12 Agosto 2013
Lampedusa pode ser vista realmente como a capital do novo modo de ser Igreja trazido por Francisco. O papa que veio do fim do mundo a levou ao centro da Terra.
A opinião é do jornalista e ex-deputado italiano Ettore Masina, em artigo publicado na revista Jesus, de agosto de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não há nada de mais tocante do que ver realizado um desejo próprio na vida comunitária da Igreja. Alguns dos 20 leitores desta coluna talvez se lembre que, há alguns meses, em conexão com uma "carta aberta" na qual a prefeita de Lampedusa gritava a sua dor pela indiferença de muitos perante o drama dos desembarques, escrevíamos: "Eu não conheço a prefeita Nicolini, muito menos sei se ela se define como cristã. Mas me comove a dureza da denúncia e, ao mesmo tempo, o calor dos afetos (ousaria dizer 'maternos') com os quais ela olha para a dignidade negada pelo massacre dos pobres. Eu realmente gostaria que alguns dos meus amigos sacerdotes lessem esse documento na sua inteireza em algumas assembleias. Não esqueçamos que, depois do Natal, vem a festa litúrgica dos Santos Inocentes: as crianças de Belém exterminadas por Herodes: 'Qui non loquendo sed moriendo confessi sunt; não testemunharam a sua fé com palavras, mas com a morte'".
Milhares e milhares de pequenos, de mulheres e de homens morreram nesses anos de silêncio do mar porque nós traímos a sua esperança na nossa ajuda. E justamente o Papa Francisco quis celebrar a liturgia dos Santos Inocentes na sua missa em Lampedusa, ao lado do assustador depósito dos destroços de tantos naufrágios.
Esse irmão mais velho está nos guiando a uma releitura do Evangelho, que sacode até as raízes a erva daninha de uma indiferença à dor dos povos e dos indivíduos, aquela "anestesia dos sentimentos" que muitos católicos ou que assim se dizem também compartilham.
Enquanto nos torna tão amável "a Igreja do sorriso e do abraço" que ele nos apresenta a cada dia, Francisco também nos chama, porém, a uma Igreja do compromisso e da responsabilidade, que tem pouco a ver com uma estrutura clerical em que os títulos, as vestes (e muitas vezes os interesses mundanos) parecem muito distantes do seguimento do Cristo.
Começou diante dos nossos olhos (mas também nas nossas consciências) uma "teologia do pequeno" que nos recorda os paradoxos do Evangelho (a marginalidade de Belém, o desprezo pela Galileia, o desamparo de Jesus, as traições de Pedro) e as suas duras exigências.
O Concílio Vaticano II fez ressoar a voz dos Padres da Igreja em cada um de nós: "Alimenta o que morre de fome, porque, se tu não o alimentas, és tu que o matas".
Acho que Lampedusa pode ser vista realmente como a capital desse novo modo de ser Igreja. A invasão dos refugiados bloqueou o destino que lhe era preparado pelos especuladores, o de se tornar uma máquina-para-turistas. Uma comunidade cristã exemplar soube se encarregar de um destino imprevisto (que naturalmente requer, e merece, generosa atenção). O papa que veio do fim do mundo a levou ao centro da Terra.
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A teologia de Francisco e os Santos Inocentes de Lampedusa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU