20 Outubro 2012
No dia 15 celebrou-se o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II. Solicitamos a um dos maiores estudiosos do Concílio, o historiador e teólogo jesuíta John W. O’ Malley, docente na Georgetown University de Washington, autor do ensaio Que coisa aconteceu no Vaticano II, de traçar dele um balanço.
A entrevista é de Luca Rolandi, publicada no jornal La Stampa, 11-10-2012. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Há cinquenta anos de sua abertura, qual é o “estado de saúde” do Concílio?
O Concílio é uma realidade rica, complexa e sua herança, é multíplice. Entre as várias coisas que deixou à Igreja e ao mundo, ele deu à Igreja um novo papel num mundo devastado pelo ódio e por ameaças de violência. A reconciliação é um dos grandes temas que percorrem o Concílio, expresso numa variedade de modos. A Igreja se afastou do “imperialismo cultural do Ocidente”, que tocava até os missionários católicos. Ainda mais relevante tem sido a reconciliação com os judeus e os muçulmanos, como vem expresso no documento Nostra aetate. Isto implicava deixar para trás uma tradição de denigramento de outros fiéis, uma tradição que havia contribuído ao horror da Shoah.
As discussões hodiernas sobre o Concílio nascem de diferentes visões da Igreja?
As discussões teológicas são necessárias, porque, elas nos ajudam a permanecer na pista correta e a difundir interpretações não ideológicas. O verdadeiro fruto deste Concílio é o modo pelo qual nos ensinou a viver. Isto é notavelmente mais importante do que as sutilezas teológicas e será, espero, a herança duradoura do Concílio. A única missão da Igreja é pregar a mensagem do Evangelho. Esta é a “substância imutável”. A missão implica que a mensagem seja compreensível, no contexto atual, e tornada real para quem a escuta, o que requer adaptações. A Igreja, como qualquer realidade viva, mudou com o tempo e continuará a mudar. Descrever o Vaticano II somente como um “acontecimento”, é minimizá-lo, é esquecer como a Igreja se comportava antes do Concílio, refutando, portanto, o fato que nos tenha sido dada uma mudança importante. Claramente, as continuidades na Igreja são muito mais profundas em relação a qualquer mudança. Mas, negá-lo seria imitar as avestruzes. Bento XVI o reconheceu, em seu discurso na cúria romana aos 22 de dezembro de 2005, quando afirmou que o Concílio devia ser compreendido como “uma combinação, em diversos níveis, de continuidades e descontinuidades”. Reforma é, portanto, uma boa categoria para descrever aquilo que aconteceu: “uma combinação, em diversos níveis, de continuidades e descontinuidades”.
Os “nativos” conciliares não conhecem o que aconteceu então? E quando os testemunhos tiverem desaparecido, o que restará?
O Vaticano II já passou da experiência e memória à história. Hoje, apenas uma decrescente minoria se recorda de “como era antes”. É difícil prever que impacto terá o concílio sobre as futuras gerações. Aquilo que talvez se possa dizer é que viverão aquilo que vivenciou o Concílio. Com a exceção de uma minoria marginal, considero difícil imaginar que a assim chamada “missa tridentina” volte à ribalta. Atualmente, a liturgia na língua mãe é a vida ordinária da Igreja e a missão reconciliadora da Igreja, dada por descontada, deveria ser oportunamente chamada de volta.
O Vaticano II tem, então, um futuro?
Uma característica crucial do Vaticano II era que os seus decretos não consistiam numa coleção de textos destinados a modificar comportamentos, ou simplesmente assegurar a boa ordem nas atividades da Igreja. Havia uma mensagem espiritual a comunicar, como demonstram a forma linguística e o vocabulário usados nos seus decretos. Isso forneceu um cristianismo que retornava às fontes da Palavra. Expressões, como esperança, amizade, aliança, colegialidade, reconciliação, fraternidade, ausentes nos concílios precedentes, entraram na vivência do cristianismo de modo vital. O Concílio convidava, portanto, a Igreja a viver no mundo com misericórdia e amor.
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Conclílio Vaticano II. "Ensinou-nos a viver de modo novo”. Entrevista com John W. O'Malley - Instituto Humanitas Unisinos - IHU