18 Outubro 2013
"Neste ano, a festa não tem sentido, pois a pessoa que representa o Eid al-Adha para mim não está aqui." Foi o que escreveu Amr Helmy em seu perfil no Facebook na ocasião da festa mais importante do calendário muçulmano, a Festa do Sacrifício.
A reportagem é de Marion Guénard, publicada pelo Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 17-10-2013.
De sorriso sedutor, relógio espalhafatoso e óculos Ray-Ban, o jovem de 21 anos, estudante de comércio, não possui exatamente o físico que se pressupõe de um membro da Irmandade Muçulmana. No entanto, ele é filho de Helmy al-Gazzar, deputado eleito da província de Gizé, preso desde o dia 4 de julho, após a destituição do presidente islamita Mohammad Mursi pelo Exército, após uma mobilização popular sem precedentes.
"Eu costumava ir com meu pai fazer a prece do Eid al-Adha na grande mesquita de Gizé Khatem al-Morsalinne, em companhia de Essam al-Arian." Este último, presidente do partido Liberdade e Justiça, aparelho político da confraria, está sendo procurado pelas autoridades egípcias e ainda está foragido.
No outono de 2011, a Irmandade Muçulmana havia vencido nas eleições legislativas, especialmente em Gizé, ao sul do Cairo, onde sua coalizão levou 18 das 30 cadeiras que representam a província na Câmara Baixa. Dois anos depois, quase quatro meses após a destituição de Mursi, a relação de forças se inverteu radicalmente e os membros da confraria voltaram a ser alvo de repressões.
Ao longo da rua Khatem al-Morsalinne, na continuação da mesquita, as celebrações da Festa do Sacrifício, tradicionalmente organizadas no bairro pela Irmandade, ostentam um ar totalmente diferente. No começo da manhã, mais de mil fiéis, ajoelhados na rua, rezavam como um só. Todos se levantaram e muitos desapareceram rapidamente quando a oração virou uma manifestação.
"Sissi – o general Abdel Fattah al-Sissi é ministro da Defesa e chefe do Conselho Supremo das forças armadas - , seu traidor, devolva-nos o Mursi!", clamavam algumas centenas de homens e mulheres, com os braços para cima, quatro dedos estendidos e os polegares dobrados sobre as palmas, em sinal distintivo de adesão ao protesto de Rabiya: "quatro", nome da manifestação reprimida pelo Exército no dia 14 de agosto, resultando em centenas de mortes do lado da Irmandade.
Pela primeira vez desde a revolução de janeiro de 2011, a organização da Festa do Sacrifício diz respeito a uma disputa política. No Cairo, o governo ordenou o fechamento de grandes mesquitas frequentadas pelos militantes da Irmandade. Os locais de manifestações, Rabiya e Nahda, ocupados neste verão pelos islamitas, foram colocados sob vigilância rigorosa, cercados por tanques do Exército para evitar qualquer aglomeração. Somente alguns bairros situados na periferia da capital como Khatem al-Morsalinne, onde a Irmandade está bem estabelecida, escaparam da repressão.
Tanto em Gizé quanto em outros lugares, há oficiais da confraria desaparecidos. Membros falam no número inverificável de aproximadamente 600 prisões na província desde a queda de Mursi. No dia 9 de outubro, o ministro da Solidariedade Social, Ahmed al-Borai, anunciou a dissolução oficial da Irmandade Muçulmana, permitindo assim a proibição das atividades da confraria e o congelamento de seus bens. "Não temos mais líderes, não temos mais financiamento. Em Gizé, a sede do partido Liberdade e Justiça foi fechada", explica Hassan Abdel Meguid, advogado e um dos organizadores da oração de rua. "Não podemos mais nos reunir, nem agir juntos", ele diz.
Popular durante o regime de Hosni Mubarak por suas ações de caridade, que lhe garantiram uma ampla base eleitoral, a confraria teve de reduzir consideravelmente suas atividades. "Nos anos anteriores, distribuíamos carne após o sacrifício do cordeiro, organizávamos rifas com peregrinações a Meca como prêmio", conta Ahmed Essam, um militante do bairro desfavorecido de Khatem al-Morsalinne. "Neste ano, estamos completamente desorganizados. Cada um paga de seu próprio bolso."
Já Amr Helmy não foi rezar. Ele tinha um compromisso às 7h na prisão de Tora, no sul do Cairo, para visitar seu pai. O deputado Helmy al-Gazzar foi preso em sua mansão burguesa no dia 6 de outubro, cidade nova construída no deserto a algumas dezenas de quilômetros da capital.
Filho de oficial, Amr tem direito a uma hora de visita semanal ao lado de outros parentes de dirigentes. Ele afirma que seu pai está sendo bem tratado e tem um quarto individual, privilégio que só cabe aos líderes da confraria. "Nós falamos sobretudo de assuntos pessoais, de seu estado. É complicado falar de política, pois ele só tem acesso ao jornal estatal 'Al-Ahram' e só pode ouvir a rádio nacional, que só fornece um ponto de vista: o dos militares", conta Amr, garantindo que seu pai não tem nenhum contato nem com os outros líderes da confraria nem com representantes do governo militar.
Assim como a maioria dos membros da Irmandade Muçulmana que estão presos, Helmy al-Gazzar é alvo de várias acusações, entre elas incitação a assassinato e formação de grupos armados durante a presidência de Mohammed Mursi. "Ele é um prisioneiro político. São acusações ilegais, fabricadas", repete incansavelmente o jovem, baseando-se na modificação recente do artigo 143 sobre a detenção provisória. Ilimitada na época do regime de Mubarak, ela foi reduzida para um máximo de dois anos após a revolução, o que permitiu a libertação do ex-presidente há algumas semanas.
Em setembro, o artigo foi novamente modificado, voltando a permitir uma detenção provisória indefinidamente renovável. "Isso significa que os militares estão procurando se livrar da Irmandade e que meu pai não sairá da prisão por um bom tempo", conclui Amr, que afirma que nenhuma data de julgamento foi marcada ainda.
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Festa de peregrinos vira momento amargo para a Irmandade Muçulmana no Egito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU