28 Julho 2012
A disciplina vive uma época de sucesso popular, e até mesmo os secretários de partido anunciam reuniões para pedir uma orientação. Volta o chamado a um pensamento capaz de mudar o mundo e não só de descrevê-lo. Além dos entusiasmos, no entanto, não se veem efeitos concretos dessas discussões.
A análise é do filósofo italiano Roberto Esposito, em artigo para o jornal La Repubblica, 23-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
We think, therefore we are. Em um artigo publicado com esse título no Financial Times, Jules Evans – autor de Philosophy for Life and Other Dangerous Situations (Rider Books, 2012) – registra uma tendência reconhecível, em formas diferentes, também entre nós. Trata-se da mundanização da filosofia. Clubes filosóficos, pubs socráticos, cafés iluministas e também death cafes, especializados na reflexão sobre a mortalidade humana, surgem em toda Londres com a intensidade de uma nova época rock'n'roll. Só que, em vez de músicas agitadas, neles se pratica a terapia em comum da alma. Algo no meio do caminho entre os cenáculos dialógicos atenienses e os salões pré-revolucionários parisienses, mas com um papel de suplência a mais exercido com relação tanto à religião em déficit de credibilidade, quanto à política em perda de confiança.
É como se, na crise não apenas econômica em que as nossas sociedades se precipitaram, a filosofia se tornasse o único lugar de discussão pública – diferente, nesse sentido, e também oposta, à psicanálise, encerrada, ao contrário, entre as paredes de uma relação dual e assimétrica entre médico e paciente. Encontros recorrentes, meetings lotados, transmissões cada vez mais ouvidas em que filósofos mais conhecido transmitem lições de comportamento dão o sentido dessa reviravolta em que o saber perde o seu caráter abstrato e entra nas casas privadas, precisamente com base na sua declamação pública.
Além disso, não vão na mesma direção a difusão e o crescente sucesso dos festivais em quase todas as cidades italianas, sem falar do fenômeno da consultoria filosófica, também esta já em aberta concorrência com a prática analítica? Certamente, nem todos os festivais são declarados de filosofia – mas, mesmo assim, é sempre ela, isto é, o debate público das ideias, que está por trás também dos festivais de literatura, economia, direito, política.
Com a televisão que começa a distribuir cada vez mais pílulas de saber filosófico, enquanto os jornais competem para oferecer cadernos dedicados à filosofia. Até mesmo os secretários de partido – ao menos aqueles mais apresentáveis – anunciam reuniões com filósofos para pedir uma orientação, e certamente também uma legitimação, enquanto editoras como a Mimesis publicam ensaios intitulados Quale filosofia per il partito democratico e la sinistra [Qual filosofia para o Partido Democrático e a esquerda] (editado por Luca Taddio).
Há algo, nessa onda crescente, que pertence ao espírito do tempo. Não só a necessidade, a qual se fazia referência, de preencher um vazio em um momento em que se percebe um preocupante refluxo da política. Mas algo mais profundo, que se refere à ruptura das linguagens diferentes – da economia, do direito, da história em favor de um léxico transversal que só pode ser o do único saber potencialmente universal como é a filosofia, justamente.
Seria possível chegar a dizer que, quando todos os problemas – sociais, econômicos, ambientais, tecnológicos – parecem convergir em um único bloco de sentido estendido para todo o planeta, eles assumem, por assim dizer, um porte objetivamente filosófico que antes não tinham. Hoje, até mesmo um transplante de órgão ou uma lei sobre a imigração podem desencadear uma disputa sobre os valores últimos que o filósofo, antes do técnico ou do juiz, é chamado a dirimir.
Nesse sentido, se poderia concluir que a mundanização da filosofia é o reverso complementar da película filosófica que, ao menos desde o início da globalização, envolve o mundo. Não é, essa mesma globalização, no seu significado complexo e ambivalente, em última análise, uma categoria filosófica?
Mas com tudo isso que não se disse tudo. O próprio Evans se pergunta se essa expansão sem precedentes da filosofia tem uma influência efetiva sobre a vida dos seres humanos. Ela é comparável, no plano dos efeitos, à ágora grega ou ao Iluminismo francês? A resposta só pode ser negativa. Quando se apagam as luzes dos cafés filosóficos ou se desmontam as tendas dos festivais, não parece se revelar uma significativa mudança das consciências, e muito menos dos comportamentos.
As coisas – opções pessoais e escolhas públicas, virtudes (raras) e vícios (frequentes) – parecem continuar exatamente como antes. Todo aquele movimento de ideias – para além dos entusiasmos fanáticos em torno dos rostos mais conhecidos – parece derreter em uma espuma superficial. Por quê? Como é possível que, ao esforço e também à publicização midiática da filosofia, quase nunca corresponda uma real mudança nas consciências e nos atos daqueles a quem ela se dirige?
As respostas podem ser muitas. A tese de Pierre Hadot, expressa nas conversas com J. Carlier e A. I. Davidson, reunidas em La filosofia come modo di vivere [A filosofia como modo de viver] (Ed. Einaudi, 2008), é que a passagem de um saber filosófico orientado para a formação e também para a transformação ética dos seres humanos, como a do mundo grego ao pensamento moderno, de caráter gnoseológico e objetivo, já é irreversível. O que os divide é justamente aquela experiência cristã, voltada à esfera transcendente e, portanto, desmundanizada, que depois se secularizou em um saber de tipo teórico, com as exceções que conhecemos – de Marx a Nietzsche, de Rousseau a Wittgenstein.
Desde então, a tendência, periodicamente retornante, à filosofia como prática de vida mantém algo de artificial e de superficial, como um simples contragolpe reativo a uma modalidade de fundo de tipo lógico-dedutivo, abstrata e distante da realidade da vida.
O sucesso da filosofia analítica, ao menos nos países anglófonos, é um claro testemunho disso. Para o saber moderno – a partir de Descartes e Leibniz –, o papel da filosofia é o de descrever o mundo, ou o sujeito, em vez de tentar mudá-los. Uma das últimas – e mais extraordinária – tentativas de reverter essa tendência foi a de Michel Foucault.
A recente edição italiana das duas conferências proferidas por ele em outubro de 1980 na Universidade de Berkeley (e depois no Dartmouth College), sobre Truth and Subjectivity, intitulada Sull'origine dell'ermeneutica del sé [Sobre a origem da hermenêutica do eu] (Ed. Cronopio), contrapõe à análise das estruturas epistemológicas o estudo das formas "aletúrgicas", ou seja, produtivas de uma verdade que surge e se manifesta precisamente nelas. Àquela à qual Foucault alude não é a verdade como correspondência à realidade, mas como poder capaz de transformar o conhecimento em forma de vida. Algo que não se encontra nas profundezas da consciência individual, mas que se coloca diante dela, no mundo exterior, como um imã que a arrasta rumo a um objetivo específico. Uma verdade, continua Foucault, que, em vez de brotar do sujeito, penetra de fora para dentro dele, dando expressão à história que construímos e, ao mesmo tempo, ao diagnóstico do que somos.
Desse modo, a filosofia pode assumir finalmente uma dimensão política: "Com essa expressão, 'dimensão política', entendo uma análise que se refira ao que estamos dispostos a aceitar no nosso mundo; a aceitar, rejeitar e mudar tanto em nós mesmos, quanto na nossa situação". Para definir e para separar o aceitável do inaceitável. O que podemos consentir do que nós devemos rejeitar no mundo, do mundo como ele é e, ao invés, como poderia ser. Só nesse caso – em um processo de autoformação radical que nos empenhe em uma batalha sobretudo contra nós mesmos –, aquela mutação que dificilmente virá dos philosophy clubs e dos Socrates cafes pode se assomar ao horizonte.
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Filosofia prêt-à porter: o que resta de tantos debates e festivais. Artigo de Roberto Esposito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU