30 Novembro 2011
"A grande crise econômica que começou em 2008, como uma espécie de equivalente de direita à queda do Muro de Berlim, trouxe uma compreensão imediata de que o Estado era essencial para uma economia em dificuldades, do mesmo modo como fora essencial para o triunfo do neoliberalismo quando os governos lançaram suas bases por meio de privatizações e desregulações sistemáticas."
Com essa análise, Eric Hobsbawm chega ao final de seu novo livro, "Como Mudar o Mundo - Marx e o Marxismo, 1840-2011" (Companhia das Letras).
A reportagem é de Eleonora de Lucena e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 30-11-2011.
Ao contrário do que o título pode sugerir, não se trata de um manual ligeiro para revolucionários afoitos. É um mergulho profundo na história do marxismo, mostrando como a trajetória desse pensamento se entrelaçou com as lutas sociais e políticas.
Aos 94 anos, o autor do extraordinário "Era dos Extremos" (1995) esbanja erudição e clareza. Transita entre clássicos da filosofia, da política, da economia e das artes.
Avalia as obras e os seus críticos dentro das tensões da história. Vasculha como o marxismo chegou a abarcar um terço da humanidade e como se despedaçou com o fim da URSS. E como reaparece agora, na busca de explicações para a crise.
Hobsbawm esmiúça a gênese da produção de Karl Marx (1818-1883), que recebeu influências do socialismo francês, da filosofia alemã e da economia-política britânica.
Para além da discussão acadêmica, mostra como o marxismo, diferentemente de outras correntes de pensamento, empurrou gerações para a ação, estimuladas pela célebre frase: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo; a questão, porém, é transformá-lo".
No desenvolvimento dos movimentos sociais, dos partidos e governos criados sob inspiração marxista, Hobsbawm disseca distorções, simplificações e determinismos que não encontram base nos escritos originais.
Nada na obra de Marx, por exemplo, sustenta a inevitabilidade da sequência de modos de produção - escravismo/feudalismo/capitalismo, argumenta.
"Marx e Engels deixaram para seus sucessores um pensamento político com vários espaços vazios ou preenchidos de modo ambíguo", escreve o historiador. "Eles rejeitaram as dicotomias simples daqueles que se dispunham a sociedade ruim pela boa, a desrazão pela razão, o preto pelo branco", enfatiza.
Hobsbawm lembra de algumas desses áreas cinzentas, como os conceitos da ditadura do proletariado, do nacionalismo e da autodeterminação. Navega com o marxismo pelas guerras mundiais, pela luta contra o fascismo, pelas universidades.
Presta uma homenagem a Antonio Gramsci (1891-1937), o teórico e militante para quem "o marxismo não era determinismo histórico. Não bastava esperar que a história de alguma forma levasse automaticamente os trabalhadores ao poder".
Para Hobsbawn, o auge da "maré intelectual" do marxismo foi nos anos 1970. Depois houve a derrocada rápida, com a queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da URSS (1991). Marx passou a ser mostrado "como o inspirador do terror e do gulag". Agora, a crise trouxe Marx de volta.
Avaliando o momento, Hobsbawm nota que "os socialistas não sabem o que fazer, pois não podem apontar exemplos de regimes comunistas ou social-democratas imunes à crise nem têm propostas realistas para uma mudança socialista".
Fala dos protestos "de intensa insatisfação social sem perspectiva", teme "o risco de uma guinada brusca da política para uma direita radical" e não descarta "a possibilidade de uma desintegração, até mesmo de um colapso, do sistema existente. Nenhum dos dois lados sabe o que aconteceria nesse caso".
Não é um guia nem tem as respostas para a crise. Mas ajuda a pensar. Para o historiador marxista, quem quiser soluções para o século XXI "deverá fazer as perguntas de Marx, mesmo que não queira aceitar as respostas dadas por seus vários discípulos".
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Hobsbawm investiga o marxismo e encara crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU