07 Dezembro 2013
Cada papa tem o seu estilo de comunicação e também de pregação. Sobre o Papa Francisco, acredito que se possa dizer que ele propõe uma pregação querigmática.
A análise é do teólogo italiano Rosino Gibellini, diretor literário da editora italiana Queriniana. É doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão. O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet, da editora Queriniana, 04-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Cada papa tem o seu estilo de comunicação e também de pregação (ou anúncio da palavra revelada). João Paulo II propunha uma pregação pastoral; Bento XVI, uma pregação predominantemente doutrinal, que ele havia teorizado como teólogo com a obra Dogma e pregação (Munique, 1973); sobre o Papa Francisco, acredito que se possa dizer que ele propõe uma pregação querigmática (além de popular).
Observa-se repetidamente na imprensa que o Papa Francisco não entra nos temas doutrinais de atualidade – como aborto, homossexualidade e, em geral, temas discutidos da bioética – como faziam os seus antecessores.
A recente entrevista à revista La Civiltà Cattolica, publicada em "edição definitiva" no livro Papa Francesco, La mia porta è sempre aperta. Una conversazione con Antonio Spadaro (Ed. La Civiltà Cattolica/Rizzoli/Corriere della Sera, 2013), do qual citamos alguns trechos, pode ajudar a esclarecer essa observação.
Na entrevista, o papa diz: "A Igreja às vezes se encerrou em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: 'Jesus Cristo te salvou'" (p. 58). "Devemos anunciar o Evangelho em todos os caminhos, pregando a boa nova do Reino" (p. 60). "A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda, irradiante. É dessa proposta que vêm depois as consequências morais" (p. 62).
O primeiro anúncio não é a doutrina ou a catequese, mas o querigma, como observa o entrevistador (a entrevista se faz conversa): "Interessa a Bergoglio, de maneira suprema, o querigma, o anúncio da mensagem cristã, enquanto, disse-me, ele teme uma pastoral 'obcecada pela transmissão de uma multidão de doutrinas a serem impostas com insistência'" (p. 81). "O temor do Papa Francisco é que se percam as prioridades e que se verifique a 'degradação da beleza do querigma a uma enviesada moral sexual'" (p. 82). "Não são as rachaduras exteriores que o preocupam, mas sim a falta de solidez no anúncio querigmático" (p. 82). E ainda: "A Igreja missionária é uma Igreja que proclama o anúncio da salvação, um anúncio que 'faz com que o coração'" (p. 87).
Essa insistência no "primeiro anúncio", no "anúncio da salvação" e, portanto no querigma como interpreta o renomado entrevistador (ao qual, certamente, deverão seguir catequese e doutrina), remete a uma discussão dos anos 1930, ocorrida na Faculdade de Teologia de Innsbruck (Áustria), dirigida pelos jesuítas, e que eu ilustro na sua articulação em La teologia del XX secolo (Ed. Queriniana 1992; 6ª edição atualizada: 2007, p. 225-231). Retomo aqui o essencial.
Sentia-se o desconforto de uma teologia (então neoescolástica) que se desenvolvia na explicação doutrinal e que não estava a serviço de uma pregação, que fosse "feliz notícia", como é o sentido original do Evangelho. O texto fundamental era o livro de Joseph A. Jungmann, A feliz notícia e a nossa pregação da fé de 1936. O historiador da liturgia via se estender "uma sombra sobre a atual consciência da fé": o cristianismo não é mais percebido como feliz notícia, mas decaiu a "árido cristianismo habitual", sem incidência na orientação da vida.
Daí deriva a necessidade de uma renovação da pregação, que não se limite a tratar de questões metodológicas e práticas, mas que entre no mérito dos próprios conteúdo da pregação, recuperando o caráter salvífico das verdades da fé e o cristocentrismo do querigma: "A teologia quer servir acima de tudo o conhecimento. Ela estuda, portanto, a realidade religiosa até os extremos limites do cognoscível (verum) e se defronta até o último pingo de verdade que pode ser alcançada, sem se interrogar sobre o interesse vital que anima a busca. A pregação, ao invés, se dirige totalmente à vida e, portanto, considera a própria realidade religiosa apenas como o bem final da nossa busca (bonum). [...] O seu objeto próprio é e continua sendo a feliz notícia e precisamente aquilo que, no cristianismo primitivo, foi chamado de querigma. Devemos conhecer o dogma, mas devemos anunciar o querigma [...]. A própria pregação permanece sempre anúncio-de-salvação; de fato, o sentido do cristianismo não é o saber, mas sim a vida; não a teologia, mas sim a santidade" [1].
A proposta da Faculdade de Innsbruck assumia o nome de "teologia querigmática" e agregava teólogos jesuítas como Jungmann, Lackner, Dander, Lotz, Hugo Rahner (irmão do mais famoso Karl Rahner) e – sob o perfil histórico – contribuiria para a realização da "virada antropológica" na teologia (Karl Rahner).
Mas aqui se queria enfatizar uma consonância entre a proposta da "teologia querigmática" e a insistência do Papa Francisco por uma pregação (que, certamente, não exclui a dimensão catequética e doutrinal) que seja, em primeiro lugar, "anúncio de salvação" e "feliz notícia". Uma observação a ser levada em consideração para um anúncio missionário que – como o Papa Francisco expressa – "faz arder o coração". Ou, integrando com a recente Exortação Apostólica Evangelii gaudium: o querigma, que é "o coração da mensagem de Jesus Cristo" (n. 34), dá a "alegria do Evangelho".
Nota:
1. J.A. JUNGMANN, Die Frohbotschaft und unsere Glaubensverkündigung. Regensburg, 1936, p. 60-61.
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Francisco, um papa querigmático. Artigo de Rosino Gibellini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU