03 Novembro 2014
Não considero como um problema o fato de que hoje as relações são muitas vezes pouco cuidadas e de que as separações ocorrem rapidamente demais. Muitas vezes, a partir de uma grave crise, pode realmente nascer um novo caminho, emocionante, que pode levar a uma maturidade nova.
A opinião é do psicoterapeuta alemão Franz Schmatz, em artigo publicado na revista JA – Die neue Kirchenzeitung, n. 44, 02-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É interessante o modo pelo qual atualmente os expoentes da Igreja tomam posição em relação ao problema dos divorciados em segunda união. Desde que, devido à atitude do Papa Francisco, se percebe um tom diferente e também uma abordagem diferente a esses temas, muitos expoentes da Igreja promoveram uma virada estratégica. Isso traz à tona elementos que merecem uma reflexão oportuna.
De fato, de repente, fala-se de misericórdia, mas sempre dando forte ênfase à convicção de que as pessoas que se divorciaram e que voltaram a se casar, todas experimentaram um "fracasso". E justamente porque "fracassaram", deve-se ter em relação a elas muita compreensão e misericórdia.
Em primeiro lugar, essas pessoas simplesmente foram excluídas, sem qualquer misericórdia, dos sacramentos (e de muito mais), enquanto agora os "pobres fracassados" devem ao menos ser tratados com benevolência.
Mas quem dá o direito de definir como "fracassadas" as pessoas que viveram uma separação, ainda mais sendo assim definidas de maneira generalizada e sem qualquer diferenciação?
É chocante com que desconsideração e ignorância da situação individual e específica as pessoas são definidas como "fracassadas". Nunca se reflete sobre como essa correlação com o fracasso é vivida como humilhante, ofensiva, insultante e injusta?
O fato de pôr fim, de maneira digna, e depois de uma madura reflexão a uma relação não mais viável nem reconstruível responsavelmente pode ser eticamente mais apreciável do que o fato de levá-la adiante apenas exteriormente, de maneira hipócrita. Com base em muitas experiências de acompanhamento psicoterapêutico e pastoral de casais em situação de crise, defendo que absolutamente nenhuma separação deve ser considerada como um fracasso.
Em muitas situações, pode ocorrer que, ao longo dos anos, ou mesmo das décadas, duas pessoas vivam o seu desenvolvimento pessoal único e específico, de modo que a atenção e o respeito recíproco pela sua dignidade exigem uma separação, para que ambos, com base na sua unicidade, possam continuar o caminho das suas vidas rumo a uma plena maturação e desenvolvimento.
Não considero como um problema o fato de que hoje as relações são muitas vezes pouco cuidadas e as separações ocorrem rapidamente demais. Muitas vezes, a partir de uma grave crise, pode realmente nascer um novo caminho, emocionante, que pode levar a uma maturidade nova.
Mas isso não deve nos induzir a definir de maneira generalizante toda separação e o novo começo seguinte como um fracasso. Fazer isso não é expressão de misericórdia, mas uma forma de crueldade. Por isso, tentemos ser mais atentos, evitando tal correlação com o fracasso!
Tudo isso, naturalmente, vale não apenas para as pessoas que, depois da separação, se casam novamente, mas também, por exemplo, para os padres que admitem publicamente a sua relação vivida até aquele momento de modo "secreto", ou que devem abandonar o seu cargo porque querem viver no futuro a sua vocação em uma relação de casal.
Naturalmente, isso também vale para as pessoas que vivem o seu amor em uma relação homossexual. Também estas pessoas que amam não precisam que lhes seja concedida uma tolerância benévola, mas precisam de uma atenção, de um acompanhamento que os valorize.
Agora que o bispo de Roma, Francisco, escancara tantas portas e que, finalmente, abrem-se efetivos "espaços de liberdade", seria bom também que os expoentes da Igreja mais responsáveis analisem criticamente atitudes, avaliações e correlações até agora difundidas e assumam também, finalmente, noções de psicologia, neurologia, neurobiologia ou mesmo de psiconeuroimunologia, e as insiram nas argumentações éticas.
De fato, a nossa Igreja corre o perigo de repetir com a psicologia, a neurologia etc. o catastrófico erro cometido séculos atrás com as ciências naturais.
Nota-se isso também nas notáveis repercussões em relação à discriminação da mulher na Igreja. Manter as mulheres tranquilas, concedendo-lhes algumas "posições de liderança" e, ao mesmo tempo, negar o acesso a cargos eclesiais e ao sacramento da ordem, para as mulheres, é algo que, a longo prazo, não está bem.
Sobretudo as jovens não podem e não querem aceitar que lhes seja impedido o caminho para a sua vocação também ao sacramento da ordem só porque Jesus era homem ou porque, por causa da cultura do tempo, ele ainda não tinha aberto esse caminho.
Acho realmente deplorável que a nossa Igreja, sobre muitos temas (veja-se o ponto de vista feminino, a igual dignidade de homem e mulher, a moral sexual, o projeto da paternidade e maternidade responsáveis, o reconhecimento das coabitações homossexuais, a consideração de conhecimentos já estabelecidos em campos, por exemplo, como o da psicologia...), sempre reaja apenas quando a pressão da sociedade é tão forte que ela não pode mais se fechar à renovação. E, mesmo assim, os passos para a transformação são dados de maneira muito titubeante e relutante.
Chegou a hora, há muito tempo, de não se ficar continuamente fixados no pecado, na culpa, no fracasso e m tudo o que é ameaçador, mas de se ter confiança na pessoa com a sua capacidade específica de buscar e de lutar. Assim, os medos podem ser visualizados, mudanças e novos começos podem ser ousados, e até do fracasso podem-se obter coisas muito positivas.
Precisamos urgentemente de uma espiritualidade e de uma ética cristã voltadas ao positivo e ao cuidado!
E quem, então, deve ter a coragem de mudar, de "abrir mão", de tentar, de arriscar e até mesmo – às vezes – de um possível fracasso, se não aqueles que se sentem protegidos no amor de Deus e enraizados na confiança profunda em Deus?
Se realmente unirmos o hoje com essa confiança básica, original, não deverá ser difícil abandonar sistemas e estruturas bloqueadas. Quem hoje crê e vive remetendo-se às origens não precisa, por medo e insegurança, se agarrar com ambas as mãos ao que está bloqueado. Ao contrário, tem as mãos e, especialmente, o coração livres, para poder novamente abraçar com amor.
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Nem toda separação é um ''fracasso'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU