22 Fevereiro 2012
Professora de ética na Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Estrasburgo, Marie-Jo Thiel defende a necessidade de uma pesquisa teológica interdisciplinar e que envolva mais os leigos.
Marie-Jo Thiel é presidente da Associação Europeia de Teólogos Católicos (AETC) (para mais informações, veja a nota no final da entrevista).
A reportagem é de Philippe Clanché, publicada na revista Témoignage Chrétien, 04-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Qual é a situação da teologia católica na França?
Digamos que há fortes diferenças e que é uma situação preocupante em uma perspectiva internacional. A presença francesa é mínima nas grandes manifestações. E não é um problema de dinheiro. Em 2010, para o encontro mundial dos teólogos morais na Itália (600 teólogos dos cinco continentes em Trento), eu trabalhei para que os franceses estivessem presentes, encontrando subsídios.
Éramos cerca de dez franceses, mas nenhum responsável de seminário participou. Mas todos estavam informados, com a proposta de uma bolsa! Agora, é essencial que as gerações jovens viajem, encontrem colegas para consolidar a sua teologia. A imitação recíproca dá segurança. Não nos tornamos grandes teólogos ficando sozinhos no nosso canto.
No período do Concílio (1962-1965), a teologia católica francesa era uma das mais avançadas. Podemos falar de um declínio?
Logo depois do Concílio, a encíclica Humanae Vitae (1) teve fortes repercussões sobre o modo em que podia ser organizado o debate sobre certas questões de moral religiosa. Na França, houve também a crise com os lefebvrianos e, há alguns anos, um certo anticatolicismo secular, uma sensibilidade francesa galicana. Tudo isso levou a uma certa inflexão da reflexão, que não equivale a um enriquecimento teológico.
Ao mesmo tempo, surgem iniciativas isoladas, novas formas de fazer teologia. Em muitos casos, apoiados pelos colegas europeus, vimos que era oportuno conectar essas iniciativas, fazer renascer uma rede de teólogos, honrar a dimensão francesa dentro da teologia europeia, refletir, assim como fizeram aqueles que nos precederam, sobre os desafios do nosso tempo... Mas é preciso que essas oportunidades sejam exploradas.
Os teólogos franceses não são muito poucos?
Na verdade, somos pouco numerosos e, muito frequentemente, estamos sobrecarregados. No entanto, é preciso saber fixar prioridades. Se queremos que a Igreja tenha uma influência e esteja em diálogo com o mundo de hoje, é essencial uma reflexão teológica de alto nível. Devemos compartilhar a nossa sensibilidade francesa. É preciso um olhar interdisciplinar dentro da teologia. As associações especializadas em um setor – AFCEB (Bíblia) ou ATEM (moral) – devem encontrar pontos de encontro. E esse olhar também deve ser alimentados pelas ciências humanas e por outras disciplinas.
Os leigos encontram o seu espaço no ambiente da teologia na França?
Atualmente, existem cada vez mais leigos que querem fazer teologia, às custas de grandes esforços, porque têm que pagar sozinhos seus próprios estudos, exercendo, enquanto isso, uma atividade profissional – eles têm que viver! Mas, assim que completam seus estudos, raramente são confiados a eles cargos de responsabilidade. É preciso que as coisas mudem nesse campo, porque é juntos que se constrói a Igreja.
Você é um contraexemplo do que acaba de denunciar...
Sempre há uma exceção que confirma a regra. Mas, mesmo assim, foi uma verdadeira luta. Quando você é mulher, e além disso leiga, é melhor ter dois doutorados do que só um, já ter publicado em inglês ou em alemão, dando palestras no exterior...
Até mesmo na universidade estatal, a carreira é repleta de obstáculos. Na Universidade de Estrasburgo, por exemplo, em 2010, 44% dos pesquisadores eram mulheres, mas só 20% dos professores e 13% dos decanos. Em compensação, 57% dos estudantes eram mulheres. Dito isso, se poderia fazer uma analogia com o mundo da saúde. As mulheres são maioria entre os estudantes de medicina, mas depois, frequentemente, ocupam postos muito menos bem pagos e muito caracterizados, como as tarefas de tratamento, nas quais se está em contato direto com os doentes. As mulheres desempenham essas tarefas não porque querem, mas porque é preciso que alguém execute essas funções que os homens não querem, e as mulheres muitas vezes não têm escolha.
Na Igreja, por muito tempo pôde-se contar com mulheres, e elas continuam sendo a maioria nas assembleias dominicais. Mas, depois de um pouco de tempo, muitas mulheres preparadas vão embora na ponta dos pés, muito simplesmente porque, para elas, não há lugares altamente qualificados. Ser mulher e ser leiga é percebido como uma dupla deficiência. É trágico, porque a palavra das mulheres é diferente da dos homens. Os textos que nos construímos precisam ser revisitados com um olhar duplo, masculino e feminino.
O que você aconselharia a um leigo, homem ou mulher, que queira escolher a teologia como profissão?
Se o seu ideal é forte, enraizado, vocês devem segui-lo, e eu os encorajo, mas incitando-lhes a sempre ter uma solução alternativa para não se encontrarem sem nada...
O que você acha dos centros teológicos de algumas dioceses, como Poitiers ou Rouen?
É uma boa iniciativa. Mas se para algumas pessoas basta uma formação básica, para outras, será preciso dar acesso a outros níveis da teologia. Esses centros teológicos incentivam aqueles que querem refletir juntos para pensar a Igreja. Mas o que se propõe depois a esses fiéis que tomaram gosto pela reflexão teológica? Nesses lugares, não se faz pesquisa teológica, formam-se leigos. E é importante. Mas, em certo momento, é preciso também oferecer a possibilidade de fazer pesquisa e de participar em congressos.
A liberdade teológica é contrariada pela tendência ao fechamento identitário da instituição?
No seu tempo, quase todos os grandes teólogos tiveram que se justificar. Mas hoje prevalece uma outra forma de autolimitação. Um dia, um bispo [referência ao cardeal Policarpo da Cruz, patriarca de Lisboa] declara que a questão da ordenação das mulheres pode ser discutida. Duas semanas depois, dá marcha à ré. Com a Internet, o que é dito ou publicado, você fica sabendo instantaneamente.
Antes, Roma certamente não teria reagido, ou não tão rapidamente! Eu acho que, na Igreja de Pentecostes, há lugar para uma certa pluralidade de pensamento. Sem compartilhar certas ideias, é preciso, no entanto, saber analisar por que elas apareceram, apropriar-se delas para poder ir além. O nosso trabalho como teólogos não é o de dizer: "A Igreja afirma, e eu repito" ou, ao invés: "Eu penso o contrário". Acima de tudo, temos que perguntar: é a perspectiva mais apropriada? É evangélica? Repetir as coisas ou apenas manifestar o seu próprio desacordo não leva longe.
Como a reflexão teológica universitária se articula com a sua época?
Alguns dos nossos estudantes buscam realmente uma palavra argumentada; outros procuram se sustentar na ideia que já têm da Igreja. E depois temos os convertidos, que, no início, não são capazes de fazer perguntas sobre o que receberam ou de passar para uma reflexão argumentada. Ainda estão na fase do "grito de fé", da adesão incondicional. Para eles, é preciso criar um novo modo de transmitir e de lhes acompanhar para um amadurecimento da sua palavra teológica... e da sua fé. As perguntas podem perturbá-los. O trabalho do teólogo é de fazer perguntas adequadas que lhes permitam se apropriar para ir além. A teologia oferece um rigor da linguagem, sobre o modo de fazer perguntas.
E como adaptar a linguagem a esses públicos?
Não pensamos o suficiente no contexto plural da nossa sociedade. Quando falamos de Cristo, que sofreu e morreu na cruz pelos nossos pecados, os teólogos clássicos entendem perfeitamente do que se fala. O homem da rua, como os nossos estudantes, dizem: "Mas que linguagem é essa?". Hoje, é preciso um verdadeiro trabalho para revisitar as formulações da fé e pô-las à disposição, incluindo a forma argumentativa. É uma nova tarefa da teologia. Além disso, o trabalho já começou, mas ainda não temos mãos suficientes...
Que papel desempenham os professores do seminário no campo teológico?
Eles asseguram a transmissão de um saber, mas só é possível fazer um bom ensino se estamos abertos ao mundo de hoje, às várias disciplinas, alimentados por trocas, por reflexão coletiva. Se não o estimularmos nessa direção, um seminarista não se beneficiará com as pesquisas teológicas.
A oferta de formação em teologia católica não é, paradoxalmente, muito rica? Em Paris, a Universidade Católica, o Centre Sèvres, o Collège des Bernardins, a École Cathédrale disputam os estudantes...
Para mim, deveria haver lugar para todos. São necessários projetos e sensibilidades diversas. Mas certos cursos podem ser redundantes, o que é uma pena. A multiplicação dos lugares de formação na França coloca um verdadeiro problema. O nosso mundo está cada vez mais secularizado, temos menos meios, formamos menos, há menos pessoas capazes de renovar a linguagem teológica. Então, como utilizar da melhor forma possível os meios disponíveis, respeitando os leigos motivados e que, às vezes, sacrificam uma parte da sua vida familiar e profissional? O dinheiro é apenas um dos aspectos do problema. Mais uma vez, não nos esqueçamos do verdadeiro reconhecimento institucional dos cursos de formação. Por que leigos preparados não poderiam participar mais das estruturas de Igreja existentes e de todas aquelas que seria preciso inventar?
Rumo a uma Europa da teologia
Criada em 1989, a seção francesa da Associação Europeia de Teólogos Católicos (AETC) desapareceu nos anos 2000, por falta de responsáveis. Desde 2010, um grupo jovem e com muitas mulheres tenta relançá-la, com Marie-Jo Thiel na presidência, Odile Flichy, outra leiga especialista em grego bíblico do Centro Sèvres, a religiosa Geneviève Comeau, especialista em moral, e também Christoph Theobald, Jean-Yves Baziou...
Com cerca de 30 doutores em teologia, a associação se esforça para difundir o pensamento teológico na França e na Europa, com congressos e publicações. Com o apoio dos mais idosos e inserindo os mais jovens para "fazer teologia" juntos: "É preciso apostar na teologia de hoje e de amanhã", afirma a presidente.
No dia 17 de fevereiro, ocorreu em Estrasburgo uma jornada de estudo sobre a teologia europeia, em colaboração com os doutorandos do mundo francófono de Lisboa. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
Pontos de encontro das disciplinas
Durante os seus estudos de medicina, Marie-Jo Thiel tomou conhecimento de uma falta de reflexão na ética. Ela, então, começou um curso de formação em teologia católica – defendeu a tese sobre o embrião humano – e dedicou sua carreira universitária para construir pontes entre diversos universos. Dentro da universidade pública (Metz, Estrasburgo), com um pé na teologia e um na medicina, ela jogou a carta da interdisciplinaridade, fazendo trabalhar juntos juristas, sociólogos, especialistas em direitos humanos e economistas.
Professora da Universidade de Estrasburgo, criou e dirigiu um centro europeu de ensino e pesquisa em ética. Os seus esforços foram recompensados com diversos prêmios (Maurice Rapin, troféus de primeiro de ensino de ética na França...). "Os especialistas comprometidos com as religiões são muito frequentemente aqueles formados de modo mais sólido em ética", responde àqueles que denunciam a forte presença dos cristãos nesses debates.
Nota:
1 – Publicada em 1968, essa encíclica de Paulo VI renovou a proibição da contracepção diferente da "natural" dentro de um matrimônio casado. Muito controversa, ela acabaria agastando muitos católicos da Igreja.
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''Não se faz teologia totalmente sozinho''. Entrevista com Marie-Jo Thiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU