10 Fevereiro 2012
As novas normas contra a pedofilia do clero não são suficientes: é necessária uma mudança de mentalidade e é preciso olhar para o exemplo do papa.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 08-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Never again: nunca mais deve acontecer. As palavras que o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, proferiu na noite desta quarta-feira, 8 de fevereiro, na vigília penitencial para as vítimas de abusos cometidos por expoentes do clero, transbordam de dor, mas também de determinação. O purpurado canadense, a quem Bento XVI quis confiar aquela que é chamada de "fábrica dos bispos", presidiu a vigília na igreja de Santo Inácio.
Ouellet, em sua homilia, falou da "grande vergonha" e do "enorme escândalo", definiu como uma "tragédia" esses atos abomináveis que têm como protagonistas sacerdotes e religiosos, um "crime que causa uma autêntica experiência de morte dos inocentes". "Como membros da Igreja – acrescentou o cardeal – devemos ter a coragem de pedir perdão a Deus e aos pequenos que foram feridos".
Ouellet acrescentou que o "primeiro passo" a ser dado é "ouvi-los atentamente e acreditar em suas histórias dolorosas". Esse sempre foi um ponto nevrálgico: as vítimas, de fato, muitas vezes, foram consideradas como adversárias da Igreja e do seu bom nome, não se acreditou em suas histórias, as suas famílias foram afastadas, elas se encontraram diante de muro de borracha.
Não bastam as normas mais severas, quase de legislação de emergência. Não basta a opção de afastar um sacerdote do ministério com procedimentos de emergência. Não basta o dever de denunciar esses casos à força-tarefa da Congregação para a Doutrina da Fé. O que é necessário é uma mudança de mentalidade na instituição eclesiástica. Uma mudança que leve ao primeiro plano as vítimas desses atos abomináveis: é a elas que deve ir toda a acolhida, o apoio, a compreensão, a ajuda, para que possam começar a curar as feridas, a superar o trauma representado pela violência sofrida.
É justo salientar que a pedofilia é um câncer difundido na sociedade, e que o maior número de violências ocorre na família. Assim como é justo ressaltar que o triste fenômeno toca muitas confissões e religiões. E também que nem sempre as notícias referentes a outras comunidades religiosas são divulgadas com a mesma ênfase reservada à Igreja Católica, como demonstram alguns recentes casos norte-americanos.
Tudo isso, porém, não diminui a gravidade ainda mais atroz nos casos em que quem abusou das crianças e dos adolescentes foram os sacerdotes aos quais as famílias lhes confiaram, porque recebiam educação para a fé. Em julho de 2011, o promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Charles Scicluna, disse que as violências contra os menores por parte dos clérigos são um "abuso de poder espiritual".
"Há uma diferença específica – acrescentou – entre o abuso perpetrado por um leigo e o de um sacerdote. O padre se permite cometer esses atos enquanto padre sobre vítimas que confiam que encontrarão nele o 'bom pastor'". O rosto de Scicluna fica ainda mais escuro e angustiado: "Se o abuso foi cometido por um sacerdote, a marca na vítima é ainda maior. Há uma confiança espiritual que é destruída, uma fé que é morta".
O que é necessário, o que é preciso nas instituições eclesiásticas é uma profunda mudança de mentalidade, sobretudo com relação às vítimas. Bento XVI, que ainda como cardeal já havia colaborado com João Paulo II, contribuindo para endurecer as penas canônicas e para estabelecer normas mais eficazes para combater o fenômeno, tem dado a toda a Igreja um exemplo muito claro nos últimos anos. Ele se encontrou com as vítimas durante as suas viagens, as acolheu, rezou com elas, chorou com elas. Ele disse várias vezes que elas devem ser apoiadas e ajudadas de todas as formas, e não afastadas porque as suas histórias e as suas denúncias prejudicam o bom nome da Igreja. É preciso ser grato a quem teve a coragem de contar e de denunciar, porque, sem a sua coragem, não teria sido possível deter os pedófilos.
O cuidado das vítimas devem ir de mãos dadas com uma nova capacidade de governo e de intervenção dos bispos, que devem ser capazes de agir imediatamente, verificando os fatos tanto quanto possível e, acima de tudo, fazendo com que o culpado pelos abusos não seja posto em condição de poder repeti-los, como infelizmente aconteceu muitas vezes.
Na homilia da noite dessa quarta-feira, o cardeal Ouellet disse que é "intolerável que o abuso ocorra na Igreja" e, por isso, salientou que isso "não deve acontecer nunca mais", never again. O simpósio da Gregoriana, no qual uma vítimas de abusos discursou e no qual foi feito o pedido de perdão pelo modo inadequado com o qual, no passado, se enfrentou esse grave problema, são o sinal de uma mudança radical de perspectiva. Uma mudança desejada pelo Papa Ratzinger.
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Abusos: o ''nunca mais!'' desejado por Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU