15 Outubro 2013
A pergunta é inconveniente. "De fato – explica Paolo Flores d'Arcais no seu livro La democrazia ha bisogno di Dio? Falso! [A democracia precisa de Deus? Falso!] –, ela nunca ecoa nos recorrentes debates sobre religião e política, quase como se fosse temerário até mesmo pensar nela e como se fosse blasfemo formulá-la".
A reportagem é de Silvia Truzzi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 10-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto
A resposta do diretor da revista Micromega é um enfático não. Que se fundamenta em um evangélico convite de Mateus: "Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não. O que passa disso vem do Maligno".
Eis a entrevista.
Por que é necessário se perguntar se a democracia precisa de um pressuposto religioso?
Para inverter a ideia corrente e dominante segundo a qual a democracia em crise precisa recorrer à religião para não correr o risco do colapso. Uma ideia que nunca teria me preocupado se eu a tivesse encontrado apenas em Wojtyla, Ratzinger, Tariq Ramadan. Mas, como constitui, ao menos há uma década, o fio condutor de todas as reflexões filosófico-políticas de Jürgen Habermas, neste momento me parece ser uma tese muito significativa e muito preocupante para o mundo laico. Daí a necessidade de refutá-la.
Ela é mais temível agora, em um cenário de degradação institucional e de crise econômica?
A questão se torna cada vez mais urgente porque a crise das democracias ocidentais é cada vez mais evidente. E é uma crise dupla: refere-se tanto aos sistemas políticos, isto é, à distância cada vez mais crescente entre os cidadãos e os seus representantes, quanto ao plano socioeconômico. Refiro-me à lacuna cada vez mais abissal entre aqueles que têm pouco e aqueles que têm muito: de um lado, explodem os privilégios e, de outro, as pobrezas. Diante dessa crise, multiplicam-se, mesmo em âmbitos laicos, as tentativas de recorrer à religião como fundamento de princípios de solidariedade que a laicidade não seria mais capaz de produzir. Por isso, só a religião poderia nos salvar.
É plausível hoje negar à religião um papel público tout court?
Depende do que se queira dizer. Se essa for uma afirmação, então, infelizmente, não podemos deixar de notar como as religiões têm um papel público cada vez mais crescente. Se se trata de um juízo de valor e de compatibilidade, a tese do meu texto é exatamente essa. Ou seja: deve ser negado radical e sistematicamente todo papel público das religiões na democracia, porque qualquer papel público ameaça e coloca em risco elementos essenciais do sistema democrático.
Identifica-se a religião também através dos sistemas de valores que ela indica. E em um momento de vazio da ética ela se torna uma âncora. O senhor objeta: não é a única ética possível.
Digo mais: não só que há um sistema de valores laico-republicano, mas eu também tento demonstrar que só esse conjunto de valores pode ser o horizonte comum de uma convivência democrática. Enquanto o recurso à religião leva a danos desastrosos, seja porque torna os conflitos inegociáveis, seja porque ataca na raiz as liberdades dos indivíduos.
Alguns exemplos?
Todas as questões bioéticas têm um peso cada vez maior na nossa vida cotidiana. Outro dia, Carlo Lizzani suicidou-se. Como lembrou no seu bilhete de adeus, ele queria "desligar a chave" juntamente com a esposa. Serenamente, através do suicídio assistido. Mas ele não pôde: na Itália, o suicídio assistido é punido com 12 anos de prisão. Por quê? A vida de Lizzani pertence a Lizzani. O suicídio não é um crime, e nem mesmo a tentativa de suicídio é punida. Por que quem me ajuda corre o risco de pegar 12 anos de prisão? Porque um sistema de valores religioso quer impor a sua moral particular como moral do Estado. O mesmo vale para o divórcio, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexual, pesquisa com células-tronco. O crente é democrático só contanto que saiba dizer: segundo a lei do Estado, cada um é livre. E eu, como cidadão e apesar de ser católico, vou lutar por essa liberdade de todos. Depois, eu, como católico, não vou realizar esses atos. Isso significa manter a religião no âmbito privado. Alguns católicos fizeram esse discurso nos tempos do referendo sobre o divórcio. Mas foram atingidos pelos anátemas da hierarquia eclesiástica.
O senhor escreve que o verdadeiro teste entre crentes e não crentes é a escola pública.
Vinte e cinco anos atrás eu escrevi que, se se aceitassem as reivindicações da Igreja Católica com relação ao sistema escolar, mais cedo ou mais tarde teriam que se aceitar reivindicações semelhantes por parte das escolas islâmicas. Naturalmente, essas considerações não foram nem mesmo levadas em consideração, porque o problema na Itália parecia dizer respeito apenas à Igreja Católica. Hoje, o tema está na pauta do dia em toda a Europa, porque, se existe um espaço para as escolas confessionais, então deve valer para todos. E, portanto, se dará origem a uma guetização do sistema educacional. Mas o sistema educacional, de fato, não é só para transmitir conhecimentos técnicos ou noções; ele também é feito para dotar todas as crianças que se tornam adolescentes e depois adultos de instrumentos críticos capazes de torná-los cidadãos conscientes e livres. Dar instrumentos críticos é incompatível com toda visão confessional do mundo e das sociedades. Temos provas disso: foi a Conferência Episcopal Italiana que impediu o ensino do darwinismo nas escolas de ensino fundamental, um projeto que trazia a renomada assinatura de Rita Levi Montalcini.
Que impressão lhe provocou o diálogo entre o Papa Francisco e Eugenio Scalfari?
Parabéns a Scalfari pelo gesto jornalístico. Quanto aos conteúdos que o papa expõe, são absolutamente os tradicionais, mas o tom é uma verdadeira inversão em "U" com relação ao pontificado de Ratzinger. E é isso que pode ter um grande efeito.
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''A democracia está em crise, mas não precisa de Deus''. Entrevista com Paolo Flores d'Arcais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU