Por: André | 24 Julho 2012
Esteban Volkov atravessou um século sem perder nada do que deixou para trás nem do novo em que vive se fosse um contemporâneo recém-chegado a este mundo de tecnologia e mentiras globalizadas. Esteban Volkov falava em francês com seu avô, Leon Trotsky, de quem se completam 75 anos de chegada ao México. O revolucionário russo havia fugido da polícia de Stalin para se instalar no México. Trotsky e sua mulher trouxeram consigo Esteban Volkov de Paris.
A história de Volkov criança é uma tragédia que a assustadora alegria com que hoje se expressa não permite nem sequer adivinhar. Esteban Volkov não é apenas o neto de Trotsky, mas também a única testemunha ainda viva de seu assassinato por uma gente de Stalin, o espanhol Ramón Mercader. O pai de Volkov foi deportado para a Sibéria em 1928 e desapareceu em um Gulag quando foi enviado para ali em 1935. Sua mãe fugiu da URSS com ele e se juntou aos Trotsky na ilha turca de Princípios. A vida não lhe deu descanso e se suicidou em Berlim em 1933.
Esteban Volkov ficou sozinho na capital alemã até que o levaram a um internato em Viena e depois para Paris. Trotsky e sua esposa estavam exilados no México e conseguiram levar Esteban com eles. Houve um primeiro atentado contra Trotsky, do qual toda a família saiu ilesa. Mas apareceu um infiltrado, Ramón Mercader. No dia 20 de agosto de 1940, quando Esteban Volkov voltou do colégio, encontrou Trotsky com o crânio quebrado a marteladas. Volkov conta que Trotsky pediu que afastassem seu neto da cena.
Esteban Volkov cresceu no México. Não entrou na política. Estudou engenharia química, mas sempre manteve viva a memória de León Trotsky através do museu, que é a casa onde morou com seus avós, Trotsky e sua mulher. Esteban Volkov tem 86 anos e uma memória que nunca falha. Nesta entrevista ao Página/12, o neto do revolucionário russo evoca aqueles anos, o legado de Trotsky, sua obra e os estragos do mundo atual.
A entrevista é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal Página/12, 22-07-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
75 anos depois da chegada de Trotsky ao México e quando transcorreram 72 anos do seu assassinato, o que podem representar hoje a figura e o legado de León Trotsky?
Na medida em que o marxismo está cobrando cada dia mais vigência, apesar de todas as vezes que o enterraram sempre surge com mais vida, um dos mensageiros, portadores e guias marxistas mais atuais é, indiscutivelmente, o grande revolucionário León Trotsky. Foi um personagem chave em um dos acontecimentos mais importantes da história contemporânea como foi a Revolução Russa. Trotsky teve um papel vital nela. Mas o que é mais meritório nele em todas as etapas em que interveio é o fato de que transcreveu minuciosamente toda aquela experiência histórica e política. Trotsky deixou um legado muito valioso, um arsenal ideológico revolucionário de grande atualidade e extremamente fértil e útil para todas as lutas revolucionárias atuais e futuras. Não há dúvida de que o capitalismo está demonstrando que é um sistema totalmente obsoleto e injusto e que não satisfaz as necessidades do gênero humano. Pelo contrário, o capitalismo está destruindo o planeta, está criando mais miséria, mais sofrimento. A necessidade de uma mudança é vital. Tenho a certeza de que a maior parte da humanidade tomará consciência desta situação e lutará por outro mundo. É aí que o arsenal ideológico de Trotsky é extremamente valioso. Hoje, os meios de comunicação intoxicam as massas e acabam criando isso que Marcuse chamava de uma mentalidade unidimensional. Mas os processos de tomada de consciência são como relâmpagos.
Muitos historiadores consideram que esse arsenal ainda está inexplorado.
Acontece que é muito vasto: não há área, não há país que Trotsky não tenha abarcado em suas análises. Qualquer documento que se leia de Trotsky é muito útil e instrutivo e com um grande acerto em suas análises. Por enquanto não há outra coisa melhor do que o socialismo. O marxismo foi o único que fez um diagnóstico certeiro do que é o capitalismo. Trotsky fez a mesma análise no que se refere ao que realmente era o burocratismo stalinista. Ninguém melhor que ele! Essa foi sua grande contribuição: ter analisado o bonapartismo stalinista. Lamentavelmente, o trotskismo não escapou à deriva que conhecem todos os partidos políticos. Mas o prognóstico de Trotsky quando dizia “estou certo da Quarta Internacional” está aberto, ainda não se cumpriu. Seus seguidores deveriam fazer para que isso seja uma realidade. Não é preciso fechar-se numa redoma de vidro. Os partidos devem levar a cabo um trabalho ativo e revolucionário. Não é preciso fechar-se num café para discutir e sentir grandes teóricos da humanidade.
O México que Trotsky conheceu quando chegou há 75 anos era um país revolucionário. O de hoje é muito diferente.
Sim, ele chegou ao México quando ainda persistiam o espírito e os ventos da Revolução. Havia ainda um clima revolucionário. Depois veio um processo de industrialização sob um regime capitalista e o México se afastou dos fundamentos da Revolução Mexicana.
Curiosamente, você protegeu o legado de Trotsky, no entanto, não entrou para a política.
Não, claro, eu sou químico. Meus comentários são os do observador científico, não do político. Mas eu vivi na própria carne todo o capítulo que foi a contrarrevolução stalinista. Todo esse clima de assassinatos, de terror, de monstruosas falsificações históricas. Vivi na própria carne e comigo milhões de seres humanos. Mas eu tenho o privilégio de estar vivo e poder testemunhar. Sabemos que a memória histórica é um dos patrimônios mais importantes do gênero humano. Para poder construir o futuro falta essa memória histórica. Um dos grandes crimes de Stalin, afora o de massacrar milhões de seres humanos, falsificar a história e arrancar páginas e alterar seu conteúdo, foi justamente isto: mutilar e falsificar a história.
Você acredita que os crimes do stalinismo estão mal conservados pela memória em relação àqueles cometidos por Hitler?
Indiscutivelmente Hitler foi um grande, grande criminoso, mas nessa competição eu creio que Stalin ganha dele em muito. Hitler era um assassino frio dentro de sua lógica racista e absurda. Mas Stalin adicionou a isso uma dose de crueldade e de sadismo que ninguém até agora superou. Não lhe bastava matar. Eu sou um sobrevivente com sorte.
Você conservou viva a recordação de Trotsky através do museu que está em Coyoacán um pouco para resgatar essa memória?
Eu continuei vivendo nessa casa muitos anos com a avó. Seu desejo sempre foi conservar esse lugar histórico. E não foi sem luta e sem esforço. Os stalinistas do México tentaram muitas vezes apagar esse lugar. Até quiseram transformá-lo em creche! Mas não conseguiram. Eu nunca me interessei pela política, mas por osmose estava a par de todas as dinâmicas das lutas. Mas Trotsky sempre me protegeu da política. Nos tempos do avô ele dizia aos seus secretários e guarda-costas que não me falassem de política. Ele tratava de me afastar da política. Mas eu vivi uma vida normal, muito próxima dessa atmosfera de adrenalina que se vivia na casa de Trotsky. Era um estado de excitação muito grato.
Contudo, você foi testemunha do primeiro atentado e do segundo, aquele que custou a vida a Trotsky.
Sim, no primeiro atentado, quando metralharam a casa, eu estava lá. Nos salvamos todos milagrosamente. Um dos stalinistas esvaziou seu revólver sobre a cama sob a qual eu estava escondido. Mas me encolhi e me salvei.
O que pensa hoje de movimentos como o dos indignados ou o movimento estudantil mexicano YoSoy132?
É um início, o começo de uma consciência para assumir uma atitude de luta política. Contribui muito.
Neste aniversário da chegada de Trotsky ao México, o que você recupera dele como mensagem, como compromisso para além da sua obra?
Eu creio que o principal é o aspecto ético, moral, onde o agir deve estar coordenado com o pensar. O pensamento e a ação devem ser uma coisa só. A verdade deve estar acima de tudo. O exemplo é sua vida. Foi um guia, para mim e minha família. As minhas filhas, por exemplo, que não são marxistas nem revolucionárias, têm muito inculcado esse princípio ético de absoluto respeito pela verdade e pela justiça.
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“O marxismo está cada dia mais vigente”, afirma neto de Trotsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU