Por: Cesar Sanson | 09 Setembro 2013
Embora o Nordeste apresente taxas de crescimento superiores à média nacional, o ritmo da região ainda é “insuficiente” na visão da cientista social, doutora em economia pública e sócia-diretora da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan) Tânia Bacelar em entrevista ao jornal Tribuna do Norte, 08-09-2013.
Segundo ela, “a renda média no Nordeste ainda é muito mais baixa” apesar do Nordeste ter recebido “duas verdadeiras injeções de renda na veia: o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo”.
A economista critica um equívoco do modelo em curso: "Concentrar os investimentos em infraestrutura onde a competitividade já é maior".
Eis a entrevista.
Na atual conjuntura de alta da inflação, juros subindo e câmbio disparado, como a senhora avalia a taxa de crescimento da economia do Nordeste? Deve se manter acima da média nacional, como nos últimos anos, ou desacelerar seguindo o ritmo do país?
Ocorreu uma mudança importante no Nordeste que foi a integração na economia brasileira. Quando se coloca numa curva a dinâmica do PIB do Brasil e a dinâmica do PIB do Nordeste se vê que estão coladas, quando a economia brasileira vai bem, o Nordeste vai bem; quando não, o Nordeste também vai mal. Conjunturalmente, o Brasil não vai bem. Estamos num momento de dificuldades e o Nordeste acompanha isso, embora a região apresente taxas de crescimento um pouco superiores à média nacional, o que é bom, mas ainda é insuficiente.
Por que insuficiente?
Insuficiente porque o hiato entre o Nordeste e as áreas mais ricas do país persiste mesmo tendo crescido nos últimos anos. Apesar desse crescimento, só respondemos por 13,5% da riqueza produzida no país, enquanto temos 28% da população, por isso a renda média no Nordeste é muito mais baixa que a média nacional e das regiões mais ricas do país.
A região ainda concentra boa parte de bolsões de pobreza, mas houve também aumento no potencial de consumo das famílias. O consumo deve reduzir puxado por essa conjuntura nacional?
O potencial de consumo aumentou nos últimos anos por duas razões, duas verdadeiras injeções de renda na veia, eu diria: o Bolsa Família, em que o Nordeste ficou com 55% do programa, e o outro é o aumento do salário mínimo. Duas políticas públicas que pegaram o Nordeste de frente, já que temos mais da metade da pobreza do Brasil. Se trouxe pra cá mais da metade da política de transferência de renda. E na estrutura de mercado de trabalho do Nordeste, a grande maioria dos ocupados recebem até 1 salário mínimo, enquanto nas regiões mais ricas essa média fica em 2 a 3 salários mínimos. Então, quando houve o aumento do salário mínimo se colocou muita gente no mercado de consumo e isso fez com que o Nordeste crescesse mais que a média nacional em cima desse consumo insatisfeito de uma grande população de mais de 50 milhões de pessoas. Isso é positivo, mas não é o suficiente para manter a economia aquecida. Muitas cidades médias e pequenas do Nordeste se dinamizaram muito. Para você ter ideia, a segunda região que mais recebe o Bolsa Família é o Sudeste, porque onde está a segunda maior pobreza do Brasil é a periferia urbana, e os grandes centros se concentram ali. Só que lá, o impacto do programa foi estritamente social, enquanto aqui, devido a quantidade de gente ser muito grande e como estão em municípios de base de economia muito modesta, acabou que esse incremento de renda dinamizou também a economia local, inclusive de cidades médias, cidades pólos, já que parte do consumo, como serviços e produtos mais sofisticados, não era atendido na economia local.
O aumento no potencial de consumo foi puxado por políticas sociais, mas só transferir renda não basta. O que mais é necessário para continuar crescendo?
Essas políticas sociais foram muito favoráveis ao Nordeste. Tanto que Norte e Nordeste lideraram as taxas de crescimento do emprego, as taxas de crescimento de renda, as vendas no varejo. Foi muito estimulante ter um conjunto de políticas nacionais que tinham como função melhorar a vida da população. Isso precisa continuar de um lado, mas precisamos dar o segundo passo que é melhorar os serviços públicos. Para melhorar qualidade de vida não basta ter renda, precisa ter boa saúde, boa educação, boa segurança, boa habitação. Acho que a fase atual do lado social é a pauta que foi dada em junho, nas ruas, é uma pauta que diz que o país não quer mais só Bolsa Família, mas quer também todos os serviços públicos e com qualidade. Há uma agenda nacional importante, e aqui é ainda mais importante.
E no aspecto econômico, o que mais é necessário?
Essa é outra agenda também muito importante. A discussão dos rumos da economia. Estamos diante de grandes desafios. Temos algumas mudanças já acontecendo em nível nacional que são mais ameaças do que oportunidades para a região Nordeste. Ameaças que ainda não foram percebidas devido a euforia de investimentos que aportaram por aqui, como trazer três refinarias, quando o Nordeste só tinha uma na Bahia. Entre os anos 1940 e o início do século XXI, todas as refinarias ficaram concentradas no Sudeste. Agora conseguimos três, apesar de apenas uma sair do papel, as outras são promessas. Conseguir também alguns estaleiros e tudo isso deixa de certa forma o Nordeste inebriado, mas é preciso analisar melhor o tamanho do bloco de investimentos que o pré-sal vai promover que é muito maior do que isso e se preparar para disputar uma fatia bem maior, não ficar encantado só com esse pedacinho. É preciso ficar atento para crescer, aproveitar as oportunidades e conseguir enxergar as ameaças.
É uma reclamação de empresários, durante todo o Fórum, o fato da destinação de financiamentos do BNDES, BNB, também obedecer a essa dinâmica de dar crédito para investir em infraestrutura, para quem já tem infraestrutura. Isso deve se acentuar e travar o crescimento do Nordeste?
Essa é a ameaça. O novo modelo tende a concentrar os investimentos em infraestrutura onde a competitividade já é maior.
Que prejuízos podem vir a partir daí?
Precisamos fazer duas discussões. Primeiro, a política de concessão para as rodovias é nacional ou vamos tratar desiguais os desiguais? A segunda é que tem um pedaço do investimento público que pode fazer infraestrutura. Então, para esse pedaço que é financiada pelo governo deve se dar prioridade ao Norte e Nordeste que não são contemplados nesse primeiro mapa de concessões.
Quais as consequências do Nordeste não ter uma política regional? E como tratar essa integração tão buscada pelo movimento Integra Brasil?
O Nordeste é plural, deve ser pensado respeitando as particularidades de cada estado, mas com uma política regional no plano nacional. Por isso, não há só uma estratégia de desenvolvimento econômico do Nordeste, mas estratégias. O objetivo do movimento Integra Brasil é fazer com que o Brasil entenda que é melhor, para o país, ter um Nordeste pujante, inserido, aproveitando as potencialidades que tem do que ter um Nordeste excluído. A gente experimentou isso no lado social. É melhor ter esta integração do que depois precisar tratar com políticas assistenciais. Para isso, é preciso uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional, que considere e respeite as variáveis e também as desigualdades, não só em relação ao restante do país, mas as desigualdades internas, entre os estados nordestinos.
A Sudene tinha esse papel integrador, mas hoje atua no campo do planejamento sem ter poder de decisão. Como a senhora avalia essa mudança?Prejudicou os estados de que forma?
O problema é que a Sudene foi recriada pela metade, não tem instrumento e nem apoio político. Os governadores, na minha opinião quem deveria ter maior interesse na recriação verdadeira da Sudene, acabam se reunindo em paralelo, dando á sociedade uma demonstração de que não apostam na Sudene. Eu acho difícil um outro momento favorável da Sudene sem esse apoio firme do governo federal e dos governadores da região. A Sudene hoje tem um grande instrumento que é o FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste) que é importante, sobretudo nesse momento de prioridade em investimentos em infraestrutura. Mas só ele não é suficiente. São hoje R$ 3 bilhões e agora foi financeirizado e em médio e longo prazo deve crescer, mas é o único que a Sudene tem e é muito pouco, hoje.
A senhora mencionou que o Nordeste é plural e por isso deve ter não uma, mas muitas estratégias de desenvolvimento. Quais são essas saídas para que a região se desenvolva mais e integre a política nacional?
Eu acredito que engatar nesse momento do investimento brasileiro, consolidar esse bloco de investimento em indústria que a gente conseguiu trazer, investir no setor primário de agricultura na área de cerrado e no minério, que tem forte potencial, mas precisa de infraestrutura.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O modelo nacional e o Nordeste. Entrevista com Tânia Bacelar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU