Por: Cesar Sanson | 29 Setembro 2014
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão (nordeste do Brasil), ganhou destaque no início deste ano quando imagens gravadas pelos próprios presos foram divulgadas. Elas mostravam uma série de corpos decapitados, estirados em um pátio, enquanto os detentos se divertiam. Neste mês, 49 detentos fugiram do local. E 17 morreram lá dentro, sob custódia do Estado - no ano passado, foram 60.
A reportagem é de Talita Bedinelli e publicada por El País, 28-09-2014.
Um funcionário do complexo há mais de 15 anos, que não será identificado por razões de segurança, contou como é a rotina da unidade.
Eis o depoimento.
Lá dentro tudo é dividido por facções. Existem duas maiores que dominam. O Bonde dos 40 e o Primeiro Comando Maranhense (PCM). Agora está ganhando força uma terceira, a Bonde dos 300. Tem também o Anjos da Morte, que são altamente violentos e prestam serviço para os dois lados. Eles funcionam como uma espécie de carrascos, contratados pelas facções para matar.
As facções arrecadam dinheiro com os presos. Quando o preso entra e não tem facção, ele tem que dar o nome, endereço da família, pagar todo mês uma cota que varia de acordo com o padrão de vida. Esse preso acaba virando escravo, tem que lavar roupa, o xadrez, esconde a arma, passa a droga... Quando faz muito calor, ele tem que ficar abanando o chefe durante a noite com um papelão na hora de dormir.
Se alguém usa droga dentro da cadeia e fica devendo, paga com a vida. Eles ligam desesperados para a família trazer dinheiro, mas tem família que não tem. Na cadeia se usa muita droga, de tudo, maconha, cocaína, crack... Pedrinhas se tornou uma boca de fumo gigante. Os traficantes ganham mais dinheiro lá do que fora porque fora tem a polícia que persegue e lá dentro é tudo livre. Eles arrumam tudo pelo celular, que é uma desgraça lá dentro. A cada revista que é feita se pega uma loja inteira de telefonia celular (risos)... É de tudo quanto é marca, tamanho, tipo... Eles até filmam as atrocidades que cometem lá dentro e divulgam.
Também entra arma. Há casos de presos que trocam tiros lá dentro. No começo do ano, soldados da Força Nacional que faziam uma revista foram recebidos por tiros. Entra até dinamite. Por várias vezes eles tentaram fugir dinamitando o muro. Eles também aproveitam a estrutura precária da prisão, feita de prédios antigos, cheios de vazamento, esgoto, as paredes caindo aos pedaços, para fabricar as próprias armas. Fazem faca, barras de ferro, até garrucha com pólvora que entra.
Os agentes penitenciários vão trabalhar porque precisam. Tenho muitos colegas que todo dia, antes de sair de casa, já se despedem da família, como se fossem morrer. Nenhum sai de casa à noite... É complicado no escuro, todo mundo tem medo de morrer por causa das ameaças que sofrem lá dentro. Tem muitos que se aposentam por invalidez, tem gente que acaba ficando louco, maluco... Em 2011, aconteceu em Pedrinhas uma das rebeliões mais sangrentas do país. Um colega foi baleado e nunca mais andou, dezoito pessoas morreram, incluindo nove presos que foram degolados –eles cortam as cabeças dos inimigos para demonstrar força. Também teve a história do agente penitenciário que foi levar um preso para uma audiência com o juiz. Dentro do Fórum, o preso tomou a arma dele e começou a atirar. Houve troca de tiros em pleno Fórum! Comigo, graças a Deus, nunca aconteceu nada...
A verdade é que se o Estado cumprisse a Lei de Execução Penal essas mazelas não existiriam. Os presos não fazem nada. A vida deles é dormir, usar droga e comer. Nada mais. As celas são super lotadas, muitas não têm mais portões e os presos ficam soltos pelos corredores. Há uma falta de água crônica. Eles têm muitas doenças... doença de pele, hanseníase, tuberculose. É tudo muito sujo, cheio de ratos, baratas. O maior torturador hoje é o próprio Estado. Mas a ausência do Estado causa a proliferação da violência.
Foto: Foto de cedida pelo sindicato dos servidores penitenciários do Maranhão.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A vida deles dentro do presídio é dormir, usar droga e comer” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU