05 Outubro 2012
Xavier Plassat, 63 anos, dominicano francês, desde 1989 no Brasil, é coordenador da campanha nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT contra o trabalho em condições de escravidão. A revista francesa La Vie, 27-09-2012, publica o seu testemunho sobre o Concílio Vaticano II, 50 anos após o seu início. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o depoimento.
O Concílio Vaticano II coincide com os primeiros anos de minha consciência de cristão e de militante no interior das Jeunesse Chrétienne (Juventude Estudantil Cristã – JEC). Aquele momento me entusiasmou, porque me deu a sensação de que estávamos passando de um mundo para outro. Deixava-se de lado um conjunto de tradições e de coisas às vezes bizarras, que nos davam a impressão de ser “um mundo separado” na sociedade, para realizar uma grande operação pela verdade. A Igreja estava finalmente no mundo. Preocupava-se pela salvação dele e por sua felicidade. De ora em diante, as preocupações das pessoas simples teriam entrado na Igreja. E, para que isso ocorresse, a Igreja devia estar à escuta e disponível, superando os seus fechamentos e clausuras.
A JEC era uma forma de comunidade de base, onde as práticas de celebração, de reflexão, de revisão de vida e de decisões de atividades estavam em estreita relação com o que era proclamado no Concílio. E, precisamente no mesmo período, me chegavam da América Latina os ecos daquelas que começavam a se chamar “comunidades de base”. Era como uma antecipação daquela grande ventania de ar novo e eu me disse que o mundo inteiro necessitava de uma Igreja Católica ecumênica, democrática, que funcionasse na base de uma comunidade de comunidades, na base da colegialidade. Proclamava também o reconhecimento das igrejas locais e assegurava que o Reino de Deus precisava ser construído, ali, naquele momento.
Com o Vaticano II, tivemos mais clara consciência do fato de que a verdade era complexa, construída, que cada pessoa humana, cada religião e cultura tinham a sua palavra a dizer. O retorno à Bíblia, a promoção da colegialidade, a participação de todos – ordenados e leigos – na vida da Igreja foi algo de tão moderno que, para alguns, foi insuportável. Pelos 50 anos subsequentes foi preciso lutar para evitar o retorno àquilo que existia antes.
Em minha vida espiritual, aquela grande ventania de ar fresco, de verdade e de coerência é essencial, porque constitui a base daquilo que o Evangelho tem de melhor: preocupar-se pela felicidade das pessoas aqui e agora e construir o Reino de Deus. É isso que me faz viver e ir em frente. O Concílio também me ajuda na vida cotidiana e em minha missão. Quando nos encontramos confrontados com problemas radicais de humanidade – viver ou morrer, ser pessoa humana ou mercadoria – se está diante do ABC da verdade evangélica. Não nos preocupamos em saber se é preciso dizer a missa em latim ou com um harmônio! Ou se é obrigado a considerar a crua realidade e a semear aí a mensagem evangélica. O Vaticano II nos convida a testemunhar nossa diferença no modo de pensar a respeito dos costumes da sociedade consumista, muito individualista e muito narcisista. Esta dimensão do Concílio que se abre ao outro em sua diferença e em sua riqueza é um convite constante a dizer que o nosso mundo não é definido unicamente pelos nossos cartões de crédito. É muito mais do que isso. Este grande evento me permite estar presente neste mundo. Nossa diferença não consiste na nostalgia de um retorno ao passado, mas numa visão bem mais alta e mais ampla.
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“Vaticano II: o que o Evangelho tem de melhor. Depoimento de Xavier Plassat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU