28 Mai 2012
Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema pobreza e invisíveis.
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 28-05-2012.
Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos programas.
O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase sempre se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.
"Estamos falando de famílias extremamente pobres que até agora não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não eram vistas na sua integridade, de acordo com suas necessidades e carências", observa a ministra Tereza Campelo. "Podiam ter filhos na escola, mas não tinham acesso ao básico dos programas sociais, como o Bolsa Família, a tarifa social de energia elétrica e outras ações."
Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio de que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de assistência social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único. "Era preciso sair dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de saúde, empresas de distribuição de energia elétrica", conta Tereza. "As prefeituras estão sendo remuneradas por esse trabalho."
Acidentado
Em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas para caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na Unidade Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando apareceu por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.
Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue desde 2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e teve os movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não era registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum tipo de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico, indicam que também sofre com depressão e problemas neurológicos.
Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de pouco mais de 30 metros quadrados, no fundo de um quintal, na Vila Zazu, bairro pobre de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida rente a um barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado pela Defesa Civil, que insiste para que abandone o lugar. "Sair para onde?", indaga. "Aqui eu não pago aluguel."
Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela assistente social, o pintor contou que "já tinha ouvido falar" do Bolsa Família, mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje recebe R$ 102 por mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e comprar alguma comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos no Ação Jovem, do governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que frequentem a escola.
Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de informática para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa, com modos tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua volta.
Dilma ignora Incra para chegar às famílias no campo
A presidente Dilma Rousseff tem ignorado o Incra no esforço do programa Brasil Sem Miséria para melhorar a produção das famílias em condições de pobreza e extrema pobreza na zona rural. Enquanto a autarquia se debate com o aparelhamento político de sua estrutura, paralisações de funcionários e processos judiciais envolvendo irregularidades nos assentamentos, a presidente recorreu diretamente ao Ministério do Desenvolvimento Social para chegar às famílias.
A decisão foi tomada após a constatação de que essas famílias têm condições de sair mais facilmente da extrema pobreza porque já dispõem de um meio de produção, a terra. O que falta a elas é conhecimento, assistência técnica, sementes adequadas para o plantio, matrizes de animais, garantias de compra dos excedentes, acesso à água.
Para levar adiante essas tarefas, o Ministério do Desenvolvimento Social tem realizado acordos com instituições estaduais e empresas particulares com experiência no setor e nas regiões assistidas. O resultado, segundo a ministra Tereza Campello, tem sido bom.
O governo havia previsto estender a assistência técnica a 250 mil famílias até meados de 2013. Mas antecipou as metas e chegará lá nos próximos dias.
O programa é focalizado de acordo com o cadastro único. Em primeiro lugar são definidos os territórios com maior concentração de famílias carentes. Em seguida vêm as chamadas para a contratação de serviços. Paralelamente, o governo põe mais recursos no programa de compra de alimentos. A previsão inicial era de que consumiria R$ 680 milhões neste ano já foi alterada para R$ 1 bilhão.
Havia uma enorme expectativa de aumento nas áreas atendidas neste ano. Mas ela foi frustradas pela seca no Nordeste.
Quando o Brasil Sem Miséria começou a ser delineado no início do ano passado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Incra, alguns setores do PT e o MST saíram a campo para defender o aceleramento do processo da reforma agrária. Distribuir mais terras seria parte da solução do problema da miséria. Quando se olhou para a produção dos assentamentos, porém, com bolsões de extrema miséria e famílias que não conseguem sobreviver da terra, o governo viu que eles não eram parte da solução, mas sim do problema. Daí surgiu a política em curso, que privilegia a produção nos assentamentos já existentes, em vez de criar outros.
'Nova agenda, a partir do dia 14, vai tirar 2 milhões dessa condição'
A agenda do Brasil Sem Miséria, o mais ambicioso programa do governo Dilma Rousseff na área social, está cada vez mais entrelaçada com a agenda de crescimento econômico. Quem diz isso é a própria ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, uma das mais prestigiadas pela presidente.
Eis a entrevista.
Qual é a avaliação do primeiro ano do Brasil Sem Miséria?
Todas as metas foram atingidas e superadas, até mesmo os pactos regionais, na complementação de renda, com governos estaduais e prefeituras. A agenda tem dado tão certo que decidimos aumentar drasticamente o Bolsa Família, com o Brasil Carinhoso, que vai ter um impacto importante sobre o consumo, embora o objetivo principal não tenha sido esse. Com a nova agenda, a partir do dia 14, destinada a famílias com crianças de até 6 anos e 11 meses, 2 milhões de famílias vão sair da extrema pobreza. Elas já estão no cadastro único, mas que passam a receber um complemento de renda.
O governo falou muito em incluir famílias em sistemas produtivos. Como vai esse lado?
Estamos na rua com cursos destinados a qualificar profissionalmente essa população em situação de pobreza e extrema pobreza. Começamos em março, oferecendo 200 mil vagas. Temos registradas 80 mil matrículas e pré-matrículas. São vagas ofertadas no Senai, Senac e institutos federais, que antes não atendiam a esse público sem escolaridade. Exigia-se segundo grau para curso de jardineiro, pintor. Com esse novo viés, o público do cadastro único tem maiores oportunidades de trabalho.
E o microcrédito?
Essa é uma agenda recente, com o Programa Crescer, que também faz parte do Brasil Sem Miséria. Graças a alterações na legislação sobre microcrédito, foram reduzidas as taxas de juros e as exigências de garantias bancárias e criou-se uma linha para o público de baixa renda. Não é para consumo, mas para produção. Pode ser usada pela costureira que quer uma máquina nova, pela dona de casa que vende suco e precisa de um liquidificador. Também estamos montando com o Sebrae uma agenda diferenciada para esse público, que tem muitas estratégias de sobrevivência. Não são pessoas sem ganho nenhum. Há mulheres que usam a cozinha para fazer bolo e vender na construção ao lado.
Seu ministério ajuda o governo a aquecer a economia?
O mundo todo tenta entender como o Brasil conseguiu aquecer e fortalecer a economia com base no mercado interno. Há várias explicações, que envolvem salário mínimo, formalização de empregos, Pronaf, programas de compra de alimentos. Os programas de transferência de renda também são parte importante no processo e é por isso que o governo está fortalecendo o Bolsa Família. O objetivo não é fortalecer a demanda agregada, mas esse impacto acaba acontecendo.
Fala-se muito na dinamização da economia do Nordeste.
Não é só lá. Tem impacto também em São Paulo. O Estado mais rico da federação tem 1,2 milhões de inscritos no Bolsa Família, com transferência de renda em benefícios continuados de R$ 6,5 bilhões por ano.
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Fora do radar do governo, Brasil tem 700 mil famílias em 'extrema pobreza' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU