23 Fevereiro 2011
De acordo com o primeiro-ministro inglês David Cameron e a Chanceler alemã Angela Merkel é necessário abandonar a ideia da convivência entre grupos com tradições diferentes. E, na Europa, reabre-se a discussão. Sem integração, o respeito à diversidade produz o antagonismo entre ética e prática que termina por minar a coexistência civil. As leis nacionais devem sempre prevalecer sobre os costumes dos países dos quais proveem os imigrantes.
O artigo é de Alain Touraine e publicado pelo jornal La Repubblica, 10-2-2011. A tradução é de Anete Pezzini.
Eis o artigo.
Quando se fala sobre as relações entre culturas diferentes dentro de uma mesma sociedade é necessário evitar simplificações e esquemas, subtraindo-se à tentação do ou-ou entre assimilação e multiculturalismo.
Duas posturas contrapostas que, nas suas versões mais intransigentes, tornam-se ambas irreais e, portanto, falimentares. Na França, onde se pensava de poder integrar os imigrantes, assimilando-os em uma identidade nacional, hoje eles são prisioneiros dos guetos, lutando contra um desemprego altíssimo e uma discriminação cada vez mais acentuada. Na Inglaterra, David Cameron - como por outro lado Angela Merkel na Alemanha - denuncia os limites do multiculturalismo, em que a defesa das diferenças culturais no final das contas produziu contraposições inaceitáveis e a rejeição dos direitos dos outros. Em ambos os casos, prevaleceu um comunitarismo intransigente que resiste a qualquer integração.
O projeto de uma sociedade multicultural está, portanto, em crise. A causa deve ser buscada, sobretudo na falta dos fatores de integração que deveria ter acompanhado tal projeto. Sem integração, de fato, o repeito à diversidade cultural produz o antagonismo de práticas, valores e tradições, em que ausência de um terreno comum termina por minar a coexistência civil.
A ideia de que comunidades culturais, étnicas ou religiosas diferentes possam continuar a viver em uma mesma nação, conservando suas tradições, seus valores e sua identidade, nasceu exatamente na Inglaterra, que à época pensava, sobretudo nas diferentes comunidades provenientes do império britânico e, consequentemente, unificadas pela língua inglesa. Além de tudo, o multiculturalismo surgiu em um contexto de crescimento econômico e de fortalecimento da identidade nacional. Como muita coisa sucedeu nos Estados Unidos, um país de imigrantes, no entanto, desenvolveu imediatamente dois fatores potentes de unidade: o sistema jurídico e o mercado de trabalho.
O multiculturalismo, de fato, pode existir somente se, contemporaneamente, fortalece-se a unidade nacional, no plano social e no econômico, mas também em termos de valores compartilhados que fundam a pertença à cidadania e à identidade coletiva.
Hoje a Inglaterra não tem mais a capacidade de integração que tinha no passado. O mesmo vale para a França e até mesmo - em parte - para os Estados Unidos. Um pouco em toda a parte assistimos à consciência da identidade nacional debilitar-se. A globalização, a crise de valores, a conjuntura econômica debilitam os Estados, que, por essa razão, não estão mais em condições de contrabalançar com a integração as reivindicações do comunitarismo. Reivindicações sempre mais extremistas que, amiúde, nasceram como reação à xenofobia e à islamofobia em crescimento em todo o Ocidente, até por causa das tensões internacionais produzidas no 11 de setembro e na guerra do Iraque.
Reconhecer os limites de uma sociedade multicultural não significa, todavia, renunciar ao respeito às outras culturas e ao diálogo, que sempre é um fator positivo. No entanto, isso não se pode reduzir simplesmente à tolerância, até porque, de vez em quando, atrás dela esconde-se um sentimento de superioridade. Toleramos de fato aqueles que consideramos inferior. O multiculturalismo mais radical, que defende uma tolerância absoluta, nasce frequentemente de um sentimento de superioridade econômica, cultural e social.
Respeitar as outras culturas é uma operação muito complexa, motivo pelo qual a tolerância que me interessa é aquela que defende os direitos das minorias em nome dos direitos universais, como foi feito no passado para os direitos da mulher. Quem, em nome do relativismo cultural, põe em causa o valor universal dos direitos do homem comete um grave erro, porque todos os nossos direitos específicos foram sempre conquistados em nome de tais valores universais. Não tem sentido abandoná-los. Devemos, todavia, demonstrar que o universalismo dos direitos do homem é conciliável com o respeito aos direitos culturais das comunidades diferentes, as quais, por sua vez, devem reconhecer o valor dos princípios universais. Somente assim é possível viver juntos sem conflitos. Em suma, a maioria deve respeitar os direitos da minoria, com a condição de que a minoria respeite aqueles da maioria. E, quando uma comunidade se recusa a fazê-lo, então necessita fazer-lhe respeitar a lei que incorpora os direitos de todos. As leis nacionais devem sempre vencer a tradição dos países de proveniência.
Vivemos em um mundo móvel, em que a nossa sociedade continuará inevitavelmente a acolher os migrantes até porque precisamos deles. A presença de suas tradições culturais produzirá uma forma de hibridação que enriquecerá a nossa cultura. Por isso devem ser respeitadas. Mas como eu disse, a tolerância somente não basta, dado que não pode existir reconhecimento de identidade sem integração social e nacional. Somente o sentido de pertença da identidade coletiva fortalece-se, torna-se possível reconhecer as diferenças culturais. Somente reforçando as políticas de igualdade torna-se possível aceitar as diferenças. É preciso ser iguais e diferentes. Na prática, além de exigir o respeito às leis nacionais por parte de todas as comunidades, é necessário combinar multiculturalismo e assimilação, procurando integrar as outras culturas, mas dando-lhes a possibilidade de expressar-se. Somente assim se combatem contemporaneamente o comunitarismo e a xenofobia.
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Por que está em crise o sonho da convivência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU