09 Junho 2011
Publicamos aqui a análise do teólogo italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão, sobre o novo livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração.
O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, -06-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Pontual, depois da primeira parte do livro Jesus de Nazaré. Do batismo no Jordão à transfiguração, apareceu, por ocasião das festividades pascais de 2011, após cerca de quatro anos, a segunda parte, publicada na edição italiana pela Libreria Editrice Vaticana, com o título Gesù di Nazaret. Dall’ingresso in Gerusalemme fino alla risurrezione [na edição em português, Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição, Ed. Planeta, 2011].
O nome do autor está sempre em dupla versão: o nome do teólogo e o nome do papa, que deixa ao leitor e ao resenhador liberdade de avaliação e de crítica. E o critério metodológico da exposição ainda conjuga "a hermenêutica da fé" com "a hermenêutica histórica consciente de seus próprios limites para para formar uma totalidade metodológica" (7), que representa uma retomada dos princípios metodológicos para a exegese formulados pelo Concílio Vaticano II (in Dei Verbum 12), "uma tarefa até agora, infelizmente, quase nada enfrentada" (7).
Torna-se manifesta também a intenção: "Conjugando entre si as duas hermenêutica das quais falei acima, busquei desenvolver um olhar sobre o Jesus dos Evangelhos e uma escuta dEle que pudesse ser um encontro e, no entanto, na escuta em comunhão com os discípulos de Jesus de todos os tempos, chegar também à certeza da figura verdadeiramente histórica de Jesus" (9).
O livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI é diferente da obra de vários volumes do exegeta norte-americano John Meier, Um judeu marginal (1991ss.) que segue o modelo da exegese histórico-crítica, e do livro do exegeta alemão Klaus Berger Jesus (2004), que ilustra a figura e a mensagem de Jesus, pondo-se em diálogo com as questões do presente. Esses três livros, entre os mais recentes, sobre a figura de Jesus, são exemplarmente diferentes nas metodologias, mas se revelam a convergentes e integráveis nos resultados obtidos.
O livro que estamos levando em consideração e que pretendemos sublinhar só alguns pontos de partida de interesse particular, é legível por todos "não está escrito em chinês para especialistas", como observou o biblista Thomas Söding em um dos primeiros comentários que apareceram no mundo alemão. Eu até diria que ele é ainda mais legível do que o primeiro livro, pelos eventos dramáticos que reconstrói e narra com sólida documentação em nove capítulos, seguidos por páginas conclusivas com o título Perspectivas.
O primeiro capítulo descreve a entrada em Jerusalém e a purificação do templo, refutando as teses em chave política de Eisler e de Brandon, que agregavam Jesus ao movimento revolucionário dos zelotas: "Jesus não vem como destruidor; não vem com a espada do revolucionário. Vem com o dom da cura" (34).
O segundo capítulo reflete sobre o discurso escatológico de Jesus, transmitido nos três sinóticos com variações diferentes, que "talvez deve ser qualificado como o texto difícil em absoluto dos Evangelhos" (37). Nesse capítulo, Ratzinger consegue, de modo eficaz, a fazer com que se entenda "o choque tremendo" que constituiu para o judaísmo a cessação do sacrifício com a destruição do templo: "Mas Ele sabia também que a época desse templo estava superada e que chegaria algo novo que estava conectado com a sua morte e ressurreição" (46). Ratzinger, depois, distingue bem a relação entre profecia e apocalipse no discurso escatológico: "As palavras apocalípticas de Jesus não têm nada a ver com a clarividência. Elas querem nos afastar da curiosidade superficial pelas coisas visível e nos conduzir ao essencial" (64).
O terceiro capítulo tem por objeto o lava-pés, na última ceia de Jesus com os seus discípulos. Aqui, o motivo recorrente da explicação: "A fé purifica o coração. Ela deriva do voltar-se de Deus ao homem. A fé nasce para que as pessoas sejam tocadas interiormente pelo Espírito de Deus, que abre o seu coração e o purifica" (71). A fé é "o verdadeiro banho de purificação para o homem" (86).
Continua no capítulo quatro a reflexão sobre a oração sacerdotal de Jesus, que é oração pela unidade, e pela unidade "visível", e não só "unidades do anúncio", como explica Bultmann, cujo comentário sobre João (junto com o de Schnackenburg) acompanha as reflexões do nosso autor durante todo o percurso da exegese de João. Ratzinger observa: "O anúncio autêntico criaria, ele mesmo, a unidade. A `separação de fato` da Igreja não seria capaz de impedir a unidade proveniente do Senhor, nos ensina Bultmann" (111). Ratzinger, no entanto, especifica que essa unidade se baseia, implicitamente, em três pilares: o sacramento da sucessão, o Cânone das Escrituras e o chamado Símbolo da fé: o Creio. Pode-se prever que esse será um dos pontos de discussão ecumênica.
O capítulo quinto, central na exposição, é sobre a última ceia, que, segundo Ratzinger, seguindo João, era um jantar de despedida, mas não coincidia com a ceia pascal. O capítulo levantará discussão entre os especialistas. Sabe-se que são dadas duas dataçõess aos últimos dias de Jesus: "A mais seguida é a datação sinótica, pela qual a última ceia foi a ceia pascal judaica. Segundo a datação de João, recuperada por Ratzinger, a partir da reconstrução do biblista norte-americano John Meier, "processo e crucificação ocorrerem no dia antes da Páscoa, na `Parasceve`, não na mesma festa. A Páscoa naquele ano, portanto, estende-se desde a noite da sexta-feira até a noite do sábado e não da noite da quinta-feira até a noite de sexta-feira" (124).
Ele continua dizendo: "Quanto ao resto, o desdobramento dos eventos continua o mesmo. Quinta-feira à noite, a última ceia de Jesus com os seus discípulos, mas que não é uma ceia pascal; sexta-feira – véspera da festa e não a festa em si; o processo e a execução capital. Com essa cronologia, Jesus morre no momento em que, no templo, são imolados os cordeiros pascais. Ele morre como o Cordeiro verdadeiro que estava só preanunciado naqueles cordeiros" (124). Vê-se bem que a datação joanina permite que Ratzinger recupere o motivo "místico", expressado por aquela dramática reconstrução da sequência dos fatos, que o teólogo evidencia com grande intensidade espiritual.
O capítulo sexto tem um título emblemático, Getsêmani. Na apresentação oficial do livro, o escritor Claudio Magris foi direto a esse capítulo, em seu douto discurso, para demonstrar a humanidade de Jesus na "luta interior", "na qual Ele deve assumir o destino do cordeiro" (165). Essa "luta noturna" se expressa com a fulgurante tradução das palavras de Jesus no jardim: "Minha alma está perturbada", feita por Bultmann, e citada por Ratzinger: "Tenho medo" (Bultmann, p. 327; Ratzinger, p 177.).
O movimentado capítulo sétimo é dedicado ao processo, onde se explica com profundidade a expressão usada por Mt 27, 25, segundo a qual "`todo o povo` teria dito: "Seu sangue recaia sobre nós e sobre os seus filhos", que a literatura judaica avalia como a expressão mais antijudaica das Escrituras cristãs. Ratzinger explica – retomando, implicitamente, o Concílio Vaticano II e a grande exegese contemporânea – que "todo o povo" representa só "o grupo dos apoiadores de Barrabás, e não o povo judeu como tal" (209). Mas acrescenta uma outra interpretação teológica: "Não é maldição, mas redenção, salvação. Somente com base na teologia da última ceia e da cruz presente em todo o Novo Testamento a palavra de Mateus acerca do sangue adquire o seu sentido correto" (211).
No capítulo oitavo, desenvolve-se uma teologia da cruz, sintetizada "na palavra `por`; é – como sobretudo Heinz Schürmann repetidamente sublinhou – uma pró-existência" (196); e para trás, sobre a morte na cruz, o padrão de "cordeiro". A hora nona da sexta-feira: "É a hora em que são imolados os cordeiros pascais. [...] Jesus aparece aqui como o verdadeiro Cordeiro pascal, que é puro e perfeito" (250).
No capítulo nono, realiza-se um acurado e essencial exame de todos os textos do Novo Testamento relativos à ressurreição de Jesus da morte. E escreve-se: "Ele é plenamente corpóreo. No entanto, não está ligado às leis da corporeidade, às leis de espaço e tempo. Nessa surpreendente dialética entre identidade e alteridade, entre corporeidade e liberdade dos laços do corpo, se manifesta a essência peculiar e misteriosa da nova existência do Ressuscitado" (295-296).
O livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI termina com as Perspectivas sobre a ascensão e sobre o seu retorno na glória, e conclui com o gesto de bênção de Jesus do final do Evangelho de Lucas (Lc 24, 25s): "No gesto das mãos que abençoam, exprime-se a relação duradoura de Jesus com os seus discípulos. [...] Na fé, sabemos que Jesus, abençoando, tem as suas mãos estendidas sobre nós. É essa a razão permanente da alegria cristã" (324).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O novo livro do Papa sobre Jesus. Uma análise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU