08 Junho 2012
Você pode apostar que, aos olhos do Vaticano, a sua condenação na última segunda-feira ao livro Just Love da Ir. Margaret Farley, das Irmãs da Misericórdia, não tem nada a ver com outras ações recentes e nem tão recentes tomadas contra as irmãs católicas dos EUA.
A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 05-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não, a medida contra Farley – pode-se ouvir as autoridades dizendo – origina-se exclusivamente de uma investigação independente do Vaticano, que começou há mais de três anos. Ela deve ser vista simplesmente como isto: uma investigação sobre um livro desobediente.
O fato de ela chegar apenas seis semanas depois de a mesma Congregação ter emitido uma avaliação doutrinal altamente crítica sobre a Leadership Conference of Women Religious (LCWR), a voz individual mais proeminente das irmãs católicas dos EUA, é mera coincidência.
O fato de que a crítica vaticana ao livro de Farley, que mancha sua reputação como professora de moral católica, chega um mês após a Congregação colocar a LCWR em suspensão com a intenção de diminuir sua voz independente não deve ser visto como algo relacionado, de forma alguma.
Ou, ao menos, essa é a forma pela qual eu acho que o Vaticano gostaria que fosse.
Não, os prelados gostariam que acreditássemos que a sua investigação de três anos sobre o livro da teóloga de Yale e a sua investigação de três anos das comunidades religiosas femininas dos EUA, duas obras de duas Congregações separadas, não têm nada a ver uma com a outra.
Afinal, a mão esquerda dentro do Vaticano nem sempre sabe o que a direita está fazendo.
E depois há aquela outra crítica doutrinal sobre um livro de outra irmã e teóloga católica proeminente, a irmã de São José Elizabeth Johnson, professora da Fordham University. Os casos Farley e Johnson são separados, eu posso ouvir os prelados dizerem.
Afinal de contas, a condenação do livro de Johnson não foi obra da Congregação para a Doutrina da Fé, mas sim da Comissão de Doutrina dos bispos dos EUA, um grupo de meia dúzia de homens que consideraram o trabalho dela semelhantemente inconsistente com a doutrina católica, até mesmo minando os Evangelhos.
Se, de fato, eu estou certo e é nisso que os nossos prelados querem nos fazer crer, eles não vão conseguir nos convencer tão facilmente.
Dadas essas ações cumulativas, é quase impossível para qualquer pessoa com meio neurônio não pensar que os nossos bispos e Roma estão terrivelmente assustados com as nossas irmãs católicas e estão tentando como podem mantê-las perto amarradas o mais perto possível das suas equipes e mitras.
O que está acontecendo? Por que o medo? Por esses esforços repetidos para restabelecer uma obediência cega à hierarquia, mais associada com a Idade Média?
Quem, dentre as nossas irmãs, o seu laicato de apoio ou nos meios de comunicação populares não encontram nas ações dos nossos bispos rastros de misóginos inegáveis?
Por que cada medida episcopal contra uma mulher consagrada ou um grupo de mulheres consagradas se segue a reuniões e correspondências episcopais secretas? Por que a escuridão?
Por que nossos bispos acham tão difícil lidar com as mulheres como iguais? Sim, nós desempenhamos papéis diferentes dentro da Igreja. Mas todos nós não somos fundamentalmente iguais pelo direito dos nossos batismos? E as irmãs, assim como os homens religiosos e o clero masculino, não deram toda a sua vida pessoal, ministerial e profissional para a Igreja? Isso não conta para alguma coisa?
Por que os nossos prelados se recusam a se sentar juntos em torno de uma mesa em uma sala com as irmãs e discutir as questões com eles respeitosamente e, que Deus me perdoe, como se poderia esperar dos cristãos? Dos habitantes do século XXI?
Não estou aqui imaginando o tipo de discussão que ocorre no fim de conversas, documentos e investigações secretos por parte dos homens, mas sim o tipo que acontece antes de que qualquer um desses sejam primeiro colocados em ação.
Os nossos bispos não percebem que algumas das coisas que eles estão dizendo para e sobre as mulheres, consagradas ou não, simplesmente as afasta ainda mais das mulheres – aquelas cujo generoso serviço ao povo de Deus em suas casas, paróquias, escolas, programas juvenis e em tantos outros lugares são a espinha dorsal do corpo de Cristo?
Muito se tem escrito nestes dias sobre a credibilidade enfraquecida dos nossos bispos, mas em nenhum lugar esses comentários são mais aplicáveis do que quando vemos nossos bispos falando sobre as mulheres, a ética sexual e as questões reprodutivas.
Quem em sã consciência hoje daria crédito acerca de tais assuntos a qualquer grupo de homens que, intencionalmente, exclui todas as mulheres de suas deliberações mais íntimas? Que grande deficiência para a nossa Igreja. Em um mundo que precisa de vozes morais claras, só podemos lamentar por essa diminuição.
E, como as mulheres em todo o mundo se tornam mais instruídas, essa deficiência só vai piorar.
A ação individual mais forte que a nossa hierarquia católica poderia tomar para lutar contra o aborto seria ordenar mulheres como sacerdotisas. Fazer isso poderia situar a nossa Igreja no caminho para aplainar o campo do gênero, introduzir-nos no século XII e começar a restabelecer a autoridade católica perdida em questões reprodutivas.
Mas, em vez de promover as mulheres, em vez de promover plataformas para as nossas mulheres mais visíveis e credíveis, as nossas religiosas, os nossos bispos parecem determinados a derrubá-las – e a eles mesmo no processo.
Tente encontrar um católico hoje que não acha que a crítica vaticana à LCWR disse mais sobre os homens do que sobre as mulheres.
Como teóloga do Boston College, Lisa Sowle Cahill se pronunciou assim quando soube da ação do Vaticano contra Farley: "O momento dessa intervenção é incrível e ironicamente ruim. Os bispos dos EUA e, em sua investigação, o Vaticano já estão atraindo uma enorme quantidade de comentários negativos na imprensa acerca da sua perseguição às irmãs norte-americanas. Eles apenas jogaram mais lenha na fogueira".
Cahill se concentrou em uma das diferenças centrais entre as preocupações orientadoras dos bispos e Roma, de um lado, e o livro Just Love, de outro, ao observar: "Uma enorme preocupação do livro é a violência de gênero e a opressão sexual das mulheres no mundo todo. (…) Estas não recebem uma única menção na Notificação, que parece achar a masturbação mais importante".
As questões sobre as quais a Congregação para a Doutrina da Fé se focou "refletem nada mais do que as 'guerras culturais' polarizadoras que agora consomem a política interna da Igreja Católica dos EUA", disse ela.
Eu espero e rezo que alguns anjos da guarda episcopais despertem rapidamente os homens para percepções amplamente sustentadas (e difundidas) entre os católicos. Dentre elas, está o fato de que a medida dos bispos contra as religiosas se destinam:
É realmente difícil imaginar que não haja ao menos alguns poucos bispos que tenham se encolhido de vergonha quando ficaram sabendo que a Congregação para a Doutrina da Fé decidira criticar o livro de Farley. Os sábios dentre eles devem saber que, no mínimo, a ação chamaria a atenção popular mundial para um livro que, até agora, teve, em grande parte, um público mais restrito de acadêmicos e de alunos em faculdades ou cursos de pós-graduação sobre religião e ética sexual.
O Espírito está agindo em um universo de Sua própria criação.
Embora o Vaticano possa alegar que não tem nenhum grande esquema para desmantelar as nossas religiosas norte-americanas ou para limitar a sua influência enquanto muitos outros as estão ouvindo com grande admiração, o efeito da soma das ações do Vaticano indica um caso oposto.
E, assim, os nossos bispos enfrentam uma dura tentativa de convencimento; uma dura tentativa de convencimento, de fato.
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Medida dos bispos dos EUA contra as religiosas: uma dura tentativa de convencimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU