24 Novembro 2014
"Existem mulheres que falam na Igreja atual: a voz que nasce do “sofrimento divino” ou – que em tese é o mesmo – do sofrimento da dor humana, não ficam sem ser ouvidas. Algumas dizem obviedades, convictas de que sejam asseguradoras, em uma época tão ameaçada pelo desorientamento; ou para agradar e manter uma atitude que seja protetiva. Outras se tornam empreendedoras de novas fórmulas vencedoras de comunicação, que golpeiam, mas permanecem no “já dito”. Outras intuem o desenvolvimento atual, e silenciosamente buscam novas narrações do humano a partir das raízes, da origem; criam laços recheados de sentimentos, tecem uma rede que reavive a comunicação, nova porque arraigada nas palavras antigas das quais o Evangelho surgiu. Para entender a voz dessas mulheres que buscam na noite de uma época cansada e complexa os presságios da aurora, é necessário ter ouvidos, que nem sempre no âmbito eclesiástico são capazes de oferecer ou de promover". Fala com uma franqueza desarmadora a madre Ignazia Angelini, abadessa do Mosteiro Beneditino de Viboldone.
A entrevista é de Laura Badracchi com Maria Ignazia Angelini, publicada por Avvenire de 17-11-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis a entrevista.
Entre as santas, quais te parecem falar à mulher de hoje?
Tenho a nítida impressão que as mulheres da nossa geração contemporânea tem necessidade de reencontrar o diálogo direto com as santas dos séculos passados, além do véu da interpretação transposta, ao masculino, que – filtrando a própria força e delimitando-a a categorias pré-fixadas e conhecidas – reduziu a ressonância inovadora e a força vital à um símbolo de uma cultura em declínio, mesmo antes de ser compreendida. Penso na atualidade de Lídia, mulher simples, que incisivamente marca presença ao lado de Paulo na origem da evangelização na Europa; as primeiras mártires Perpétua e Felicidade; a Sinclética, eloquente na sua fraqueza; a Macrina, e por fim o humor de Escolástica – a mulher símbolo que “mais pode porque mais amou”. Penso em Clara, Hildegarda, Gertrudes, Catarina, mas também em Annalena Tonelli, Madeleine Delbrel, Simone Weil.
A mulher anônima iraquiana exposta pela sua fé. Pessoas em que a voz é um simples murmúrio, a partir das margens, mescladas à humanidade comum, onde a fertilidade está ligada a sensibilidade do ouvido, a atenção do coração capaz de habitar os lugares mais perigosos, encontrando neles o brilho dos tempos irrevogavelmente novos, embebidos pelo Evangelho mas necessitados de ajuda para liberar a graça a eles concedida.
Nenhuma mulher marcada pela busca de Deus está sem voz. É preciso porém considerar que, de muitas, a voz é filtrada por intérpretes masculinos que facilmente sobrepõem as próprias ideias e assim manipulam a empatia original. As mulheres sabem assumir nos fragmentos o símbolo do universo, e isso torna rico mas vulnerável o som das suas vozes. Todas as mulheres precisam redescobrir a voz viva.
Em sua opinião, a vida monástica feminina perdeu elementos preciosos? E de quais elementos se enriqueceu?
A vida monástica declinada ao feminino nasceu à sombra daquela masculina e por muito tempo foi universalmente mantida de forma que ficasse ali, protegida por regras. Nessa marcha forçada perdeu muitas boas energias. Mas a sua força e riqueza está acima de tudo no silêncio que escuta: talvez perdeu aquele silencio que é ouvido pela Palavra. Mas onde foi confiado este silêncio fecundo, a vida monástica feminina surgiu pelo simples fato de inovar, ignorando sutilmente – e com uma veia humorística se penso no riso de Santa Escolástica, à liberdade de Hildegarda – cada dominação através de uma afeição pura e intensa.
Os ministérios exercidos pelas irmãs religiosas na Igreja são muitos: a capacidade de interceder, de narrar histórias ricas de sentido de interesse de união, de cuidar e curar, de confiar cada traço de vida, de intuir através da empatia harmonias escondidas e tenazes, permitiu a elas expressar uma palavra, por vezes decisiva, na história da Igreja e da humanidade. Hoje me parece que as religiosas se cansam de fazer ouvir a própria voz, um pouco sufocada pelos estereótipos; talvez devam, juntas, reencontrá-la: antes de tudo voz de gratidão e de perguntas fecundas, fora de toda idealização pré-fixada e simplesmente expondo-se à potência do Evangelho.
Entender novamente que mulheres em oração é um grande desafio. A chamada clausura é – para fazer um exemplo muito bonito pra mim – uma linguagem que por si só fala do Evangelho a quantos vivem em reclusão. A unificação do coração (elaborada através da luta dos bravos pensamentos, luta aos objetos de auto espelhamento, ao único Evangelho), dinamismo próprio da vida monástica, hoje requer com urgência que seja reproposto como empatia, consciente exposição ao diálogo dentro da cultura da fragmentação, da complexidade, da precariedade. Assim compreendo o chamado insistente do Papa Francisco – também e de modo peremptório às freiras – a se entender como "mulheres de saída"....
O que as enclausuradas vivenciam de uma sociedade convulsiva e hiper tecnológica?
Objetivamente, pensando na nossa história na igreja local digo: o monastério às portas da grande cidade anuncia que existe outro limiar a ser cruzado. Sair do mundano, mesmo aquele espiritual. Entrar na casa de Deus, casa de oração, casa simplesmente hospitaleira a todos, casa onde o recinto (“clausura”) tem o simples significado de delinear uma porta através da qual humildemente entram e nos encontram. Nos reconhecem sempre amavelmente.
O que buscam os que batem à sua porta?
Alguém que os escute. Atenção. Coração. Fôlego. Clareza de uma palavra evangélica “próxima”, confirmada pela transparência da vida fraterna. Por vezes procuram exceções, relações de elite, experiências estéticas, os votos como condição para a procura de si próprio, produtos gastronômicos ou para o corpo: mas erram de endereço.
Quais sinais da presença de Deus (do véu ao hábito) indicam o sentido da vossa escolha?
Nenhum sinal externo por si só é inequívoco e fala sem um corpo vivo, uma imagem que é interpretada: somente se confirmado pela imagem límpida do coração verdadeiramente pertencente a Deus, e da fraternidade sóbria que circula entre nós. Talvez, fala o lugar que habitamos de forma estável, embebido pela oração por gerações e pela simples beleza de uma arte pobre.
Que fascínio vossa vida exerce sobre os que querem entrar para o mosteiro?
A atração da casa de oração para todos os povos. A atração de uma casa como todas, trabalhosa e hospitaleira, edificada como fraternidade baseada em ouvir as Escrituras, laboratório de narrações de salvação sempre procuradas a partir da realidade, da crise, dos conflitos. Ilusório é o fascínio de mulheres veladas, que se escondem para não chamar atenção. O fascínio de uma paz imaginária, isenta da luta contra as paixões.
“No silêncio recebido como um dom, a palavra se transforma num olhar”: é preciso redescobri-lo?
"A Ti o silêncio é louvor": assim inicia o salmo 65. Este pequeno verso capturou, subjugou e educou gerações de freiras e freis. Introduzindo-os, como um limiar bento, à percepção de fé do mistério: o que é estar diante de Deus revelado em Jesus, o Verbo feito carne até o silêncio final, o esvaziamento de cada um na morte, pressionado por aquele amor “até o fim” que o constitui Filho. Silêncio como experiência de fé é tudo aquilo que silencia o medo, a preguiça, a hipocrisia, a astúcia ou a estupidez. É como quando se encontra o olhar de quem sofre, do inocente condenado, de uma criança que sorri. A face da aurora, ou o entardecer: o espaço do consenso incondicional ao chegar a graça, exceto que a cada parte marca-se o limite das nossas capacidades empreendedoras e abre o espaço da obediência. Todo o bem da vida requer antes de tudo silêncio.
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As mulheres que buscam novas narrações na igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU