Por mais de três décadas,
Robert Vitaglione nunca recusou um cliente, representando milhares de imigrantes nos sobrecarregados tribunais federais de imigração de Nova York. Mas ele não é um advogado. Ele é um padre católico romano sem treinamento legal formal e nem supervisão – e isso fica evidente.
A reportagem é de
Sam Dolnick, publicada pelo jornal
The New York Times e reproduzido pelo
Portal Uol, 08-07-2011.
Desgrenhado e desorganizado,
Vitaglione às vezes colocava em risco os casos com seu comportamento errático, segundo uma investigação federal. Seus recursos incluíam uma enxurrada de fontes e apartes –“
Deportação (IGUAL) Morte” estava escrito em um.
Em maio, os administradores da corte deram um basta, barrando
Vitaglione de cuidar dos casos. Mas isso apenas aprofundou a confusão. Advogados e defensores de direitos tiveram que realizar reuniões de emergência para decidir como pegar seus casos pendentes, consertar os problemáticos e encontrar representação para um grande número de imigrantes.
O papel central de
Vitaglione nos casos de imigração, assim como as repercussões de seu recente afastamento, apontam para a profunda disfunção no sistema em Nova York e em todo o país.
Milhares de imigrantes pobres sobrecarregam o sistema todo mês apenas na cidade, contestando as ordens de deportação ou outras ações administrativas, mas sem o direito a representação legal gratuita, como ocorre nos tribunais criminais. Como resultado, juízes federais de imigração, ávidos para que os réus tenham algum tipo de ajuda, fazem vista grossa para problemas com voluntários como
Vitaglione.
Os tribunais de imigração há muito permitem que não advogados representem os clientes caso demonstrem alguma competência legal. Nova York tem dezenas desses representantes autorizados. Mas nenhum com tamanho número de casos e reconhecimento quanto
Vitaglione, que era conhecido dentro dos tribunais como Bob. Ele tinha mais clientes do que toda a unidade de imigração da
Legal Aid Society.
Visto como herói nos círculos religiosos e como ameaça nos círculos legais,
Vitaglione, 63 anos, não aceitava pagamento. Em uma entrevista no porão de sua paróquia na Igreja do Sagrado Coração, perto do Arsenal da Marinha do Brooklyn, ele reconheceu ter ficado sobrecarregado, mas defendeu seu trabalho como um chamado quase espiritual.
“Nós temos mais advogados do que hidrantes nesta cidade, mas ninguém ajudará”, ele disse.
Ele chamou os imigrantes aguardando deportação de “os leprosos de hoje”.
“Se Jesus estivesse aqui”, disse
Vitaglione, “estas seriam as pessoas com quem ele se sentaria”.
O que está em jogo dificilmente seria maior. Os imigrantes que passaram anos nos Estados Unidos frequentemente consideram a deportação uma punição pior do que uma sentença de prisão.
Mas muitos imigrantes precisam representar a si mesmos, mesmo não falando inglês e nem entendendo a lei. Na cidade de Nova York em 2009, 60% dos imigrantes detidos não tinham advogado; nem os 27% de imigrantes não detidos que apareceram perante o tribunal de imigração, segundo estatísticas do governo.
As decisões nesses tribunais frequentemente dependem de representação, onde os réus acusados de violações de imigração, desde permanência além do visto até o cometimento de um crime violento, enfrentam advogados do governo e a ameaça de deportação. Os imigrantes sem advogado têm uma probabilidade cinco vezes maior de perderem seus casos, apontaram defensores de direitos em um relatório divulgado em maio.
Os imigrantes que representam a si mesmos também atrasam um sistema sem espaço para demora. Cada pauta de juiz pode chegar a 2 mil casos, e os imigrantes sem advogados só contam com os juízes para explicação dos aspectos técnicos, ajuda com a papelada e assumir algumas das responsabilidades do advogado.
É aí onde entra
Vitaglione.
“Ele ajudava parte do sistema e o sistema continuava funcionando”, disse
Stan Weber, um advogado de imigração que disse admirar
Vitaglione. “Tudo se resume à sobrecarga e ao sistema estar quebrado, e ele perceber que não é mais capaz de fazer isso.”
Mas outros dizem que o número de casos de
Vitaglione encobre uma crise de representação.
“Ele permitia que o tribunal operasse como se a pessoa estivesse sendo representada, quando na verdade não estava”, disse
Amy Meselson, uma advogada de imigração da Legal Aid Society. “Era realmente pernicioso, porque estava mascarando um problema.”
Poucos questionam a dedicação de
Vitaglione ou sua compaixão diante dos apuros dos imigrantes. Em uma noite recente no Brooklyn, ele e dois associados se encontraram individualmente com aproximadamente 40 imigrantes – albaneses, jamaicanos, peruanos, mexicanos – preenchendo documentos e oferecendo orientação até tarde.
Ele tem ajudado inúmeros imigrantes ao longo dos anos em assuntos grandes e pequenos. Ele preencheu os formulários que
Juan Mego Suarez, natural do Peru, precisava para renovação de seu green card no ano passado. “Tudo foi resolvido, graças ao padre”, disse
Suarez, 49 anos.
Vitaglione recebeu um prêmio do Departamento de Justiça em 1995, por seu “papel único e trabalho árduo”, que o tornavam “valioso para os juízes de imigração de Nova York”.
Ele iniciou o trabalho com imigração nos anos 70, quando seus fiéis no Brooklyn o procuraram em busca de ajuda, apesar de, inicialmente, ele saber pouco a respeito do assunto.
Ele estudou a lei e se tornou um “representante autorizado”, o que significava que podia advogar em um tribunal de imigração sem aprovação da ordem dos advogados. Ele começou a pegar dezenas de casos, depois centenas.
Alguns juízes até mesmo tinham “Dias do Bob” especiais em seus calendários, quando separavam os casos mais desesperados para que ele os pegasse.
“A missão deles estava cumprida – agora eles tinham a pessoa na pauta com representação”, disse
Weber. “Eles certamente foram um fator para que ele ficasse sobrecarregado.”
Vitaglione estava listado como representante em 761 casos em andamento em junho de 2010, segundo a Junta de Apelações de Imigração, uma carga de trabalho exponencialmente maior do que mesmo advogados altamente treinados seriam capazes de lidar.
“Nós somos como as prostitutas da Babilônia”, ele disse. “Nós nunca dizemos não.”
Mas enquanto sua lista de clientes crescia, a qualidade de seu trabalho caía. A Legal Aid Society disse que impetrou oito queixas contra ele nos últimos cinco anos. O Departamento de Segurança Interna determinou no ano passado que ele errou em pelo menos seis casos.
“Nós não podemos desculpar suas falhas como representante autorizado, ou ignorar o impacto que seu trabalho teve sobre imigrantes indigentes ou de baixa renda, que dependiam de seus serviços”, escreveu a Junta de Apelações de Imigração federal em sua decisão de 6 de maio, o afastando dos tribunais. A junta determinou que
Vitaglione não compareceu ou compareceu despreparado em audiências de 221 casos.
No ano passado, segundo a investigação, ele deixou de informar uma cliente sobre a data de sua audiência e, devido à ausência dela, o tribunal ordenou sua deportação.
Em um caso em 2009, ele não compareceu à audiência, e seu cliente, um homem dominicano, foi deportado. Em outro caso citado pela Junta de Apelações de Imigração, ele deu entrada à apelação quase um ano após a junta ter proferido sua decisão final. A escassez de advogados dispostos a representar os imigrantes pobres, escreveu a junta em maio, “não reduz a responsabilidade do padre
Vitaglione de fornecer representação competente em cada caso que aceita”.
A decisão teve repercussão por todo o Estado. A
Legal Aid Society disse que isso causou um grande aumento de imigrantes à procura de representação.
Mesmo assim, alguns advogados disseram ver a crise como uma oportunidade para tratar do problema da representação legal inadequada nos tribunais.
“Agora, todo mundo precisa acordar e ver como consertaremos isso”, disse
JoJo Annobil, chefe da unidade de lei de imigração da
Legal Aid Society.
Mas remover
Vitaglione do tribunal de imigração não será fácil. Sua organização sem fins lucrativos, o
Comitê de Nossa Senhora de Loreto para Assuntos de Imigração Hispânicos, mantém sua autorização e ainda está listada no diretório do Departamento de Justiça de representação legal gratuita.
Em uma manhã recente, menos de dois meses após a decisão da junta,
Vitaglione estava de volta ao tribunal de imigração com seu colarinho clerical, entrando pela porta especial reservada aos advogados.
Havia 28 casos na pauta naquele dia, e sua rede representava metade deles. Ele estava listado equivocadamente como advogado de um, sua organização sem fins lucrativos listada como de outro e
Tim McCarthy, um advogado com quem ele trabalha no Brooklyn, estava listado como de outros 12.
“Eu não posso representar ninguém”, disse
Vitaglione, “mas isso não significa que não possa supervisionar”.
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Casos de padre expõem problemas nos tribunais de imigração dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU