07 Janeiro 2012
Está em xeque a credibilidade de quem exerce o poder. Sobretudo em uma fase de crise da democracia e de mudanças globais.
A análise é do filósofo italiano Carlo Galli, professor de história das doutrinas políticas da Universidade de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 04-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em sua mensagem de Ano Novo, o chefe do Estado italiano disse, dentre outras coisas, que a Europa precisa de líderes mais influentes. E, claro, é difícil negar que haja uma desproporção singular entre De Gaulle (mas também Chirac) e Sarkozy, entre Adenauer (mas também Kohl) e Merkel, entre De Gasperi (mas também Moro) e Berlusconi. A nossa época é talvez uma época de anões?
De fato, hoje, o termo líder é utilizado principalmente para indicar "importante", "primeiro": por exemplo, em locuções como "empresa líder", "líder do campeonato". No âmbito político, serve se sinônimo para "governante": os "líderes europeus" significa os chefes de Estado e de governo. Um reconhecimento de que há alguém em posição de comando, enfim; sem outras especificações. Se quisermos encontrar utilizações do termo mais conotadas em sentido qualitativo e pessoal, é natural ir com o pensamento para experiências políticas exóticas, como o comunismo dinástico norte-coreano, ao "Grande Líder" (Kim il-Sung) que o fundou, ao seu filho e sucessor, recém-falecido, Kim Jong-il, o "Querido Líder", e ao (para nós) grotesco culto da personalidade que lhe é tributado.
Em suma, se por líder se entende uma figura relevante de homem (ou de mulher) que exerce o poder político de modo enérgico, propondo aos seus concidadãos uma "visão" especifica, um horizonte de sentido compartilhado, então realmente chegamos a pensar que a liderança não está mais na ordem do dia, nas experiências políticas ocidentais. Que tem em si algo de obsoleto, que envolve uma pretensão excessiva, uma exigência desmedida, desproporcional com relação a um espaço – a política – que não é mais adaptado a sustentar, a suportar o peso de um verdadeiro líder. Que, de fato, é a junção entre o Eu (o indivíduo) e o Nós (o povo, o partido); que sabe ler os processos em ação e catalisa as energias sociais para uma direção; que é um visionário prático, que mistura eficazmente a interpretação pessoal e o movimento coletivo. Ou, quando se trata de uma liderança coletiva – de uma elite –, que sabe propor credivelmente o próprio interesse parcial como horizonte dentro do qual podem se desenvolver os recursos materiais e morais de uma coletividade.
Se é verdade que a modernidade privilegiou a centralidade dos cidadãos e a impessoalidade universal do poder, ou as grandes forças objetivas e necessárias da história, também é verdade, no entanto, que, quanto mais a política era levada a sério – ou quanto mais parecia ser, e era, a dimensão decisiva em que se jogava o destino do viver civil –, mais ela era interpretada, com discreta frequência, por autênticos líderes, ou por eficientes elites. Por verdadeiros homens políticos ou por verdadeiras classes políticas, em suma. Os exemplos, mesmo que apenas no século XX, são conhecidos e evidentes para todos, para o bem ou para o mal.
Hoje, as coisas são diferentes, por muitos motivos. Porque a política está entregue a anônimos funcionários indefinidos, que têm mais técnica do que política; porque as formas tradicionais da política – as instituições – estão cansadas e esvaziadas, enquanto a substância da política – o poder – se abate diretamente sobre a vida – sobre o corpo e sobre as mentes – das pessoas; porque as forças que atravessam a sociedade estão de tal forma hipertrofiadas que não parecem ser mais governáveis, e as crises, tendo-se tornado planetárias, parecem ser fenômenos não políticos, mas naturais, e, como tais, intratáveis; porque as elites perderam em toda parte o respeito de si mesmas e do povo; porque, enfim, a cotidianidade transbordante, mutante e fugaz, não pode ser aferrada e colocada em forma pela política. Que está desacreditada por ser largamente corrupta e corrompida; por ser subalterna às exigências e aos ritmos da economia (por sua vez, largamente fora de controle); por ser evidentemente parte do problema, e não da solução.
Os líderes, hoje, são necessários, é claro (as elites, menos; e é um erro). Existe, muito forte, a exigência de dar um rosto à política, de tornar reconhecíveis as engrenagens do poder, de dar um sentido às miríades de acontecimentos, de aspirações e de sofrimentos, dos quais é feita a sociedade. Mas o que temos à disposição ou são líderes não políticos, forasteiros provenientes das mais disparatadas experiências (Youssou N'Dour, que se candidata no Senegal é apenas o último exemplo disso), ou são líderes ou liderzinhos populistas, vendedores de esperança barata, camelôs ambulantes ou de taverna, ou de púlpito, que catalisam não esperanças nem projetos, mas sim medos, raivas, fobias. Também tivemos e ainda temos disso no nosso país [a Itália]. A personalização e a espetacularização da política, fenômeno de fachada, tomam o lugar da liderança, que é uma questão substancial. E até mesmo aqueles políticos profissionais (por exemplo, Obama) que, pagando um preço inevitável à política-espetáculo, vencem campanhas eleitorais muito duras com base em programas meditados e lidam com as questões reais da política, são muito em breve triturados pela mídia, pelos adversários, pelo fogo amigo e pela irrefreável sucessão de sempre novas emergências que é a experiência cotidiana de qualquer um que, hoje, exerça um pouco de poder. E, em pouco tempo, se tornam, de líderes que eram, em patos mancos; enquanto a sua "visão" decai para uma afanada gestão do presente.
Certamente, portanto, permanece a exigência de que a política encontre novas vias de abordagem, novas respostas compartilhadas, novos horizontes de sentido. Que grandes mobilizações de massa se cruzem com personalidades decididas ou elites finalmente conscientes de que têm a força e a esperança (ou o desespero) de pôr as mãos nas engrenagens da história, e colaborem com o içamento das nossas sociedades para fora do pântano em que se afundam.
Não estamos dizendo que essa exigência de liderança – que, na realidade, é uma exigência de política em grande estilo – possa ser satisfeita; e que a política encontre a energia e a imaginação para se emancipar da decadente mediocridade do presente. No entanto, mesmo que o problema seja posto ao menos, esse já é um passo na direção certa.
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Das elites em crise ao populismo: como a política perdeu autoridade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU