22 Março 2013
Autor de vários livros aclamados sobre a ordem jesuíta, o padre James Martin é o garoto propaganda do mundo jesuíta. Com a mais alta posição na Igreja Católica sendo agora detida por um jesuíta, ele dá alguns conselhos de especialista para entender o nosso papa.
A reportagem é de Abby Haglage, publicada no sítio The Daily Beast, 14-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Louvado seja o Senhor!", foi o texto que eu recebi do meu pai, formado pelos jesuítas, no dia que Jorge Mario Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, foi eleito como o primeiro papa jesuíta da história. A genuína felicidade do meu pai, ecoada pelos jesuítas em todo o mundo, foi superada, dois dias depois, quando eu telefonei para avisá-lo que eu iria falar com o autor, padre e editor de cultura da revista America, o padre James Martin.
"Que legal!", exclamou ele. A reação de meu pai, nascido em Ohio e de família católica, diz tudo: o padre Martin talvez seja a coisa mais próxima de uma celebridade que a ordem jesuíta jamais conheceu. Afinal, ele é o capelão oficial da Colbert Nation [programa de entrevistas humorístico da TV norte-americana]. Martin falou comigo sobre Francisco, o futuro da Igreja Católica e o orgulho interno da ordem.
Eis a entrevista.
Qual foi a sua reação inicial à notícia de que um jesuíta havia sido escolhido como o novo papa?
Fiquei espantado e mudo, o que não é típico para os jesuítas. Eu mal podia esperar para chegar em casa e encontrar a minha comunidade e celebrar com eles.
Você tem mais de 20 mil "curtidas" na sua página do Facebook, o que possivelmente o torna o jesuíta mais popular dos EUA. Será que o Papa Francisco irá roubar o seu holofote?
[Risos]. Não, eu não diria isso. Eu não acho que eu sou o mais popular. Embora tenha havido algumas reivindicações desse título para mim antes, ele definitivamente se afastou de mim. Eu posso ser apenas um dos jesuítas mais conhecidos lá fora, eu acho.
Qual é o ambiente na comunidade jesuíta agora?
É uma celebração mundial. A nossa comunidade não conseguia parar de falar sobre isso. Ontem à noite, tivemos uma reunião da comunidade já agendada que devia se focar em um assunto menos empolgante, mas logo ela se transformou em uma sessão de partilha sobre a nossa alegria sobre o novo papa.
Você poderia explicar em termos simples o fundamento da espiritualidade jesuíta?
Ajudar as pessoas a encontrar a Deus em todas as coisas. É uma espiritualidade da liberdade. Tentar libertar a si mesmo de qualquer coisa que fique no meio do caminho entre você e Deus e a outra pessoa. É uma espiritualidade profundamente conectada a Jesus.
O que separa os padres jesuítas dos outros padres católicos?
Em geral, existem dois tipos de padres. Os padres diocesanos são os mais familiares aos católicos. Eles são os padres que entram nos seminários e passam a maior parte das suas vidas trabalhando em paróquias. Alguns se tornam bispos e arcebispos e, finalmente, cardeais. Estes são os que passam a maior parte do seu tempo nas paróquias, celebrando missas, presidindo casamentos e batizados etc.
Por outro lado, há os padres de ordens religiosas, pessoas como os franciscanos, os dominicanos, os beneditinos, os trapistas e os jesuítas. Todos esses indivíduos fazem votos de pobreza, de castidade e de obediência, e vivem juntos em comunidade. No entanto, eles não estão tão focados na vida paroquial. Então, você pode ver agora por que é tão surpreendente que o Colégio dos Cardeais tenha escolhido um membro de uma ordem religiosa. O novo papa vem de um grupo que é visto como algo diferente do clero diocesano normal – com o qual os cardeais se sentiriam mais familiares. Este é um homem que viveu em seu próprio apartamento, usava o transporte público e cozinhava para si mesmo em Buenos Aires. Portanto, este é um homem que abraça o estilo de vida simples ao qual os jesuítas sempre foram chamados.
Os jesuítas não foram expulsos da Igreja Católica em um certo momento?
Bem, nós fomos "suprimidos", como se diz, em 1773 pelo papa.
O que torna essa decisão um pouco irônica. Estou certa?
[Risos] É extremamente irônico! A outra ironia – muitas pessoas não sabem disto – é que, no fim da sua formação jesuítica, você repete seus votos de pobreza, castidade e obediência. Você também faz uma promessa especial de nunca "lutar ou ambicionar" por um alto cargo nos jesuítas ou na Igreja. Você também faz uma promessa de denunciar qualquer pessoa que você vê que está ansiando por um alto cargo. A razão disso é que Santo Inácio ficou horrorizado com a escalada clerical no seu tempo e queria se assegurar de que os jesuítas não seriam "escaladores" e não participariam desse mundo. A ironia, então, é que você tem agora alguém que não lutou por isso, mas que agora está no mais alto cargo da Igreja.
O quanto você acha que o histórico jesuíta do Papa Francisco irá influenciar no seu mandato?
O seu histórico jesuíta e a sua espiritualidade jesuíta devem ser extremamente influentes. Ele esteve nos jesuítas na maior parte da sua vida adulta. Ele também foi, mas as pessoas esquecem, o provincial jesuíta da Argentina, ou seja, ele era o superior regional dos jesuítas. Então, ele é alguém que não só passou pelo longo e exigente processo de formação jesuíta, mas também escolhido pelo superior geral dos jesuítas para gerir aquela região, de modo que ele tinha a responsabilidade de nomear jesuítas para os seus diversos ministérios. Ele está completamente mergulhado na espiritualidade jesuíta, e eu não posso imaginar que isso não irá influenciá-lo.
A opinião dele sobre o casamento gay e o aborto se alinham com a ordem jesuíta como um todo?
Dado que os cardeais escolheram alguém como novo papa dentre o grupo de pessoas nomeadas pelo Papa Bento XVI e pelo Papa João Paulo II, era quase impossível que o novo papa fosse alguém que discordasse do ensino da Igreja sobre essas questões. O Papa Francisco vai nessa linha, e você não verá qualquer desvio do ensino da Igreja acerca disso.
Sendo o informante jesuíta que você parece ser, qual é a sua previsão para o tipo de papa que ele será?
Bem, eu acho que os primeiros poucos minutos do seu papado são muito reveladores. A primeira coisa que ele fez foi escolher o nome Francisco, alguém que está associado não só com a pobreza e a simplicidade, mas também com a humildade. A segunda coisa que ele fez é que ele não saiu vestido com todas as suas insígnias papais, mas sim com uma simples batina branca. Se você percebeu, ele tirou a sua estola depois de ter abençoado a multidão, só colocando o símbolo da autoridade sacerdotal quando ele deu a bênção. E ele começou a falar curvando-se diante da multidão e pedindo as suas orações. Então, eu acho que o tom já é de humildade e de gentileza.
Você pode falar um pouco mais sobre o voto de pobreza que todos os jesuítas fazem?
Santo Inácio dizia que a pobreza deve ser amada "como uma mãe". Somos encorajados a viver da forma mais simples que pudermos. Nós não possuímos nada em comum. Dirigimos tudo o que ganhamos para a comunidade. Todos os direitos dos meus livros vão para os jesuítas. Nós também somos encorajados a imitar o próprio Cristo, trabalhando com os pobres e alinhando-nos com os pobres. Somos pobres a fim de nos libertar do desejo das posses. Somos pobres a fim de imitar Jesus, que foi pobre na terra. E para nos alinharmos com aqueles que são marginalizados e pobres hoje.
Você acha que esse voto levará o Papa Francisco a servir de forma diferente como papa do que os outros que vieram antes dele?
Sim. Este é um homem que viveu no seu próprio apartamento, andava de transporte público e cozinhava para si próprio em Buenos Aires. Portanto, este é um homem que abraça o estilo de vida simples ao qual os jesuítas sempre foram chamados, mesmo quando ele era arcebispo de Buenos Aires. Então, claramente, a formação jesuíta e a espiritualidade jesuíta influenciaram-no profundamente.
O que estava acontecendo na "cidade jesuíta" no dia em que Francisco foi eleito? Alguma coisa grande?
Nada de muito especial, até que vimos a fumaça branca. A maioria de nós estava ensinando nas salas de aula, administrando escolas e trabalhando na revista enquanto tudo isso estava acontecendo. Eles obviamente tomaram o seu tempo para assistir, mas isso aconteceu no meio do dia de trabalho dos jesuítas, o que eu acho que Santo Inácio teria aprovado.
Se há alguma coisa que você gostaria que as pessoas soubessem sobre os jesuítas, o que seria?
Há um estereótipo de que os jesuítas foram ou fundados para participar da Contrarreforma para se opor aos protestantes, ou de que eles foram fundados exclusivamente como uma ordem religiosa que administrava universidades ou faculdades, ou de que somos todos intelectuais que têm cinco doutorados cada. Mas os documentos fundadores originais dos jesuítas falam de algo muito mais simples. O objetivo dos jesuítas é "ajudar as almas". Isso significa que o tipo de ministérios que nós assumimos são flexíveis, dependendo das necessidades da sociedade. Nessa recente nomeação, Jorge Mario Bergoglio irá ajudar muitas almas. Então, eu acho que é algo que deixaria Santo Inácio de Loyola muito feliz.
Você é amplamente reconhecido como a voz de liderança da comunidade jesuíta. Qual dos seus muitos livros você considera como a sua magnum opus?
Bem, eu acho que o livro que seria mais útil para as pessoas entenderem o novo papa e os jesuítas como um todo seria A sabedoria dos jesuítas para (quase) tudo (Ed. Sextante, 2012). Na minha recente tentativa de ser inovador, eu criei um "e-retiro" que permite que você vá para um retiro jesuíta por meio de um tablet.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Francisco abraça o estilo de vida simples dos jesuítas''. Entrevista com James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU