18 Abril 2012
Agora podemos ler e estudar o Evangelho segundo Tomé em uma refinada e acurada versão italiana amplamente comentada de autoria de Matteo Grosso.
A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 15-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
A história tem a trama de um romance policial. Inverno de 1945-1946: em um remoto vilarejo do Alto Egito, junto à cidade de Nag Hammadi (a antiga Chenoboskion), alguns trabalhadores braçais estão extraindo do subsolo um fertilizante natural. De repente, sob as pás, eis que aparece um jarro de cerâmica selado: aberto, ele se revela cheio de livros de papiro encadernados em couro.
O capataz tomou para si o tesouro e o colocou na sua modesta habitação, onde, sem embaraço, a sua mãe, quando tem que acender o fogo, não hesita em arrancar alguns desses fólios. Mas um dia esse operário se envolve em uma vingança de sangue e, obrigado a fugir, assegura alguns ganhos vendendo esses textos junto a alguns antiquários.
Parece uma lenda, mas um desses códices iria chegar à casa de Jung, sim, o célebre "psicanalista", como presente que lhe fora oferecido em um aniversário!
Foi apenas dez anos depois da descoberta, em 1955, que 12 desses códigos foram recompostos à unidade junto ao Museu Copta do Cairo, porque era copta a língua em que estavam escritos, enquanto seria preciso esperar até 1959 para o editio princeps do texto que se tornou mais famoso, o Evangelho segundo Tomé, que agora podemos ler e estudar em uma refinada e acurada versão italiana amplamente comentada, com o texto original na frente, por mérito de um bolsista da Universidade de Turim, Matteo Grosso.
Na verdade, já havia sido observado que esses fólios coptas continham um texto apócrifo parcialmente já conhecido em grego em três papiros encontrados entre 1897 e 1904, na localidade de Oxirinco, um centro a 180 km ao sul do Cairo, por dois estudiosos ingleses, Bernard P. Grenfell e Arthur S. Hunt, e datáveis em torno de 200-250 d.C., 100-150 anos mais antigos em comparação com os paralelos coptas mais amplos de Nag Hammadi.
Mas o que continha esse escrito que só no "colofão" final foi definido como Evangelho segundo Tomé? Trata-se de 114 lóghia, ou seja, "ditos" de Jesus, alguns presentes nos evangelhos canônicos, outros desconhecidos, mas muitas vezes não isentos de uma confiabilidade histórica própria. Há muito tempo, os exegetas isolaram dentro dos Evangelhos de Mateus e Lucas uma fonte usada por esses evangelistas, denominada de Q (do alemão Quelle, "fonte") e constituída, também ela, de frases pronunciadas por Jesus.
Tratava-se, portanto, de algo paralelo ao Evangelho de Tomé: sabemos, de fato, que os Evangelhos tiveram alguns "antecessores", orais e escritos, ou seja, escrituras parciais de ditos e feitos de Jesus, e memórias sobre ele. Certamente, o nosso apócrifo é de redação tardia, mas conserva em seu interior frases novas ou análogas e, às vezes, idênticas às da fonte Q.
Apesar da "aura nebulosa" que envolve o texto de Tomé – para usar uma expressão de Grosso – por causa de uma hipotética dependência sua das mitologias gnósticas, isto é, pertencentes a uma ideologia cristã desviada que floresceu sobretudo no Egito, dependência claramente excluída pelo organizador dessa edição, a obra revela uma originalidade sua, tanto conteudística, quanto estilística, assim como estrutural, profundamente examinada por uma estudiosa norte-americana, April D. DeConick (The Original Gospel of Thomas, T&T Clark, Londres-Nova York, 2006).
O modelo de composição resultante é dinâmico, é o de um rolling corpus que cruza tradições orais e cristalizações escritas e que realiza "uma contínua e progressiva incorporação de material novo", destinado a "se inserir e a compenetrar com o anterior, transfigurando-o na forma e reorientando o seu significado".
Três são os atores que entram em cena. Acima de tudo, há uma voz narradora que introduz os vários lóghia com a fórmula: "Diz Jesus...". Tem-se depois o apóstolo Tomé, que também porta o nome de Judá e a versão grega do significado de Thômás, "gêmeo", portanto Dídimo, termo também usado com relação a ele pelo Evangelho de João (11, 16; 20, 24, 21, 2).
Este último o apresenta como personagem central em uma das aparições de Cristo ressuscitado, sob o viés simbólico do duvidoso (20, 19-29), ao contrário do que acontece no apócrifo, onde ele é o emblema do verdadeiro discípulo.
Enfim, eis o protagonista Jesus que, surpreendente, nunca é chamado de Cristo nem de Filho de Deus, mas sobretudo de "o Vivente". De fato, no texto, é de grande importância a dialética entre vida e morte, estendida rumo ao horizonte escatológico para o qual o fiel é destinado a "não provar a morte" naquele paraíso onde as árvores "não muda nem no verão nem no inverno", cujas folhas são perenes, tornando-se assim símbolo de imortalidade (n.19). Por isso, será "bem-aventurado aquele que for firme no início: ele conhecerá o fim e não provará a morte" (n.18).
Nesse ponto, só nos resta percorrer os 114 ditas desse estupefaciente Evangelho, acompanhados pela rica e atenta exegese de Grosso. Apenas para dar um gosto prévio de algumas pérolas desse colar espiritual, citaremos três lóghia. O primeiro porta o número 25 e é uma exaltação do preceito do amor: "Diz Jesus: Ama o teu irmão assim como a tua alma; guarde-o como a pupilo dos teus olhos".
O segundo é, na realidade, o último da coleção (n.114) e é desconcertante pelo seu duro antifeminismo, testemunha de âmbitos extremos do cristianismo das origens, mas trazido de volta aos seus termos específicos pelo comentário de Grosso ao qual referimos. Eis o texto: "Simão Pedro lhes diz: Maria deve nos deixar, porque as mulheres não merecem a vida. Diz Jesus: Eis que eu mesmo a atrairei para que seja feito homem, para que ela também possa se tornar um espírito vivo, homem semelhante a vós. Porque toda mulher que se fizer homem entrará no reino dos céus".
Em outro dito, o 22, ao contrário, tinha-se a superação da divisão dos sexos, um pouco na linha do que São Paulo afirmava: "Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo" (Gálatas 3, 28).
Por fim, um terceiro dito que não tem comparação direta nos Evangelhos canônicos, mas é dotado de um poder expressivo extraordinário: "Diz Jesus: Eu já me elevei em meio ao mundo e me manifestei na sua carne; encontrei-os todos bêbados e não encontrei ninguém sedento entre eles. E a minha alma tem sofrido pelos filhos dos homens, pois eles estão cegos no seu coração e não veem bem; com efeito, vazios vieram ao mundo e vazios tentarão sair do mundo. Mas neste momento estão bêbados; quando sacudirem o seu vinho de cima deles, então se converterão" (n.28).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Assim falou Tomé. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU