavam as comunidades humanas. O direito, por sua parte, tornou mais fácil a convivência. O mesmo pode ser dito sobre a produção cultural, um dos fatores mais importantes para melhorar o nosso estar em sociedade. Em uma perspectiva antropológica, o processo de civilização favoreceu o crescimento da população e a nossa reprodução enquanto espécie.
Em muitos estudos, a população humana no Neolítico foi estimada em cinco milhões de homens e mulheres. Estamos falando de cerca de 10 mil anos atrás. Eram tempos difíceis para os seres humanos, e muitos estudiosos o definem como o período negro da nossa presença sobre a Terra. Agora nos tornamos sete bilhões. O crescimento populacional ainda não é um fato negativo. Mas se voltarmos o olhar para as consequências de uma presença humana tão difundida sobre o planeta, o panorama é menos otimista.
Por exemplo, o aquecimento do planeta é um efeito colateral das consequências potencialmente terríveis para a presença humana sobre o planeta. O mesmo vale para a extinção de muitas espécies animais e vegetais provocadas pelo processo de civilização. Por isso, é preciso uma reflexão sobre o fato de que a civilização tem efeitos sobre a nossa biologia, que, como se sabe, evoluiu em poucas dezenas de milhares de anos dentro de uma estreita relação com o habitat natural, mas também o social. Isso para dizer que mudamos biologicamente desde que éramos caçadores nômades e vivíamos em pequenos grupos. Derrotamos muitas doenças, moldamos a natureza como melhor acreditávamos.
No entanto, recentemente, manifestaram-se vírus e doenças consideradas como consequência da civilização, justamente. Um dos aspectos com o qual a espécie humana deve se confrontar, portanto, é a gestão do nosso vínculo biológico com o habitat natural e com o habitat social. É um desafio cultural, talvez o mais importante que a espécie humana terá que enfrentar neste milênio.
O mapeamento do Genoma Humano deve ser considerado entre as mais importantes conquistas científicas das últimas décadas. No entanto, também nesse caso, você enfatiza com decisão o possível lado escuro das aplicações resultantes do mapeamento do DNA humano...
Não sei se nos encontramos diante de um lado obscuro das possíveis aplicações das descobertas feitas dentro do Human Genoma Project, que, lembremo-nos, mobilizou muitíssimos laboratórios de pesquisa e muitíssimos cientistas de grande valor em uma perspectiva multidisciplinar, que permitiu uma discussão muito rica sobre o conceito de responsabilidade da ciência. De minha parte, estou convencido de que devemos nos concentrar na análise das consequências sociais, éticas, biológicas das possíveis aplicações dessas descobertas.
Pensemos na genética e na embriologia. São dois campos que tiveram um forte desenvolvimento nos últimos 30 anos, a tal ponto que estamos a um passo de poder escolher e selecionar os genes dos nossos filhos. Isso é bom, porque poderemos evitar disfunções patológicas. Mas também devemos refletir sobre as implicações éticas de algumas pesquisas. No livro, eu falo bastante sobre o "caso" de Charlie Whitaker, um menino de 12 anos afetado por um tipo específico de anemia que foi tratado usando as células-tronco do seu irmão concebido in vitro. Naquela época, a opinião pública inglesa se dividiu entre favoráveis e contrários.
O que é interessante para mim é o fato de que temos um efeito positivo de uma "manipulação" genética e, ao mesmo tempo, encontramo-nos diante de um fato que novamente pôs com força o tema da eugenética e da seleção genética da espécie humana. Assunto que tem precedentes históricos terríveis.
Isto é, encontramo-nos diante de situações que tornam atual um discurso sobre a responsabilidade dos pesquisadores com relação à sociedade. E, ao mesmo tempo, tornam atual uma questão sobre a possível seleção genética: que direito temos de fazer isso? Questão que vale para muitas outras descobertas científicas e a sua aplicações tecnológicas. Daí o problema a resolver sobre como nos comportar diante de implicações que podem condicionar muito, se não até subverter o nosso modo de viver em sociedade.
No seu livro, a evolução ocupa muitas páginas. No entanto, a teoria da evolução é rejeitada por posições muitas vezes definidas como criacionistas...
Para mim, como cientista, a evolução é um fato que podemos confirmar continuamente através de experimentos realizados nos laboratórios onde se estuda genética. A resistência dos antibióticos, por exemplo, só pode ser estudada através do processo evolutivo que caracterizou alguns vírus. Eu sempre penso com prazer e espanto em como a evolução da nossa espécie e de outras espécies vivas dá lugar a uma extraordinária variedade de espécies que compartilham o planeta conosco.
Há algumas borboletas que têm uma forma aerodinâmica que encanta por poder e beleza. Depois, há microorganismos que conseguem viver tanto em ambientes com altas temperaturas quanto em profundidades marinhas loucas. Sem falar das fascinantes variedades de felinos que povoam a África. São apenas poucos exemplos de como a evolução ainda tem o poder de nos admirar por aquilo que produziu e por aquilo que poderá produzir no futuro, dada a capacidade de inovação e de adaptação que caracterizam as espécies vivas. Foram necessários milhões de gerações para se chegar à situação atual. Não devemos nos assustar com essa diversidade, mas nos sentir confortados pela sua existência.
Você descreve o nascimento do Homo sapiens como uma grande aventura, caracterizada também pela combinação de genes de hominídeos diferentes. Em outras palavras, você está dizendo que a combinação de genes é um fator importante da evolução. Não é assim para o conceito de raça, considerado por você como um fator completamente irrelevante. A raça é, portanto, uma convenção social...
Muitos pesquisadores sociais defendem que as raças são uma construção social e não, como afirmam, ao contrário, alguns biólogos e geneticistas, o resultado de variáveis genéticas que têm como únicos efeitos de "superfície" a cor da pele ou a forma dos olhos. Eu poderia dizer que ambas as posições captam elementos, mas ambas não levam em conta a complexidade, a sedimentação social e cultural que a raça teve.
Cientificamente, é claro que não há diferenças genéticas significativas entre as diversas "raças" humanas. E mesmo as que existem são o resultado de uma evolução que ocorreu em 60 mil anos, a partir dos encontros, das migrações, das relações que os "sapiens" tiveram com o habitat natural e social que era aos poucos construído. Esse fator do encontro, da combinação entre grupos humanos diferentes foi amplamente documentado pelo "Genographic Project" do qual eu participo.
Justamente nesse âmbito, verificamos que os seres humanos têm a mesma base genética em 99%. O resto produz homens e mulheres com várias cores de pele e outras pequenas diferenças que são sempre de "superfície". O mistério a desvendar refere-se ao problema das discriminações raciais e das representações sociais negativas que afetam alguns grupos humanos que têm a cor da pele diferente do branco e porque têm uma forma de olho diferente das que caracterizam os europeus ou os brancos norte-americanos.
De fato, você escreve que os seres humanos devem desenvolver uma outra cultura...
Sim, mas não me referia ao racismo. Ao contrário, é preciso uma outra cultura para abordar um assunto fundamental para a sobrevivência da espécie humana, mas que muitas vezes é posto à margem da discussão pública. Vivemos em um mundo que teve um crescimento ininterrupto por quase 60 mil anos. No Neolítico, a Terra era muito diferente da atual. Desde então, muitas espécies se extinguiram, e as sociedades em que vivemos são caracterizadas por um desenvolvimento industrial com elevado consumo de energia. Quando eu escrevo que devemos desenvolver uma nova cultura, parto do pressuposto de que esse modelo de desenvolvimento não é mais sustentável a médio e longo prazo. Por isso, defendo que devemos aprender a viver como uma espécie que habita um planeta muito cheio e onde os recursos são limitados.
Frugalidade, parsimônia: são duas das palavras-chave que você usa para analisar criticamente a atual distribuição da riqueza. Mas a solução para a crise de um modelo de desenvolvimento baseado em um alto consumo de energia e de destruição dos recursos pode se tornar uma narração mitológica ou um devaneio...
O consumo dissoluto do planeta que realizamos deve ser arquivado, pondo limites ao consumo dos recursos e à destruição do habitat natural. Isso comporta uma profunda transformação dos nossos hábitos. Temos 10 mil anos sobre as costas, o que, em comparação com a história da Terra, é apenas um pequeno episódio da vida sobre o nosso planeta. No entanto, foram 10 mil anos em que modificamos os nossos padrões, não questionando-nos, porém, sobre como garantir a sobrevivência não só da espécie humana, mas também a do planeta.
A frugalidade, a parsimônia são, portanto, apenas instrumentos que podem ajudar o desenvolvimento das sociedades mais inclusivas do que as atuais. Só assim podemos garantir um futuro aos nossos filhos e aos filhos deles. Sou moderadamente otimista com relação ao futuro. Isso não significa subestimar as consequências a curto prazo da crise atual. Ao contrário, só uma plena compreensão dos problemas que temos pode nos ajudar a tomar o caminho certo.
Do Neolítico aos nossos dias
Formado em biologia pela Universidade do Texas, Spencer Wells trabalhou com Richard Lewontin, o biólogo e geneticista que, com Stephen Jay Gould, introduziu o termo spandrel para indicar uma característica biológica que aparece em uma espécie depois da modificação de uma outra. Depois do doutorado, Wells trabalhou por muito tempo com Luigi Luca Cavalli-Sforza. É autor de Il viaggio dell'uomo (Longanesi), de 2006, no qual apresenta a hipótese que o Homo sapiens é "filho" de um hominídeo que viveu na África há 60 e 90 mil anos atrás. Wells também faz parte do "Genographic Project", um projeto da National Geographic que visa a estabelecer um mapa dos assentamentos humanos desde o Neolítico até os nossos dias. Seu último trabalho é Il Seme di Pandora, traduzido [ao italiano] pela Codice Edizione (241 páginas), no qual o autor analisa as consequências do processo de civilização na Terra.
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A inocência perdida dos ''sapiens''. Entrevista com Spencer Wells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU