Por: Caroline | 22 Setembro 2014
A notícia de que o Papa Francisco convidou o presidente chinês Xi Jinping para um encontro no Vaticano para falar sobre “a paz no mundo” em uma comunidade internacional “multipolar” já está presente em diversos sítios chineses católicos. Entre os fiéis da Igreja oficial e não oficial há muita confiança neste convite. Um padre do norte da China escreveu a AsiaNews: “É uma coisa boa para o bem de todo o mundo. O Papa, que é um personagem importante no cenário mundial, convida nosso presidente, reconhecendo que ele também é um personagem importante e também próximo para construir a paz no mundo. O Papa Francisco tem confiança no presidente chinês e sobre a influência que a China pode ter sobre a paz no mundo”.
A reportagem é de Bernardo Cervellera, publicada por AsiaNews, 18-09-2014. A tradução é do Cepat.
A confiança é freada pela cautela. Antes de qualquer coisa, é necessário esperar a resposta de Xi Jinping e “não sabemos se esta será rápida ou se necessitará de muito tempo”. Em segundo lugar, o encontro entre o pontífice e Xi Jinping sobre a paz não tratará sobre as situações difíceis da Igreja na China: a falta de liberdade religiosa, os bispos presos ou colocados em isolamento, a campanha de destruição das igrejas em Zheijiang e em outros lugares. Contudo isto é compreensível: Por agora – afirma o padre – é importante mostrar confiança na relação com Xi Jinping. Os problemas da Igreja são um segundo passo, que virão depois”.
O que aconteceu?
Nestes dias, com exceção dos meios estatais da China popular, nos meios de comunicação mundial a notícia já correu, publicada no último dia 16 de setembro, no sítio argentino Infobae. Segundo o sítio, o Papa Francisco teria feito chegar uma carta pessoal sua ao presidente Xi Jinping. A carta teria sido enviada para estreitos colaboradores de Xi, por parte de Ricardo Romano, expoente do peronismo, representante da Academia Chinesa de Ciências junto ao Mercosul.
A iniciativa papal seria o resultado de um encontro tido na casa de Santa Marta no último 03 de setembro, entre o pontífice e dois emissários argentinos, o cardeal Parolin, secretariado de Estado, dom Dominique Mamberti, encarregado das relações com os Estados.
Segundo declarações de Ricardo Romano a Infobae, no intercâmbio de opiniões em Santa Marta destacou-se a necessidade de estabelecer vínculos com Pequim “para contribuir assim na tomada de decisões em modo multipolar, para garantir um superior grau de ‘governança’ ao serviço de uma sociedade planetária mais fraterna e com mais equidade social”.
A China busca há tempos uma saída para o domínio econômico e comercial dos EUA: propõe sempre mais contatos que devem ser pagos em Yuan, superando o dólar americano; valoriza as relações entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), por uma influência também nos países em via de desenvolvimento; em direção a Irã, Iraque, Síria, Israel-Palestina sempre teve e tomou posições valendo-se das quais tinha os EUA (e os israelitas). Em relação a estas temáticas a posição da China e do Vaticano são muito similares. Um convite vaticano para construir de maneira efetiva um mundo “multipolar” encontra por isto o coração aberto de Pequim.
Os problemas internos da China
Todavia é difícil dizer se o convite pessoal do Papa Francisco encontrará acolhida em Pequim. Uma grande parte do partido vê o Vaticano com os olhos de Mao, como um “cachorro vagabundo a serviço do capitalismo”, ainda que o estilo do papa Francisco – tão crítico contra a sociedade do bem-estar, das finanças mundiais, como um representante do mundo latino-americano – esteja se abrindo uma rachadura na parede da ideologia. Sobre sua volta de sua viagem à Coreia do Sul, depois de avanços para a China, o Global Time, jornal próximo à publicação de Cotidiano do Povo, se manifestou estranhamente aos elogios ao Papa do “terceiro mundo”, que “estima a China e lhe mostra respeito”.
O ponto é que seja a parte “estalinista”, ou a “liberal”, ambas veem com temor (e talvez horror) possíveis aberturas à liberdade religiosa dos católicos, porque estes abririam uma brecha muito perigosa para a reivindicação da liberdade de outros grupos religiosos (cristãos, protestantes, mulçumanos, budistas tibetanos,...) e de grupos democráticos. O temor (e talvez o terror) dos quadros do partido é que as aberturas à liberdade levem ao fim do próprio Partido.
O próprio Xi Jinping disse que não se deve deixar espaço aos críticos do partido e de seu monopólio no poder, para não arriscar o colapso, como na União Soviética.
Que possa haver uma relação entre liberdade religiosa, relações entre China-Vaticano e democracia, isto já está sendo demonstrado não apenas pela doutrina social da Igreja – que nos seminários chineses são ensinados quase de maneira escondida – mas também em Hong Kong. Aqui a Igreja católica se colocou do lado de todos aqueles que pedem sufrágio universal, à eleição direita do chefe do executivo, superando um esquema de marca colonial que é da época do império britânico. Nas semanas passadas, uma personalidade eclesiástica de Hong Kong foi visitada por oficiais chineses, que lhe deram a entender que um demasiado apoio a democracia arriscaria distanciar mais as possibilidades das sonhadas relações entre Pequim e a Santa Sé.
A propósito, um observador da China em Hong Kong, comentando o convite do papa a Xi Jinping, disse com muito realismo: “Vejamos se Xi Jinping responde. Se responder, será um bom começo. Contudo por agora não há porque estar alegre, nem tão pouco triste. De todo modo, é um bem falar da paz no mundo, mesmo que não enfrentem os problemas da paz interna na China”.
O ping-pong
O convite de Francisco a Xi Jinping recorda muito a partida de ping-pong entre os EUA e a China em 1971, que abriu caminho para um encontro entre Richard Nixon e Mao Zedong no ano que se seguiu e trouxe, posteriormente, as relações diplomáticas entre os países.
A proposta do Papa Francisco é entusiasmante: um grande movimento humano e diplomático, que demonstra paixão pela China e o desejo de que esta se apresse em tomar sua responsabilidade internacional de grande país, tal qual o é. Muitos pensam já em um mundo multipolar e uma redução do domínio dos EUA nos negócios mundiais, vendo a série de erros ocorridos no Oriente Médio e na Europa, como é o caso da Ucrânia. E já são muitos aqueles que acreditam firmemente que a China (talvez junto a Índia) tenha um grande destino na sociedade mundial.
Certamente, não se pode esquecer que a China, enquanto elogia a multipolaridade, está criando um novo sistema colonial na África e na América Latina, impondo seu mercado e queimando as indústrias locais; enquanto exalta a paz e o diálogo na Síria e Iraque, sufoca aqueles – como o acadêmico Ilham Tohti – que buscam o diálogo entre mulçumanos, uigures e chineses; enquanto afirma que deseja melhorar as relações com a Santa Sé, sufoca a democracia em Hong Kong, destrói as igrejas em Zheinjiang, coloca os bispos oficiais sob controle; faz desaparecer os bispos clandestinos, enclausura os sacerdotes nos campos de trabalho forçado. Isto demonstra que na China, as partidas ping-pong são jogadas em mesas diferentes. Talvez o Papa Francisco deveria buscar não reduzir-se apenas na mesa da relação com Xi Jinping, mas em diferentes mesas, ajudando a Igreja chinesa, denunciando as perseguições, pedindo liberdade para os bispos presos, ordenando novos bispos naquelas dioceses que estão vazios há anos, sem esperar o sinal verde do Partido.
Tudo isto tem haver com a paz no mundo, porque uma China mais harmônica e mais respeitosa dos direitos de sua população está mais em paz. Por outro lado, Carlos Marx dizia que “os filósofos até agora têm pensado o mundo, agora chegou o momento de mudá-lo”.
Parafraseando poderíamos dizer: os filósofos (e os presidentes) têm pensando na paz; agora é tempo de construí-la de fato.
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Igreja chinesa: confiança e cautela sobre o convite do Vaticano a Xi Jinping - Instituto Humanitas Unisinos - IHU