12 Agosto 2013
Por mais de três décadas, o Vaticano dos papas João Paulo II e Bento XVI operou em uma versão da máxima conservadora: "Sem inimigos para a direita". Enquanto os teólogos de esquerda eram silenciados e os bispos liberais a moderados eram postos de lado, os tradicionalistas litúrgicos e os conservadores culturais eram diligentemente cortejados e recebiam acesso direto ao palácio apostólico.
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio Religion News Service, 08-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas, em poucos meses, o Papa Francisco inverteu essa dinâmica, perturbando muitos na direita católica ao se recusar a manter os favoritismos e ignorando os itens preferidos da sua agenda, enquanto ele ressaltava o tipo de questões de justiça social que são próximas e caras dos progressistas.
"Eu, pessoalmente, achei muitos aspectos desse papado chatos e lutei contra esse sentimento desde o início. Mas eu dificilmente estou sozinho nessa", escreveu Jeffrey Tucker, editor do blog New Liturgical Movement, enquanto Francisco se expunha ao brilho da cobertura da mídia na sua recente viagem ao Brasil.
"Todos os dias e em todos os sentidos somos informados de quão glorioso é o fato de que os maus velhos tempos se foram, e os novos bons dias chegaram", escreveu.
Tucker e outros tradicionalistas que se dedicam a rituais da alta Igreja têm ficado especialmente irritados com o estilo simples – eles diriam simplista – de Francisco desde o momento em que o ex-cardeal Jorge Bergoglio foi apresentado ao mundo como o novo papa, em março.
"Como eu posso amar um papa que nem quer ser papa?", escreveu Katrina Fernandez, blogueira conservadora, em uma coluna sobre a sua decepção.
Desde a eleição de Francisco, a ansiedade na direita só tem aumentado, enquanto ele continua modelando um pontificado radicalmente diferente: pregando sobre os males da economia globalizada, enquanto lembra repetidamente os seus seguidores a cuidar dos pobres e marginalizados.
De fato, ele quase não mencionou o aborto diretamente, ou mesmo os direitos dos homossexuais, até ser questionado sobre os padres gays durante uma coletiva de imprensa improvisada no voo de volta do Brasil e, em uma frase ouvida em todo o mundo, ele disse: "Quem sou eu para julgar?".
Os católicos da "ala direita da Igreja", disse o arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, na véspera da viagem o Brasil, "não ficaram muito felizes com a eleição [de Francisco]". Chaput, um franco conservador na hierarquia dos EUA, disse ao National Catholic Reporter que Francisco "terá que cuidar deles também, por isso será interessante ver como tudo isso vai funcionar no longo prazo".
Na realidade, os riscos de Francisco decepcionar os católicos conservadores são altos, dada a presença desproporcional deles nos bancos e nos altos escalões da Igreja.
"Eles sustentaram lealmente a Igreja com doações e ativismo, e pode-se esperar que eles se oponham a qualquer mudança na direção que Francisco tem sinalizado", escreveu Michael D'Antonio, autor de um livro sobre os escândalos de abuso do clero, em um artigo para a revista Foreign Policy que perguntava: "Francisco é muito radical para o seu rebanho?".
"Mas esse grupo não pode sustentar a Igreja no longo prazo", disse D'Antonio, "e a Igreja precisa agora de uma figura capaz de preencher a lacuna entre o seu movimento para a direita e a realidade de que os ocidentais estão deixando a Igreja aos bandos. Esse problema requer um papa astuto, com a habilidade e o carisma para desfazer o ato de equilíbrio nas alturas de unificar esses dois impulsos discrepantes".
Nem todo mundo na direita, no entanto, está disposto a admitir que a sua influência possa estar em declínio, ou mesmo que Francisco seja realmente muito diferente de Bento XVI.
Ao contrário, muitos estão apresentando argumentos detalhados que, segundo eles, mostram que Francisco realmente não quer dizer o que a mídia e o público acham que ele quer dizer, acrescentando que a lua de mel do papa vai receber um banho de água fria quando os liberais verem que Francisco é tão ortodoxo quanto os seus antecessores.
Alguns chegam a pensar, como explicou a escritora Elizabeth Scalia na revista conservadora First Things, que Francisco pode estar manipulando os jornalistas a fim de insinuar a doutrina católica tradicional nas reportagens da imprensa dominante.
"Ao contrário do Papa Bento XVI, que já era desprezado pela imprensa quando ele era o cardeal [Joseph] Ratzinger, Francisco é a entidade surpreendente e não muito conhecida com quem a imprensa ainda não está familiarizada e, portanto, só está marginalmente preparada para combater", disse Scalia, que comparou as táticas do papa às do antigo manual militar chinês A Arte da Guerra.
Outros, como o repórter Raymond Arroyo, do canal católico EWTN, em artigo no sítio National Catholic Register, estão reciclando uma narrativa dos últimos dias do conturbado pontificado de Bento XVI e apontando o dedo da culpa para assessores de Francisco, dizendo que, "por mais que distanciem o pontífice do seu povo, os manipuladores podem proteger o papa desse tipo de má interpretação".
Mas outros católicos conservadores dizem que tudo isso parece mais desculpas do que explicações. Os sinais estão aí, dizem eles – o que pode não ser algo tão ruim para uma direita católica tão acostumada a um tratamento preferencial que muitas vezes identificou o papa com a própria Igreja.
"Na medida em que os católicos conservadores nos Estados Unidos encontram-se ativamente em desacordo com as ênfases do Papa Francisco (…), isso pode ajudar a curá-los/nos da recorrente tentação católica à papolatria", escreveu o colunista do jornal New York Times Ross Douthat.
"O ofício papal foi ocupado por muitos mais incompetentes do que gênios", concluiu ele, "e há uma razão pela qual tão poucos ocupantes da cátedra de Pedro aparecem na ladainha dos santos".
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Papa Francisco está perturbando – e dividindo – a direita católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU