22 Outubro 2013
Enquanto as palavras recentes do Papa Francisco são esperançosas, os sacerdotes e as pessoas ao redor do mundo em breve necessitarão mais do que palavras. Enquanto isso, as associações internacionais de padres reformistas e seus parceiros leigos estão forjando um caminho criativo para os direitos humanos básicos na Igreja.
A análise é da Ir. Christine Schenk, religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch, organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 17-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
De 10 a 12 outubro, eu estive na primeira reunião internacional de líderes de organizações de sacerdotes reformistas de seis países. O evento proporcionou ricas oportunidades de formação de redes internacionais, exploração de problemas comuns e partilha de estratégias criativas para abordar uma série de questões críticas para a renovação da Igreja. Isso inclui a falta de padres internacionalmente, a defesa da integridade das paróquias, a necessidade de um diálogo genuíno, capacitação dos leigos, estratégias para lidar com abusos de autoridade e liderança das mulheres na Igreja.
Convocado pelo carismático padre Helmut Schüller, da Iniciativa dos Párocos Austríacos, e pelo diácono Markus Heil, porta-voz da Parish Initiative: Switzerland, o encontro, atraiu cerca de 30 pessoas. Entre eles estavam líderes de movimentos leigos e associações de sacerdotes dos Estados Unidos, Alemanha, Irlanda, Austrália, Suíça e Áustria.
Eu participei como representante das 10 organizações de reforma dos Estados Unidos que promoveu com grande sucesso a turnê de Schüller por 15 cidades, conhecido por "Catholic Tipping Point" durante o verão. Essa coligação se comprometeu a desenvolver uma rede internacional de sacerdotes e pessoas que trabalham pelos direitos fundamentais na Igreja. Martha Heizer, do Movimento Internacional Nós Somos Igreja; Deborah Rose-Milavec, diretora-executiva do FutureChurch; e Hans Peter Hurka, do movimento Nós Somos Igreja da Áustria trouxeram perspectivas importantes do ponto de vista de movimentos leigos de reforma nos níveis internacional, nacional e local.
Um traço comum subjacente importante para os participantes foi a luta comum de ministrar em meio a um constante agravamento da escassez de padres.
"Eles estão aterrados, os padres sinceros com compaixão e um senso de ministério (...) que vivem para as pessoas em suas igrejas", disse o padre Dan Divis da Associação dos Padres Católicos dos EUA, cujos membros incluem 1.000 sacerdotes. "Eu vejo sacerdotes que estão assustados com o futuro se questões como o fechamento de paróquias, a falta de padres e de participação das mulheres na liderança da Igreja etc. não forem atendidas".
Como nos EUA, um grande problema na Alemanha diz respeito à consolidação de igrejas em megaigrejas, algo que muitos padres alemães dizem não ser útil para o seu povo, que se desenvolve dentro de um forte senso de comunidade fornecido por paróquias menores. As associações de padres alemães vieram de seis dioceses: uma com mais de 40 anos representando 160 sacerdotes, outras duas filiadas ao movimento alemão Nós Somos Igreja, as três últimas inspiradas pela iniciativa dos párocos austríacos e formadas ao longo dos últimos seis anos. Ao todo, os movimentos de padres alemães representam cerca de 700 sacerdotes.
Na Áustria, as paróquias são informadas de que não haverá sacerdote para substituir um pastor que sai. Isso inclui a própria paróquia de Schüller, levando-o a preparar os seus paroquianos a assumir a responsabilidade por suas vidas católico-cristãs quando ele se for. Alguns padres austríacos atendem até quatro paróquias, e alguns foram convidados a assumir mais. Essas condições levaram à fundação da Iniciativa dos Párocos em 2006.
Em 2011, os padres emitiram um Apelo à desobediência, pedindo a admissão de mulheres e de pessoas casadas ao sacerdócio, bem como uma maior liderança leiga e transparência no governo da igreja. Embora a organização conte com 400 sacerdotes entre os seus membros (a Áustria tem um total de cerca de 1.000 sacerdotes), uma pesquisa independente realizada logo após o "Apelo à desobediência" verificou que mais de 70% dos padres da Áustria receberam positivamente o apelo.
Ao longo da conferência, o tema da paróquia como um “sujeito” que se autodetermina foi constante. Uma estratégia importante emergente citada foi a necessidade de capacitar os paroquianos a discernir o destino de suas próprias paróquias, especialmente à luz do fracasso da Igreja institucional para enfrentar a falta de padres. Grupos na Áustria, Suíça e Alemanha se comprometeram a usar vários folhetos educativos da FutureChurch abordando os direitos dos paroquianos, como apelar contra o fechamento de igrejas e outras ferramentas de defesa como modelos para o desenvolvimento de seus próprios recursos.
Na Suíça, a Parish Initiative: Switzerland começou em setembro de 2012, quando um grupo de sacerdotes e ministros leigos desenvolveu uma declaração assinada com 10 pontos inspirada no “Apelo à desobediência” da Iniciativa dos Párocos Austríacos.
A declaração da Parish Initiative: Switzerland foi controversa porque denunciou publicamente a atual e incomum prática pastoral. Segundo a sua porta-voz, Heil, "a rede de iniciativas é um lugar para compartilhar diversos e novos modelos de ministério para uma possível discussão em outros países”.
Os números do grupo suíço são de cerca de 100 padres e 400 ministros leigos. Muitas paróquias suíças são lideradas por diáconos ou administradores leigos, com sacerdotes chegando aos domingos para o ministério sacramental.
Ute van Appeldorn, uma administradora leiga e membro do conselho da iniciativa suíça, lidera uma equipe de 13 pessoas da paróquia e executa todas as funções pastorais, inclusive faz batismos e testemunha algum casamento ocasional. Ela prega todos os domingos, trabalha com famílias de jovens em preparação sacramental, conduz liturgias da palavra e de comunhão às quartas-feiras, e acompanha indivíduos adultos em suas jornadas espirituais.
"Construir relacionamentos é o meu papel mais importante. Eu disponibilizo muito tempo para ouvir as pessoas e ver o que as está movendo", disse van Appeldorn. "Nesses encontros, eu sinto Deus trabalhando. Este encontro me fez perceber o excelente privilégio que eu tenho. Nunca tive que lutar para ministrar na Suíça, apesar de eu sofrer porque eu não sou ordenada”.
Embora existam cerca de 500 administradores paroquiais nos Estados Unidos, poucos rotineiramente batizam, testemunham casamentos ou pregam regularmente aos domingos.
Um tema recorrente foi sobre os direitos na Igreja, incluindo os direitos das mulheres e de todos os leigos a participar na tomada de decisões da Igreja. Rose-Milavec e Heiser conduziram discussões sobre como ajudar o Vaticano a incluir famílias reais no próximo Sínodo sobre a Família, previsto para outubro de 2014.
"Eu quero que todas as mulheres – casadas, solteiras, jovens, velhas – sejam capazes de participar da tomada de decisões da igreja", disse Rose-Milavec. "Eu quero mulheres no Sínodo sobre a família e eu quero mulheres para ajudar a eleger o próximo papa”.
Outra questão fundamental para os sacerdotes reformistas e também para os leigos é a dificuldade em engajar os bispos em um diálogo genuíno.
"A partir das diversas conversas com os bispos e conferências episcopais, nem tudo o que é chamado de 'diálogo' é realmente uma conversa aberta a resultados", disse Heil. Para ele, um resultado importante é que "as iniciativas irão trabalhar em promover um esboço de regras para um diálogo bem sucedido e honesto com os bispos".
Para o futuro, a "rede de redes", como o novo grupo internacional de sacerdotes e leigos se autodenomina, escolherá uma equipe internacional de cinco ou seis membros para planejar futuras reuniões e iniciativas. A prioridade é a comunicação regular usando todas as ferramentas disponíveis da tecnologia atual.
Perguntei a Divis sobre quais são seus pontos de vista sobre o que esta reunião pode significar para a Associação de Padres Católicos dos EUA.
"A organização não precisa ter medo", disse Divis. "Os leigos não tiveram medo. Eles foram levando. Eles têm sido mais ousados e corajosos. Os sacerdotes não têm nada a temer. Acredito que os problemas que nos preocupam são também aqueles que preocupam os bispos. Os bispos precisam do nosso apoio. Pode haver uma nova abertura para falar de muitas coisas por causa do Papa Francisco".
Enquanto as várias iniciativas de reforma compartilham o entusiasmo sobre a mudança positiva na cultura da Igreja sob Francisco, elas também observaram que as esperanças e expectativas do povo de Deus para uma mudança estrutural têm crescido ainda mais.
A questão de como apoiar o desejo do Papa Francisco de renovação e reforma da Igreja animou várias discussões em pequenos grupos, particularmente o apelo do papa para que o pastor cheire como as ovelhas; sua acolhida esperançosa aos gays; e sua crença de que a Cúria, bispos e cardeais são chamados a servir o povo de Deus.
A solidariedade com aqueles que experimentam os abusos de poder na Igreja, da paróquia ao Vaticano, foi um tema preocupante para muitos. A presença do padre redentorista Tony Flannery, fundador da Associação Irlandesa de Padres Católicos que a Congregação para a Doutrina da Fé impediu de ministrar em 2012 por causa de alguns de seus escritos, provou ser um lembrete constante de que as estruturas da Igreja, tais como aquelas da Congregação doutrinal, precisam ser reformadas.
A nova "rede de redes" internacional planeja desenvolver uma série de estratégias que tratam do abuso de poder na Igreja, incluindo o apoio financeiro e legal para quem experimentá-la.
"Ainda mais importante será a troca de experiências em cada conflito, especialmente com os bispos ou o Vaticano, para que haja aprendizagem mútua e menos abuso", afirmou Heil.
Quando Flannery calmamente observou que "a menos que as estruturas mudem, nenhuma verdadeira mudança vai acontecer", isso tem peso. Enquanto as palavras recentes do Papa Francisco são esperançosas e um bom começo, os sacerdotes e as pessoas ao redor do mundo em breve necessitarão mais do que palavras.
Enquanto isso, as associações internacionais de padres reformistas e seus parceiros leigos estão forjando um caminho criativo para os direitos humanos básicos na Igreja.
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Uma ''rede de redes'' de sacerdotes e leigos para a reforma da Igreja. Artigo de Christine Schenk - Instituto Humanitas Unisinos - IHU