19 Agosto 2013
Dietrich Bonhoeffer sabia que, para ele, só existia um caminho: o que o levaria à forca, assim como o caminho de Cristo o levara à cruz. Mas nunca pensou que Deus o tinha abandonado. Por mais que fosse apaixonado e ardente, Bonhoeffer compreendeu que estava na mais profunda solidão: a solidão em que vive um homem com relação ao Deus vivo. Aqui ninguém podia ajudá-lo: ninguém podia levantá-lo de coisa alguma. Aqui Deus lhe impunha um peso que ele tinha que carregar sozinho.
A análise é do ensaísta e crítico literário italiano Pietro Citati, considerado um dos mais respeitados literatos contemporâneos, em artigo para o jornal Corriere della Sera, 06-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A família de Dietrich Bonhoeffer era uma dos grandes famílias aristocráticas da Alemanha luterana. Os von Hase, aos quais a mãe pertencia, tinham estreitos laços com a corte imperial: a casa de Berlim, próxima de Tiergarten, tinha muros comuns com o Parque de Bellevue, onde brincavam os filhos do imperador. Não havia ramo da cultura alemã aos quais os Bonhoeffer e os von Hase não estivessem ligados: teologia, música, filosofia, psicologia, psiquiatria, física, pintura, escultura.
O pai de Dietrich, Karl, neurologista e psiquiatra, não se declarava cristão. Mas toda a família estava embebida pelo profundo sentimento religioso da mãe, cujo avô, Karl August von Hase, havia sido um teólogo famoso. Quando os pais e os filhos se reuniam na casa muito espaçosa da Breslávia e depois de Berlim e nas belas casas alpinas, sempre se sentia – como Dietrich escreveu à sua avó – que dom era ser uma grande família, que vivia no sopro e no abraço do Senhor.
Dietrich, que nasceu em 1906, tinha sete irmãos: Sabine era a sua irmã gêmea. Aos oito anos, ele começou a receber aulas de piano e a ler as partituras com grande habilidade. Aos 10 anos, executava as sonatas de Mozart. Aos 14, compôs uma cantata sobre o sexto versículo do Salmo 42, "A minha alma está abatida"; depois, sentava-se ao piano e improvisava O Cavaleiro da Rosa.
Por muito tempo pensou em se dedicar à carreira musical; e a música sempre continuou representando uma parte essencial da sua vida, que o ligava à família no pensamento. Aos 14 anos, teve a impressão de que Deus o tinha pego e declarou que seria teólogo. Estudou um ano em Tübingen, sete semestres em Berlim, obtendo o doutorado em 1927, aos 21 anos. A sua tese foi intitulada Sanctorum Communio.
Desde a juventude, sofreu a profunda influência de Karl Barth, que, em 1922, tinha publicado o comentário à Epístola aos Romanos: amava a sua fogosa e analítica arte de discutir. Apesar de algumas polêmicas, manteve-se sempre seu amigo e confidente: enquanto, no pós-guerra, Barth resenhou entusiasticamente os livros de Bonhoeffer.
Ele tinha aprendido com os seus familiares um férreo autocontrole: haviam lhe ensinado que abandonar-se às emoções "era um excesso de indulgência para consigo mesmo", e se defendia de si mesmo com a precisão e o rigor da linguagem. Sentia-se dominado por uma espécie de obscura ambição, à qual ele venceu apenas com a Bíblia. A sua vida era plena: concertos, teatros, mostras de arte, viagens no Schleswig-Holstein, nas Dolomitas e a Veneza. Era vital, cheio de frescor, ardente, impulsivo, curioso, cheio de comunicação: "Ele realmente anunciava – disse um amigo – o Evangelho às pessoas da rua": abria-se falando com todas as pessoas; amava e pronunciava a verdade; fascinava os amigos e os estudantes; ria de bom grado.
"Quando Bonhoeffer andava por aí – disse outro amigo – sempre havia muito humor". Mas ele não abandonava o rigor da linguagem, porque sabia que, mesmo no riso, deve se esconder uma soberana precisão. Pouco a pouco, a Bíblia o possuía, ele se sentia invadido pela felicidade cristã. Enquanto avançava na incompreensível revelação, no mistério de Cristo, dava-se conta de que "a alegria autêntica é sempre algo incompreensível, seja para os outros, seja para quem a experimenta".
Ele lia a Bíblia incessantemente, porque acreditava que somente a Bíblia era a resposta para todas as nossas perguntas. "Se esperamos da Bíblia uma resposta definitiva, ela no-la fornece? Deus nos dá a sua palavra, e com ela Ele nos leva a buscar um conhecimento cada vez mais rico e um dom cada vez mais esplêndido. Quanto mais recebemos, mais devemos buscá-lo; e quanto mais buscamos, mais recebemos d'Ele. Uma vez que a palavra de Deus chegou até nós, podemos dizer: eu te busco com todo o coração. Ele nos quer por inteiro".
Ele lia a Bíblia de manhã e à noite, muitas vezes durante o dia: a cada dia, ele escolhia um texto, que mantinha presente durante a semana, tentando mergulhar totalmente nele. Às vezes, detinha-se por horas e dias em uma única palavra antes de ser iluminado com o conhecimento certo. Ele lia os Salmos e os fazia ler e recitar aos seus alunos. Jesus morreu na cruz com as palavras dos Salmos nos lábios: esse era o fato decisivo.
Ainda na sua juventude, ele foi um grande teólogo. Discipulado (Ed. Sinodal, 1980 [1937]), a sua obra-prima, é um dos pouquíssimos verdadeiros textos teológicos do século passado. Mas, enquanto estudava, ele pensava, construía um sistema teológico, se sentia impaciente e prisioneiro. A sua vocação mais profunda era a de pastor: rezava, pregava a um grupo de pessoas, reunidas ao seu redor como a um ninho quente.
"Os seres humanos – escrevia – precisam de pastores: Cristo era o pastor, nós devemos ser pastores de homens mediante ele e como ele". Ele pregava às crianças, sobretudo durante o ano que passou em Barcelona, durante o de Nova York; e depois de novo em Berlim, onde deu um memorável curso aos crismandos de um bairro operário pobre.
"Se não conseguimos comunicar às crianças – proclamou – as ideias mais profundas sobre Deus e a Bíblia, então há algo que está errado". "Quando vocês o viam pregar – lembra uma velha amiga –, vocês viam um jovem irresistivelmente tomado por Deus".
* * *
No dia 6 de setembro de 1930, ele partiu para os Estados Unidos, onde permaneceu por cerca de dez meses. Essa longa permanência teve uma influência decisiva sobre a sua fé. Bonhoeffer se perguntava: "Mas aqui, nos Estados Unidos, ainda existe o cristianismo? Não faz nenhum sentido esperar frutos onde a Palavra de Deus não é mais pregada".
Aparentemente, falava-se de tudo, mas só havia uma coisa da qual não se falava, isto é, do Evangelho de Jesus Cristo, da cruz, do pecado e da remissão dos pecados, da morte e da vida. Não existia uma teologia: alinhavam-se fofocas inconsistentes, sem o mínimo fundamento objetivo. Os estudantes não tinham cognições dogmáticas: embebiam-se de frases sobre liberalismo e humanismo, falavam de idealismo ético e social, de progresso cristão, sem que houvesse o menor vestígio da figura viva do Cristo.
Mas justamente ali, nos Estados Unidos, onde Cristo parecia ter desaparecido, Bonhoeffer descobriu um sinal muito vivo da sua palavra: nas igrejas dos negros, onde ouviu o Evangelho vivido ser pregado com força. Ele gostava muito dos spirituals: ia ouvi-los no Harlem. Depois, comprou as gravações dos cantos que o tinham fascinado e o fez conhecer aos seus amigos europeus. Lá reencontrou a voz da Bíblia e de Lutero. O seu pensamento estava completamente embebido na ideia de encarnação: a religião cristã era uma religião da vida, do corpo, da terra, do aqui – não de um inconcebível e poético outro lugar, de um além distante e inalcançável.
"Eu gostaria – dizia Bonhoeffer com a sua voz alta, dramática e sonora – de falar de Deus não nos limites, mas no centro, não na fraqueza, mas na força, portanto, não em relação à morte e à culpa, mas na vida e no bem do homem. A Igreja não está onde desaparecem as capacidades humanas, nos limites, mas está no centro do nosso vilarejo. Assim diz o Antigo Testamento, e nós lemos o Novo Testamento, ainda pouco demais, a partir do Antigo? Não existem duas realidades, mas somente uma realidade, e essa é a realidade de Deus na realidade do mundo".
Cristo era o Encarnado, assim como nós somos encarnados. Ele era completamente homem. Nada de humano lhe havia sido estranho. "O homem que eu sou – dizia – Jesus Cristo também foi". Com a humilhação, Cristo entrou livremente no mundo do pecado e da morte. E entrou nele de modo a se esconder nele, de modo a não ser mais visivelmente reconhecível como Deus-homem. Ele não andou entre os homens na forma de Deus, mas andou desconhecido, como mendicante, como marginalizado entre os marginalizados, como sem pecado entre os pecadores e até como pecador entre os pecadores.
Esse – insistia Bonhoeffer – era o problema central da Cristologia. Onde o nosso intelecto se indigna e onde a nossa natureza se rebela, justamente lá estava Deus. Lá ele desorientava e escandalizava o intelecto dos sábios; lá ele queria estar presente, e ninguém podia lhe impedir disso.
Deus amava o que é pequeno e baixo; o que está perdido, o que não é considerado ou é insignificante, que é fraco e quebrado. Ele não se envergonha com a baixeza do homem: penetrava dentro dela, usava uma criatura como seu instrumento, a aferrava, e realizava maravilhas onde ninguém esperava.
Assim o mundo se transformava. Não existia nenhuma parte dele, por mais ímpia e perdida que fosse, que não havia sido acolhida por Deus em Jesus Cristo e que não havia se reconciliado com ele. Quem olhava com fé o corpo de Jesus Cristo não podia mais falar do mundo como tivesse sido perdido e separado de Cristo. Cristo havia morrido pelo mundo, e só dentro do mundo Cristo era Jesus.
Bonhoeffer nunca acreditou que existia um lugar onde o cristianismo poderia se refugiar, nem externamente, em alguma esfera ideal, nem interiormente, na intimidade do coração. Justamente ele, que pensava apenas no Cristo, viveu toda a vida nas baixezas do mundo, nas quais o nazismo se enfurecia. Ele nunca fugiu do real: a única vez em que fugiu – no verão de 1939, quando foi por um curto período de tempo para os Estados Unidos –, ele se apressou para voltar para a Alemanha, para o horror.
Ele sabia que, para ele, só existia um caminho: o que o levaria à forca, assim como o caminho de Cristo o levara à cruz. Mas nunca pensou que Deus o tinha abandonado. Por mais que fosse apaixonado e ardente, Bonhoeffer compreendeu que estava na mais profunda solidão: a solidão em que vive um homem com relação ao Deus vivo. Aqui ninguém podia ajudá-lo: ninguém podia levantá-lo de coisa alguma. Aqui Deus lhe impunha um peso que ele tinha que carregar sozinho.
Somente graças ao apelo de Deus ele se tornava "eu": isolado de qualquer outro, chamado por Deus a prestar contas, consciente de estar sozinho com relação à eternidade. Era a situação em que se revelava para ele o aspecto terrível do sagrado. Assim como no antigo Israel quem tocava a Arca da Aliança morria, porque dela emanavam forças às quais ninguém era capaz de reger, assim também, se ele se aproximasse demais da Palavra atual, ele estava destinado a perder a vida.
Mas dessa Palavra emanava um esplendor tão estupendamente silencioso que ele nunca conseguiu tirar os olhos dela. Muitos acreditavam que a Palavra divina brotava em nós de dentro: do mais profundo anseios, dos desejos e das esperanças mais recônditas do nosso íntimo coração. Na realidade, Bonhoeffer havia compreendido que a Palavra divina sobrevinha em nós, ou ao menos nele, de fora; era a Palavra desconhecida, inesperada, violenta, inquietante do Senhor, que chama ao seu serviço quem ele quer e quando quer.
Mas era, ao mesmo tempo, a Palavra assustadoramente conhecida e próxima, fascinante e sedutora, que expressa o amor do Senhor por nós. Bonhoeffer encontrou uma parte de si mesmo no livro do profeta Jeremias. Todos tinham tratado Jeremias como sonhador, obstinado, inoportuno, inimigo do povo, como foram tratados em todos os momentos aqueles que são conquistados por Deus. Quão de bom grado Jeremias teria calado as suas verdades muito amargas. Mas ele não podia fazê-lo; estava constrangido: como se alguém estivesse nos seus calcanhares e o levasse de uma verdade a outra, de um sofrimento a outro. Ele não era mais dono de si mesmo: não podia dispor de si mesmo; outro tinha se apossado dele e o tinha invadido.
Jeremias dissera: "Senhor, tu me seduziste, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte e prevaleceste". Bonhoeffer também sabia que era um aliado de Deus; essa aliança tornava a sua vida uma tragédia muito séria e muito grave, justamente porque se tratava de aliança com Deus.
Assim, as palavras de Bonhoeffer tornavam-se estranhas e inflexíveis, às vezes incompreensíveis do ponto de vista humano e psicológico. Come escreveu naquele Discipulado, Bonhoeffer escutava as palavras de Jesus, que lhe dizia: "Segue-me!". Não importava se quem ouvia essa palavra era Levi, o publicano, sentado no banco dos impostos: ou um fiel qualquer de Jesus que tinha que enterrar o pai, como mandava a Lei; ou o próprio Bonhoeffer, pastor da Igreja Confessante, na Alemanha nazista.
A palavra de Jesus tinha uma autoridade imediata: ela exigia obediência, aceitação incondicional, seguimento; e convidava a violar a Lei e qualquer mandamento divino e humano. Nada devia se entrepor entre Jesus e aquele que era chamado a segui-lo: nem mesmo o maior e mais sagrado motivo.
No Evangelho de Lucas, Jesus tinha dito: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, a mulher e os filhos, os irmãos e as irmãs, e até mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo". A demanda de Jesus fazia do seu discípulo um indivíduo: um homem sem pai, sem mãe, sem filhos, irmãos e irmãs, e até mesmo sem a si mesmo; e o jogava na mais absoluta solidão, precariedade e insegurança.
A demanda de Jesus era uma ruptura: entrepunha-se entre Bonhoeffer e o mundo, entre Bonhoeffer e todos os outros homens; violava todo amor e toda amizade. Qualquer vínculo entre ele e os outros tinha que passar pela mediação de Cristo, senão estava destinado ao fracasso, porque, exceto Cristo, não existe nenhum caminho que nos leve ao próximo. Assim, justamente por isso, as amizades de Bonhoeffer eram tão totais e apaixonadas: porque nasciam de uma frieza original e porque Cristo era o mediador escondido que as tornava possíveis e ardentes.
Um outro duplo sentimento tornava dramático o cristianismo de Bonhoeffer. Por um lado, ele pensava que, agora, no ano de 1933 ou no ano de 1939, era tarde demais. A Igreja de Cristo acabara; e todas as suas orações, as suas pregações e as suas ações não podiam fazer nada mais do que tornar menos pesada a despedida, criando alguma ilusão. Mas, por outro lado, o Novo Testamento aproximava a vida ao moribundo, e afirmava a identidade de morte e de vida da cruz de Cristo.
Por um lado, a Igreja era um pedaço do mundo: mundo perdido, ímpio, vão, posto sob a maldição, porque nele se abusava do nome de Deus. Mas, por outro lado, a Igreja era uma parte qualificada do mundo, porque, através da pessoa de Cristo, Deus entrava pessoalmente dentro dele.
* * *
O sínodo nacional luterano do dia 5 de setembro de 1933 foi dominado de modo preponderante pelos chamados "cristão-alemães": 80% dos delegados vestiam as camisas marrons. Dois meses depois, 20 mil "cristão-alemães" se reuniram no Sport-Palast de Berlim, em um grande salão decorado com bandeiras nazistas e faixas que diziam: "Um só Reich. Um só povo. Uma só Igreja".
O líder dos "cristão-alemães" de Berlim pediu que a Igreja Luterana se livrasse para sempre dos lúgubres restos do Antigo Testamento, "com a sua moralidade judaica feita de tostões, e as suas histórias de mercadores de vacas e de cafetões". Até mesmo Jesus tinha que corresponder "inteiramente às exigências do nacional-socialismo". O símbolo da cruz era "uma ridícula remanescência do judaísmo, inaceitável para os nacional-socialistas".
No ano seguinte, todos os grupos de jovens da Igreja Protestante tiveram que se fundir com a Juventude Hitlerista; e os novos pastores foram obrigados a jurar perante Deus que "seriam leais e obedientes ao Führer do povo do Estado alemão, Adolf Hitler". No Domingo da Reforma de 1932, Bonhoeffer tinha pregado, evocando uma passagem do Apocalipse: "Mas eu tenho isto contra ti: tu abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as obras de antes; se não, virei a ti e removerei o candeeiro do seu lugar, se não te arrependeres". A Igreja Protestante – disse Bonhoeffer – havia chegado à sua undécima hora: estava morrendo, se já não estava morta. Lutero também estava morto, e era "um sinal de inexcusável leveza e soberba" apropriar-se uma última vez das suas famosas palavras: "Aqui estou, não posso fazer de outra maneira".
No ano seguinte, ele insistiu: "Acredito que toda a cristandade deve rezar conosco para que venha a resistência até o sangue, e que se encontrem homens capazes de sustentá-la". Não houve resistência até o sangue. Os homens da Igreja Confessante, à qual haviam confluído os adversários de Hitler, não tinham nem clareza nem coragem intelectual; e até mesmo um grande teólogo como Karl Barth pensava que se podia discorrer e negociar com Hitler.
Só Bonhoeffer e poucos amigos sabiam que não havia a menor possibilidade de compromisso: estavam desesperadamente sozinhos; era preciso abandonar o corpo violento e podre da Igreja Luterana. "Nós – dizia Bonhoeffer –, com esse tipo de Igreja, não temos nada em comum, e, se assim for, devemos dizê-lo. Esperamos por muito tempo".
Com Hitler, o mal tinha tirado a máscara e tinha ocupado o centro do palco do mundo. Agora, a maldade absoluta do mal mostrava-se claramente e revelava o fracasso das tentativas de fazer as contas com ele. A única solução era realizar a vontade de Deus: radical, corajosa e alegremente.
Assim, Bonhoeffer aceitou todos os meios de luta, por mais que pudessem desagradar a sua consciência de pastor; e se empenhou nas duas tentativas de conspiração, a do Abwehr do almirante Canaris, e a reunida em torno do general Beck, que culminou no atentado de Klaus von Stauffenberg. Se lhe tivesse sido possível – disse – ele teria matado Hitler com as próprias mãos.
Antes da morte, a vida lhe ofereceu um último presente. No fim de 1942, conheceu Maria von Wedemeyer: uma jovem de 18 anos, que também pertencia à aristocracia luterana. Ele tinha 36 anos, mas não tinha renunciado à paixão. Quando pôde lhe escrever, lhe disse, "Posso falar simplesmente assim como eu sinto no coração? Eu entendo e estou subjugado pela consciência de que me aconteceu um presente sem igual. Depois de toda a confusão das últimas semanas, eu não ousaria mais esperá-lo, e agora esta coisa incrivelmente grande e alegre está aqui, e o coração se abre e se infla e transborda de gratidão e de vergonha, e não consegue ainda se dar conta deste 'sim' que decidirá toda a nossa vida".
Finalmente, em meio às ruínas da Alemanha, entre os mortos na Rússia, os bombardeios e os campos de concentração e os fuzilamentos, justamente agora, enquanto lhe parecia ter sido expulso da terra, Deus tinha lhe doado um espaço de felicidade sobre a terra. Maria era cheia de frescor, inteligente, sensível. Aguardava as cartas de Dietrich com uma felicidade extrema: esperava-as totalmente sozinha no seu quarto, onde cada livro lhe contava alguma coisa dele.
"Se alguma vez eu pudesse te descrever – dizia-lhe – que festa e que dia de alegria é para mim quando chega uma carta tua... É quase impensável que possa se tornar ainda maior. Talvez seja bom que a felicidade de ter-te se torne perceptível lentamente, senão eu não poderia suportá-la".
Bonhoeffer gostava muito da sua natureza. "Tu – dizia-lhe –, por sorte, não escreves livros, mas fazes, sentes, preenches com a vida real aquilo com o que eu só sonhei. Conhecer, querer, fazer, sentir e sofrer, em ti, não estão divididos, mas são uma grande unidade, e um é reforçado pelo outro. Tu não sabes disso, e isso é a melhor coisa: talvez eu não deveria nem te dizer isso".
No dia 15 de abril de 1943, Bonhoeffer, que há muito era espionado pela Gestapo, foi encarcerado na prisão militar de Tegel, perto de Berlim. A sua vida não mudou. Todas as manhãs, meditava meia hora sobre um versículo da Escritura; e recitava orações de intercessão pelos amigos, pelos pais, pelos parentes e pelos pastores da Igreja Confessante, que estavam nos campos de concentração, ou morriam no fronte oriental.
Em poucos meses, leu duas vezes e meia o Antigo Testamento. Era afável e gentil com os guardas, que lhe traziam os livros da biblioteca da prisão e lhe permitiam escrever para a namorada, para os pais e para os amigos, embora cada linha fosse controlada pelo juiz. Nos primeiros tempos, protegido por Canaris e pelo tio Paul von Hase, comandante militar de Berlim, não era considerado culpado; e recitava com acuidade a parte do pastor simples e idealista, que não se interessava por política.
Tudo lhe dava alegria: as visitas de Maria, as flores de outono, a leitura de Stifter, um olhar pela janela da cela, a meia hora de moto no pátio da prisão, entre as castanheiras e as tílias. Mesmo na prisão, ele continuava amando a realidade do universo, que era o lugar da Encarnação, e protegia a alegria com a paciência, e a alegria e a paciência com a esperança. "Um dia – escreveu –, não deveremos nos envergonhar das nossas esperanças, mas sim da nossa mesquinha e ansiosa falta de esperança, que se contenta com esta terra".
Esse período de "cárcere feliz" precipitou depois do atentado fracassado de Claus von Stauffenberg. No dia 8 de outubro de 1944, Bonhoeffer foi transferido secretamente para a prisão subterrânea da Gestapo em Berlim, em uma pequena cela sem janela: não havia mais os passeios no pátio entre as tílias, nem as visitas de Maria, nem a dos pais. Mas, nos últimos dias de dezembro, escreveu uma longa poesia, a "saudação natalina" para Maria, para os pais e os irmãos:
"Circundado fiel e tacitamente por poderes benignos, / maravilhosamente protegido e consolado, / quero neste dia viver com vocês / e com vocês entrar no novo ano; / do velho, querem ainda se lamentar os nossos corações, / ainda nos oprime o peso de dias ruins; / ó Senhor, dá às nossas almas amedrontadas / a salvação para a qual nos criaste. / E oferece Tu o pesado cálice / do sofrimento, repleto até a borda, / e assim nós o tomamos agradecidos, / sem tremer / das tuas boas e amadas mãos... / ... De poderes benignos maravilhosamente socorridos, / esperamos consolados todo evento futuro. / Deus está conosco à noite e pela manhã, / e muito certamente em todo novo dia".
Os poderes benignos não souberam ou não quiseram protegê-lo: talvez o seu sacrifício, como eu acredito que Bonhoeffer supunha, era necessário, embora não saibamos por qual razão. No dia 2 de fevereiro de 1945, ele foi condenado à morte; no dia 7 de fevereiro, depois de um bombardeio norte-americano muito pesado que destruiu a prisão da Gestapo, ele foi conduzido para o campo de concentração de Buchenwald, onde permaneceu por sete semanas.
Ele sempre tinha medo de não ser forte o suficiente para enfrentar tal prova, mas agora – tendo chegado ao extremo – compreendeu que na vida não há nada que devamos temer. Ele tinha saudades de casa, esperando e antecipando com a mente o momento de ser livrado da existência. "A morte – escrevera alguns anos antes – não é má, se nós mesmos não nos tornamos maus. A morte é a graça, o maior dom de graça que Deus concede às pessoas que acreditam n'Ele. A morte é mansa, a morte é doce e gentil...".
Junto com outros prisioneiros, no dia 3 de abril de 1945, Bonhoeffer foi trancado em um furgão que o levou, depois de uma longa, tortuosa e cansativa viagem no sul da Alemanha, para Flössenburg, onde chegou no dia 8 de abril, primeiro domingo depois da Páscoa.
Naquele dia, celebrou o culto. Entre os fiéis, havia um católico e um russo, neto de Molotov; ele leu uma passagem de Isaías e uma passagem da Primeira Carta de Pedro; e explicou-lhes, com a sua robusta voz harmoniosa, tocando os corações de todos. Não sabemos se ele dormiu na noite de domingo. Na madrugada do dia 9 de abril, foi enforcado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bonhoeffer, a guerra das duas cruzes. Artigo de Pietro Citati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU