19 Março 2012
Aos 61 anos, José Casanova é um dos mais respeitados sociólogos da religião na atualidade. Autor do clássico “Public Religions in the Modern World” (de 1994), no qual trata da ligação entre o afastamento das pessoas das religiões e a modernidade, o acadêmico nascido na Espanha e naturalizado americano é professor titular do departamento de sociologia da Universidade de Georgetown, em Washington, nos Estados Unidos, e diretor do programa sobre “globalização, religião e o secular” do Center Berkley, na mesma instituição. Casado e com um filho, Casanova esteve no Brasil, no início do mês, para ministrar aulas magnas, ter encontros com pesquisadores e fazer palestras públicas em universidades (Nota da IHU On-Line: José Casanova esteve na última quinta-feira, dia 15 de março, na Unisinos, onde proferiu duas conferências, em evento promovido pelo IHU.) No período em que esteve no País, concedeu uma entrevista à IstoÉ, na qual traçou um panorama da engrenagem religiosa no mundo atualmente – secularismo e ateísmo, a crise de fé na Europa, a politização da religiosidade nos EUA e a religião em países como Brasil, China e Índia.
A entrevista é de Rodrigo Cardoso e publicada pela revista IstoÉ, 16-03-2012.
Eis a entrevista.
Qual o futuro do catolicismo?
Entre o protestantismo/pentecostalismo, o islã e o catolicismo – as três grandes religiões globais –, este último vem perdendo espaço e depende de como irá resolver as suas crises fundamentais envolvendo a igualdade das mulheres, o sacerdócio feminino e como irá reconstruir a sua moral sexual diante das transformações radicais da moralidade sexual nas sociedades. Não significa aceitar essas transformações, mas confrontá-las e dar uma nova alternativa moral aos problemas. Há um distanciamento entre a moral sexual das sociedades e a moral proposta pelo catolicismo. E sabemos que isso leva muitas mulheres a se afastar. E, quando uma mulher sai da igreja, a família deixa de ser cristã e os templos se esvaziam.
Qual será a herança do pontificado de Bento XVI?
É um pontificado muito complexo. O de (Karol) Wojtila (João Paulo II) foi muito positivo, carismático, havia uma dinâmica na Igreja Católica, sobretudo nos países em desenvolvimento. Mas ele também era uma pessoa muito autoritária. (Joseph) Ratzinger (Bento XVI) é um teólogo mais técnico do que Wojtila e por isso tem menos sensibilidade à diversidade do catolicismo global. Serve como um pontífice de transição que não quer impor uma linha nova e abre algumas portas, como a decisão definitiva de controlar o problema da pedofilia.
Há uma onda de pessoas abandonando as religiões e mantendo a fé em espaços privados. Por quê?
Durante 300 anos, os países europeus passaram por um processo de religiosidade (confessionalização), em que o Estado impôs a suas populações as religiões luterana, calvinista ou católica. Hoje, associa-se o Estado religioso e a igreja estatal a uma tradição muito velha, que vai contra a modernidade. O Brasil, com a modernização e o crescimento das classes médias, também passa por um processo parecido, embora atenuado, porque a modernidade tem a ver com a pluralização da religião. Na Europa, ou você pertence a uma religião/igreja ou sai dela de vez. Então, a secularidade aparece como a única alternativa à religião – é considerada um estágio mais avançado do que a religião.
Como o sr. enxerga o grupo dos crentes sem religião?
Muitos não encontram nas comunidades religiosas uma experiência criativa, pessoal, que chame sua atenção. Essa gente não é agnóstica, tem uma identidade religiosa particular privada, um sincretismo pessoal. Assim, a pessoa pensa: “Sou católico e bebo do espiritismo, por exemplo, mas sem ser espírita.” É uma forma de crer sem pertencer, não ter filiação. Nos Estados Unidos, a religião foi de tal forma politizada que a sociedade se polarizou. Muita gente rejeita a forma como a religião se envolve com a política e pretende moldar toda a sociedade, inclusive pessoas sem filiação.
O sr. considera que as religiões ainda intervêm na esfera pública? O que elas ainda têm a dizer para as sociedades?
O Estado europeu moderno nasceu em meio às guerras religiosas. A primeira medida foi tornar o Estado religioso e forçar todos a ter uma única crença para evitar a guerra civil. Aqueles que não queriam seguir a religião nacional deviam partir. Quando chegou a democracia, a religião saiu de cena do âmbito estatal, acompanhada da ideia da necessidade de a fé ser privada, para que a sociedade não se polarizasse. Nos Estados Unidos, há um outro tipo de privatização da religião, pois o Estado não reconhece oficialmente uma única crença e dá liberdade para que os cidadãos formem a denominação que quiserem. A religião é a mais política das instituições americanas, é o centro da vida política naquele país. Todos os movimentos sociais envolvendo a escravidão, o feminismo ou o aborto foram encabeçados pela religião.
A pluralidade religiosa, algo corriqueiro aqui no Brasil, também existe na Europa e nos EUA?
A imigração inaugurou a diversidade cultural, étnica, racial e religiosa na Europa. A minoria religiosa que desponta na Europa é o islã, por razões étnicas, econômicas e seu passado colonial ante os países europeus. Além disso, ocorre um processo de globalização do islã. Os imigrantes chegaram da Turquia, da Argélia, do Paquistão, mas, de repente, são mais identificados como “muçulmanos globais” do que por sua origem nacional. O islã lhes garantiu uma unidade que não tinham. Nos Estados Unidos, os imigrantes muçulmanos são normalmente de classe média, eles têm nível educacional alto e estão economicamente integrados.
O desenvolvimento de países como China, Índia e Brasil traz quais consequências para as religiões?
A China é uma sociedade que se modernizou à base de um processo estatal de destruição das religiões. Hoje, com o desenvolvimento econômico chinês, todas as religiões voltam a ressurgir. O caso chinês põe em questão a tese de que a modernização leva à secularidade. A secularização da China foi imposta pelo Estado e agora, com o desenvolvimento econômico, as religiões estão voltando. As religiões reconhecidas na China são minoritárias e oriundas de grupos étnicos não chineses: o islã, o budismo, o taoísmo, o catolicismo e o protestantismo. Estão sendo inaugurados departamentos de antropologia e sociologia nas universidades chinesas, de estudos da religião, o que não havia antes. A Índia, porém, sempre foi muito religiosa. Ela concluiu que, para competir com o Ocidente e se livrar do colonialismo, teria de usar seu componente de fé. São duas respostas anticoloniais bem diferentes: uma enxerga a religião como um obstáculo e a outra a vê como uma ajuda.
E o Brasil?
O Brasil se converteu em um centro mundial de catolicismo global, de pentecostalismo global e de movimentos afro-americanos globais. O Brasil está surgindo como potência econômica global, mas também está surgindo como potência religiosa nessas três religiões.
No Brasil, além do grupo dos católicos não praticantes, assistimos ao crescimento dos pentecostais não praticantes. Haveria um mesmo motivo para esses dois fenômenos?
É um mesmo processo. O individualismo é o princípio mais importante da formação da religião de uma pessoa no mundo moderno. Só tem vitalidade aquela religião que permitir uma escolha individual livre. Quando a religião é uma experiência imposta, pela instituição ou pela família, leva o indivíduo a querer livrar-se dela. Quando o catolicismo se converte simplesmente em uma identidade formal que não confere nenhuma motivação pessoal ao indivíduo, muitos deixam de ser praticantes, tornam-se católicos formais e ocasionalmente podem converter-se a outra religião ou até serem agnósticos e antirreligiosos. À medida que o pentecostalismo se torna mais institucionalizado e surgem novas gerações, esse processo também se dará.
Para estar antenado à modernidade é preciso ser secular?
Na Europa se pensava que a secularidade era um estágio superior à religião. Abandonar uma religião era simplesmente uma condição natural humana. Então, lá, ser secular é considerado algo natural, e ter religião é tido como artificial. Historicamente, o homem amadurecia, tornava-se mais sábio, mais livre e via a religião como algo desnecessário. Essa ideia muito europeia nunca pegou nos Estados Unidos. Os americanos relacionaram sua experiência de modernidade ao renascimento religioso. A religião aparece como uma afirmação da identidade americana sobre o colonialismo do Ocidente. Lá, estamos condenados a ser livres, mas também a renascer religiosamente.
O que é ser ateu no mundo globalizado?
Há uma anedota na Irlanda do Norte que diz que um cidadão, ao atravessar a zona protestante em direção à católica, é abordado: “Mãos para cima. Você é protestante ou católico?” O cidadão respondeu: “Sou ateu.” A indagação seguinte foi: “Mas qual tipo de ateu: protestante ou católico?” É o contexto que define o que significa ser ateu. Na Europa, ser ateu é normal para um jovem, que não precisa fazer nada para se encontrar nessa situação, não precisa dialogar, refletir. É algo natural, espontâneo. Por outro lado, para ser religioso ele tem de fazer algo. Na América é o contrário. Ser ateu exige uma coragem enorme, ser contra toda a sociedade. É estar continuamente lutando e defendendo a sua oposição diante de todos. Uma pesquisa mostrou que nos Estados Unidos o cidadão afirma que votaria em qualquer religioso, até em um muçulmano, mas jamais em um ateu.
As pessoas são mais felizes quando têm ou não uma religião?
Existe uma ciência da felicidade, uma economia da felicidade, uma psicologia da felicidade, que para mim são ciências absurdas. Sou um sociólogo comparador histórico que não crê nessas coisas. É verdade que toda religião orienta o indivíduo para uma realidade transcendente. Isso facilita a ele se relacionar com os outros. Mas as religiões também podem nos tornar mais egoístas, obcecados por nossa salvação. A resposta a essa pergunta é: depende.
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"O Brasil é uma potência religiosa global". Entrevista com José Casanova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU