Por: Andriolli Costa | 04 Outubro 2013
Foto: Andriolli Costa |
Por: Andriolli Costa
Quando o deputado Ulysses Guimarães tomou posse em 1987 da presidência da Assembleia Nacional Constituinte, apresentou em seu discurso aquilo que definiria os rumos da chamada Constituição Cidadã. “Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”. As mesmas palavras de inclusão, tão distantes da repressão do período militar, foram repetidas, um ano depois, quando em 5 de outubro de 1988 foi finalmente promulgada a Constituição Federal. Hoje, em meio às comemorações dos 25 anos da Carta Magna as ruas falam à Nação novamente. Mesmo com o fim da Ditadura, no entanto, para o professor de Direito da PUC-Rio Adriano Pilatti, as vozes que vem debaixo continuam em eterna luta para serem ouvidas.
Pilatti é doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e autor do livro Constituinte de 1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008). Militante político desde os 15 anos de idade, Pilatti é envolveu-se por completo com as grandes manifestações que ocorrem no Rio de Janeiro desde o mês de julho, e é um grande crítico da opressão e censura às liberdades individuais e coletivas. O professor esteve na Unisinos nesta quarta-feira (02-10-2013), onde abriu as conferências do evento Constituição 25 Anos: República, Democracia e Cidadania. A noite, no Auditório do Centro de Ciências Jurídicas, ministrou a palestra Vivências e Reflexões sobre o Processo Constituinte: o período pré e pós Constituição, traçando paralelos da luta democrática daquele momento e a situação que o País vive nos dias de hoje.
Constituição Participativa
Em um resgate histórico, que também apresenta em seu livro, Pilatti expõe os processos que levaram uma Constituinte majoritariamente conservadora, em que a esquerda correspondia a cerca de 20%, a resultar em uma Constituição que como ponto de partida era bastante avançada. “O presidente José Sarney, um legitimo representante do regime que se despedia, tutelado pelos ministros militares, convocou uma Constituinte ultra-tradicionalista. Parecia que a nova criatura obedeceria ao criador, o que poderia levar a uma constituição comportada. No entanto, muita coisa aconteceu entre 1º de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988”.
A própria articulação interna dos 559 congressistas que compunham a Assembleia Constituinte levou-os a divisão em 24 comissões temáticas que elaborariam anteprojetos específicos que mais tarde seriam reunidos em um único projeto constitucional. “Isso de cara já deu a esquerda uma força maior na discussão”, pontua o professor. Além disso, graças à articulação de Mário Covas, a Esquerda conseguiu os cargos de relatoria das comissões subcomissões, colocando em pauta questões como a reforma urbana e agrária, direitos dos povos indígenas, da criança e do adolescente. “A pauta temática de saída dos movimentos de esquerda de saída ficou garantida”. Mais do que isso, as votações em aberto com membros da sociedade civil pressionavam os congressistas. “Para os que não podiam acompanhar, em uma época sem Internet, os Sindicatos colocavam outdoors informando quem votou a favor e contra o povo”. Tudo isso colaborou para formar o que Ulysses Guimarães defendia como a constituição que veio das ruas.
Direito e Liberdade
Para Pilatti, existe um senso sério e um leviano de se encaram a ordem. “O serio é o que nasce de baixo, do verdadeiro poder constituinte que é o povo, das mobilizações”. Já o leviano, “o que é imposto pelos déspotas públicos e privados que pretendem dirigir, pautar, organizar e disciplinar a vida alheia”. Imposta, toda ordem é violência, lembra o professor.
E é justamente em concordância com este pensamento que o professor afirma não compreender como pessoas que participaram da abertura deste processo democrático hoje voltam as costas para as vozes das ruas. Grande apoiador dos movimentos populares, a quem chama de “os meninos”, Pilatti foi apadrinhado pelos manifestantes e chegou a ministrar uma aula aberta de direito constitucional para eles nas praias do Rio de Janeiro – e quase foi preso por isso, afirma.
“Na primeira manifestação eu fui de má vontade, admito. Mas o que eu vi nas ruas me ganhou. Esses meninos são os filhos o bolsa família, são a nova classe média. Era óbvio que a satisfação das aflições mais rudes ia permitir que se chegasse a isso”, pondera. “É uma juventude pobre, querendo existir por si mesma e que não aceitam qualquer liderança que não seja horizontal. Gente que precisa de máscara para ir para a rua, pois caso contrário podem ser até mortos pelos milicianos”.
Pilatti conta que foi durante a aula aberta que muitos dos jovens tomaram contato com a Constituição Federal, e tiveram uma epifania. Especialmente com o trecho que diz o seguinte:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
“Então eles me disseram ‘Mas é exatamente isso que nós queremos!’. E eu disse, ‘Então coloquem isso nas suas reivindicações”.
Violência e repressão
Para o professor da PUC, há um paralelo evidente entre os casos do ajudante de pedreiro, Amarildo de Sousa (2013) e do jornalista Vladmir Herzog (1975). Este último foi diretor de telejornalismo da TV Cultura, professor de jornalismo na USP e membro do Partido Comunista Brasileiro. Já o primeiro era morador da Rocinha e pai de seis filhos. Ambos foram capturados e torturados injustamente pelas forças militares, e ambas as mortes mobilizaram multidões que exigiam justiça.
“Durante o culto ecumênico realizado em homenagem a Herzog, milhares de pessoas se reuniram para ouvir o arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, dizer uma única palavra: ‘Basta’”, relembra Pilatti. “Herzog foi uma espécie de Amarildo dos presos políticos. Ambas as mortes fizeram as pessoas retomarem a coragem de ir à rua e de se mobilizar”. Ainda segundo o professor, na época o objetivo era arrancar do poder o governo militar-empresarial, “financiado por diversas empresas nacionais e estrangeiras das quais as forças armadas foram só um instrumento perversos – como continua até hoje”, afirma ele. “O Regime Militar não acabou no Rio, hoje se chama UPP”.
Quem é Adriano Pilatti
Adriano Pilatti (foto) é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ, mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro — Iuperj, com Pós-Doutorado em Direito Público Romano pela Universidade de Roma I — La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara dos Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Traduziu o livro Poder Constituinte — Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 — Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo(Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008).
Para ler mais:
#VEMpraRUA: Outono Brasileiro? Leituras, Cadernos IHU ideias, no. 191
Quem tem medo do poder constituinte?. Artigo de Adriano Pilatti e Giuseppe Cocco publicado nas Notícias do dia, de 15-07-2013, no sitio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
"A Constituição de 1988 ainda não esgotou seu potencial de liberação da vida e de promoção da igualdade". Entrevista com Adriano Pilatti na edição 428 da Revista IHU On-Line, publicada em 30-09-2013.
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“O Regime Militar não acabou no Rio, hoje se chama UPP. Herzog foi uma espécie de Amarildo dos presos políticos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU