Por: Jonas | 26 Setembro 2012
Antonio González foi missionário em Goma, na República Democrática do Congo, na dura época dos refugiados que vinham de Ruanda. É especialista em pastoral juvenil e em ecumenismo, dirige grupos de oração... e recentemente foi nomeado secretário geral do V Centenário do nascimento de Santa Teresa.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 20-09-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que fará por ocasião do V Centenário de Santa Teresa?
Demos forma a todo o projeto num livro que acabamos de publicar. Nele são recolhidas todas as linhas de ação e de realização do Centenário. Teresa de Jesus é uma santa que abriu caminhos para a mulher, para a vida religiosa, para a Igreja de seu tempo... E acreditamos que agora tem muito que dizer. Por sua personalidade, seu humanismo, sua psicologia, sua espiritualidade. Por isso, pensamos que este Centenário é uma oportunidade para aproximá-la do mundo. Para que possa continuar dizendo sua mensagem.
Poder-se-ia dizer que ela é um patrimônio da humanidade?
Sim. É uma das personalidades do século de ouro espanhol, que contribuiu para forjar a língua castelhana. Certamente é uma mulher universal. E falando de outro tipo de patrimônio, há um convento que foi construído no solar da casa natal de Santa Teresa, que queremos restaurar. É um patrimônio muito rico. Em Ávila é conhecido como o convento dos frades. Queremos restaurar e digitalizar os escritos, aproximá-los das pessoas... É todo um trabalho.
Existe a previsão de algumas exposições?
Sim. Santa Teresa é uma figura muito interessante como escritora e como inspiradora de artistas. Estamos tratando a questão de fazer uma exposição de seus manuscritos na Biblioteca Nacional. Gostaríamos de chegar a fazer uma exposição no Museu do Prado, porque há uma grande obra pictórica e escultural sobre Santa Teresa. Dado isto, pode-se fazer uma exposição do tipo “As Idades do Homem”. São coisas que, de momento, estamos projetando. São ainda possíveis trabalhos.
Custa muito dinheiro organizar algo assim?
Sim, custa muito. Porém, eu acredito que estas coisas também acabem trazendo muito dinheiro, como a Jornada Mundial da Juventude. O Museu do Prado colaborou com uma exposição da Jornada Mundial da Juventude, e acredito que bateu o recorde de público. Por um lado, estas coisas precisam de um investimento, mas também geram alguns benefícios. E não somente em nível econômico, mas de difusão da cultura, e do que isso acarreta. Tudo se alimenta mutuamente.
Ainda são conservados muitos manuscritos?
Sim. Os das principais obras são todos conservados. A maioria deles está na biblioteca de El Escorial, porque Felipe II quis guardá-los lá. O que está faltando são cartas ou obras menores que se dispersaram por diversos lugares. Seria preciso recolhê-los, catalogá-los, restaurá-los... Também queremos fazer exposições itinerantes do tipo audiovisual, que podem aproximar Santa Teresa das pessoas.
Em relação à promoção da mulher, o que pretende fazer?
Bem, o Carmelo teresiano, fundado por ela, tem um trabalho social em todo o mundo, também de promoção da mulher. Queremos que o Centenário também seja um apoio e incentivo para este trabalho social. Teresa foi uma defensora da promoção da mulher nessa época, em pleno século XVI espanhol, em que a mulher praticamente ficava enclausurada em sua casa ou num convento. Santa Teresa reivindicou para a mulher um espaço na Igreja, e acreditou no que podia colaborar com a sociedade. Seus escritos são uma prova disso.
Conseguiu?
Eu entendo que frei Luis de Léon, que é o que preparou a primeira edição das obras de Santa Teresa, depois de se encontrar com ela “em suas filhas”, como ele disse; falou para seu editor que não voltasse a publicar “A perfeita casada”, que era uma obra na qual se expressava essa mentalidade misógina de seu tempo.
Ou seja, santa Teresa convenceu frei Luis de León?
Parece que sim. E, de fato, várias das carmelitas descalças irão ser mulheres de uma projeção importante, como a beata Ana de São Bartolomeu. Teresa criou esse espaço de vida contemplativa apostólica e ampliada. Com mais projeção na Igreja.
Porém, apesar de tudo, não continua sendo uma matéria pendente em nossa Igreja a “plena cidadania” da mulher?
Sempre existem temas que precisamos continuar trabalhando e refletindo. Há prejuízos dentro e fora, por isso temos que estar em contínua conversão.
No tocante ao âmbito científico, o que você irá realizar no V Centenário?
Vamos nos aprofundar na mensagem de Santa Teresa, que continua sendo atual, que continua tendo muito que dizer. Já estão ocorrendo congressos anuais, centrados em cada uma das grandes obras teresianas (“O livro da vida”, “Caminho de perfeição”...). Vamos continuar com isso, e queremos fazer também um congresso sobre mística e oração. Estamos pensando possibilidades.
Todos esses congressos serão feitos em sua universidade de Ávila?
Não necessariamente. O Centro Internacional Teresiano Sanjuanista está sendo o grande promotor dos congressos até agora, mas também queremos realizar congressos na Ásia e na África. Embora a sede natural do centenário seja Ávila, e mesmo que a Espanha seja o lugar onde a figura de Santa Teresa tenha mais peso; já dissemos que é uma figura de alcance mundial.
Existe algum outro país do mundo em que a santa de Ávila seja especialmente venerada?
Na América Latina, talvez. No Extremo Oriente ainda não é muito conhecida, mas ali existe potencial. A espiritualidade oriental pode ter um leito fecundo de encontro e de diálogo com a mística cristã.
Sua congregação está espalhada pelo mundo todo?
Sim, pelos cinco continentes, que estamos chamando para irradiar o carisma de Santa Teresa e de São João da Cruz.
Santa Teresa também lutou pelo social?
Bem, é preciso compreender que no século XVI a espiritualidade não estava projetada para esse âmbito. Por isso, a obra teresiana, sendo sincero, não brilha especialmente no âmbito social. No entanto, nela aparece a compreensão cristã do amor ao próximo, como expressão do amor a Deus. Ela disse de forma muito clara: o progresso do caminho espiritual é visto na capacidade de se dar ao outro e de entregar a vida pelo outro, o que é a essência de todo projeto social cristão. E eu acredito que é para todo projeto social autêntico. Além disso, o Carmelo teresiano, fundado por ela, teve essa projeção social junto ao trabalho religioso. É outra via de trabalho que queremos incentivar a partir do espaço privilegiado do Centenário.
Você convidou Sua Santidade?
Evidentemente. Junto com a diocese de Ávila (que está, obviamente, muito envolvida com este Centenário), a Conferência Episcopal também está interessada nisso. Convidamos o papa Bento XVI para que visite a Espanha por ocasião do Centenário.
Será no ano de 2015?
Certamente. Ainda não temos nenhuma resposta, porque estas coisas exigem seu tempo. Nós temos esperanças.
Santa Teresa era uma das santas favoritas de João Paulo II. Você acredita que também é para Bento XVI?
Para João Paulo II isto era claro, porque além de fazer sua tese de doutorado sobre a fé de São João da Cruz, em sua visita a Espanha passou por Segóvia, Ávila e Alba de Tormes... Bento XVI, talvez não de uma maneira tão pessoal e tão específica, também admira a santa. Talvez seja mais agostiniano, porém no final há uma conexão, porque Santa Teresa se inspira muito em Santo Agostinho. Para 2015, também foi pedida para a Santa Sé uma declaração de Ano Jubilar Teresiano.
No que isto consistiria?
É um ano especial, em que se consegue alguma indulgência plenária com uma visita a determinados lugares. Este ano, por exemplo, foi concedido o Ano Jubilar por ocasião do 400º Aniversário da fundação do Mosteiro de São José. Assim, a vista a esse mosteiro, sempre unida com a confissão, comunhão e oração, serve para se conseguir a indulgência plenária. É um veículo para orientar a visão para a experiência de Santa Teresa, porque o que ela pode querer deste Centenário é que, por meio dela, nos aproximemos de Deus.
As experiências místicas, como tentativas de chegar a Deus, voltaram a estar na moda?
Sim. É o que dizia Rahner: que o cristão do século XXI tem que ser um místico. Eu acredito que a religiosidade num certo ponto sociológico, ou apoiada na sociologia, em uma sociedade oficialmente cristã, já não existe. A opção cristã agora vem de uma experiência.
A personalização da fé?
Certamente. O Deus próximo, que é o que disse Santa Teresa. Seus escritos são um convite para que façamos essa experiência.
É possível realizar essa experiência com grupos de jovens, por exemplo?
Estamos nela, tentando fazer experiências de oração, de mistério de Deus, experiências vitais. Isto requer uma pedagogia que é preciso renovar, porque os jovens de hoje não são os jovens de 10 ou 15 anos atrás. A cultura muda, e muda a forma de estruturar o próprio pensamento.
Ou seja, hoje o caminho para cativar novamente os jovens é mais o testemunho do que a doutrina ou o catecismo?
Eu acredito que tudo faz falta. A doutrina não é entendida como conhecimento teórico, mas como um ensinamento do local por onde passa o caminho. E isso implica um compromisso de vida, uma ética. Neste momento, corremos o risco de que as pessoas acumulem experiências como algo turístico, quando o que se trata é fazer um caminho autêntico. Tudo é necessário: formação, critérios, compromisso, experiência oral... E, sobretudo, sentido de encontro pessoal, de não conhecer a Deus pelo que se ouve, mas experimentar o contato com ele. Acredito que isto é o que mais pode mover os jovens.
Como irá conseguir os fundos necessários para montar todas estas coisas? As autoridades civis estão interessadas na questão? Há empresas que o apoiam?
Estamos começando a tarefa. A economia deveria estar ao serviço da vida, essa é a compreensão correta. Então, destinar fundos a partir do âmbito da cultura, das instituições públicas, do patrocínio de empresas ou fundações... possui um sentido, e por isso pode funcionar. Acredito que os orçamentos resultam em benefícios para as próprias instituições colaboradoras.
Imagino que toda a Igreja estará dedicada neste acontecimento.
Sim. Em primeiro lugar a ordem do Carmelo, dos carmelitas descalços. Cada mosteiro e cada convento ajuda como pode. A diocese de Ávila, claro, e cada vez vamos entrando em contato com mais dioceses da Espanha. Esperamos que a Igreja espanhola apoie o Centenário de uma de suas figuras mais interessantes, que é Santa Teresa.
Pensou em outra personalidade, além do Papa, que possa se aproximar da Espanha?
Bem, estamos preparando o programa, e assim que vão surgindo atividades, vão aparecendo pessoas que convidamos. Queremos envolver, é claro, o superior geral da ordem.
Para você, qual seria o melhor resultado do Ano Teresiano?
O êxito seria que muita gente se aproximasse da experiência de Santa Teresa, de sua mensagem; e por meio dela de Deus. Os frutos virão a médio e longo prazo, não é visto sempre a primeira mão, podem ser iniciativas que vão surgindo na vida de muitas pessoas. Sim, eu gostaria que este Centenário de Santa Teresa de Jesus deixasse um legado na Igreja, que ajude a responder aos desafios atuais de evangelização. Haverá muitas atividades, e esperamos que sejam bem realizadas; mas, sobretudo, acredito que o resultado mais interessante será no coração das pessoas.
A Santa de Ávila continua chegando ao povo?
Sim. Precisamente, a mística de Santa Teresa tem a ver com a experiência de Deus no humano, porque Deus está presente até em nossas tarefas, quando as vivemos e as orientamos de forma correta. A humanidade de Cristo é o centro da experiência teresiana. Esse sentir próximo de Deus é o que a faz tão popular, ao menos na Espanha. E também pela paz de Deus, que não tem nada a ver com a tranquilidade pela qual se coíbe das coisas ou o que desconecta, mas com um se sentir aconchegados e acompanhados por um Deus que nos segue em nosso humilde caminho. É uma paz que tem a ver com a vida em sinceridade e em abertura para Deus.
Sentem-se orgulhosos de serem filhos espirituais de Santa Teresa e de São João da Cruz?
Sentimo-nos orgulhosos de nossos pais, certamente, porém isso também é uma responsabilidade. É um carisma que vem a nós para que o atualizemos. Santa Teresa deixou por escrito a advertência de que não se diga sobre nós o que foi dito de muitos outros, de que ficaram simplesmente relembrando seus fundadores. Temos que ser alicerces dos que estão por vir. Viver isto hoje, para transmiti-lo aos que chegarem. É um estímulo, um incentivo para caminhar.
Que imagens ficaram de sua estadia em Goma?
Estive lá nos anos 1990, com os refugiados ruandeses. Lembro-me dos missionários que os atendiam, pessoas realmente admiráveis. E também a experiência da dignidade humana me marcou. Eram pessoas que tinham perdido tudo, mas que seguiam lutando para viver, no meio do nada. Estavam a poucos quilômetros de sua terra, mas sem poder entrar, obrigados a viver na miséria. No entanto, eram capazes de organizar uma escolarização para seus filhos, de resgatar sua dignidade em pequenos detalhes assim. A maior prova da existência de Deus, que eu vi, foi a atitude daqueles missionários que, após uns 20 anos trabalhando em Ruanda, viram tudo destruído em questão de dias, de uma forma horrenda, e mesmo assim voltaram com as pessoas para começarem a trabalhar novamente. É algo sobre-humano. A prova de que Deus acompanha a humanidade a partir dos mais pobres.
Ficou em você o “vírus da África”, que dizem que é o que faz retornar aqueles que alguma vez estiveram lá?
Sim, ficou. Porque definitivamente esse vírus é o estar disposto a ir onde seja preciso ir. Encantar-me-ia voltar à África, contudo, amanhã estarei onde seja preciso.
Santa Teresa também foi missionária?
Sem dúvidas. Quando ela fundou os frades carmelitas descalços, fez isto para que acompanhassem as freiras e para que pudessem ir para as missões. Como para as freiras, disse-lhes que não estavam ali só para se santificar pessoalmente, mas para que sua oração e sua vida entregue a Deus fosse pela Igreja, pelas missões, e para restabelecer a unidade da Igreja, naquele momento de crise.
Hoje em dia, nos países de missão há a mesma quantidade de vocações em relação aos países de cristandade da Europa?
Em alguns casos, mais. Especialmente, um lugar onde a ordem está florescendo é a Índia, e na África e América Latina há mais vocações do que na Europa, como está acontecendo de forma geral na Igreja.
O que você espera do Centenário?
Que seja uma ocasião de renovação, para colocarmo-nos novamente à escuta de Santa Teresa, de forma que nossa obra siga da forma como Deus quer que siga.
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“Santa Teresa reivindicou um espaço para a mulher na Igreja”, afirma o carmelita Antonio González - Instituto Humanitas Unisinos - IHU