10 Setembro 2014
"Há desenvolvimentistas e desenvolvimentistas. Afora o fato de que o estruturalismo cepalino dos tempos de Celso Furtado é, para os adeptos dessa vertente, apenas uma referência que já teve sua época — embora se mantenha, por todo os títulos, relevante — os social-desenvolvimentistas reunidos na Rede abrigada na Unicamp guiam-se por princípios e pensam por conceitos bem diversos dos cultivados por uma outra ala, a dos também autointitulados “novo-desenvolvimentistas”, escreve Cyro Andrade, ao comentar o livro “Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro” (André Bojikian Calixtre; André Martins Biancarelli; Marcos Antonio Macedo Cintra (organizadores) / Brasília, 2014), em artigo publicado no jornal Valor , 09-09-2014.
Eis o artigo.
O amplo arco temático que constitui o conteúdo dos artigos reunidos no livro “Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro” (André Bojikian Calixtre; André Martins Biancarelli; Marcos Antonio Macedo Cintra (organizadores) / Brasília, 2014) dá oportunidade para economistas heterodoxos — no caso, da linha desenvolvimentista — exercitarem o gosto para um debate em que, como de hábito, entram com a provocação. Seus mais incisivos oponentes, os conservadores da escola neoclássica, e vizinhos próximos talvez afetem indiferença pelo que ali vai escrito (às vezes, a depender do assunto ou de quem seja o desafiante, reagem com ferina agressividade a opiniões anti-“mainstream”).
O fato é que, ortodoxos ou heterodoxos, todos acompanham de algum modo o que os outros dizem, na academia e nos espaços de discussão aberta —, a exemplo dos oferecidos pela imprensa, a mesma que, quando referida como “grande”, em adjetivação comum em setores da heterodoxia mais densa, significa ser condenavelmente conservadora. É uma visão conceitualmente limitante, que mesmo assim se deve compreender como inserida na desejável discussão de ideias sobre problemas conexos aos do desenvolvimento brasileiro. Todos acabam sendo de igual interesse público — principalmente em momentos como este, de disputa eleitoral, quando a face política da economia aparece em franca exposição e sugere, justamente, o debate.
A atualidade das análises que compõem o livro publicado pelo Ipea, distribuídas por 16 capítulos, é justificada no enquadramento da economia política. A autoria coube a economistas dos quadros da Universidade de Campinas, das universidades federais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina e do Ipea, participantes da Rede Desenvolvimentista, grupo permanente de estudos constituído em 2011 por iniciativa do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp. Sua motivação coletiva, como diz em breve prefácio Maria da Conceição Tavares, professora emérita da UFRJ e professora associada da Unicamp, é o propósito de retomar “a tradição crítica e reformista da ‘construção nacional interrompida’ do mestre Celso Furtado” —, correspondente a fazer “uma atualização do debate brasileiro sobre o desenvolvimento capitalista tardio, periférico e dependente, bem como sobre o fenômeno do desenvolvimentismo”.
Entenda-se que essa deverá ser uma discussão para dentro e para fora — considerados os temas e as audiências —, com preservação, sempre, de um sentido intelectual e prático marcadamente nacionalista e dando-se atenção preferencial para a cooperação regional latino-americana. Será uma busca de meios que possam informar políticas capazes de “reinventar as forças do crescimento”, num momento em que “todo o mundo desenvolvido e em desenvolvimento se reinventa, para que o modelo brasileiro possa resultar em um novo despertar histórico”, lê-se na introdução assinada pelos editores do livro. Pretende-se, então, estimular reflexões e proposições que refaçam o caminho do desenvolvimento brasileiro pós-avanços já obtidos, especialmente em termos de inclusão social, superando desequilíbrios remanescentes, em grande parte originários do processo de inserção da economia brasileira na globalização, tanto financeira como produtiva.
Há desenvolvimentistas e desenvolvimentistas. Afora o fato de que o estruturalismo cepalino dos tempos de Celso Furtado é, para os adeptos dessa vertente, apenas uma referência que já teve sua época — embora se mantenha, por todo os títulos, relevante — os social-desenvolvimentistas reunidos na Rede abrigada na Unicamp guiam-se por princípios e pensam por conceitos bem diversos dos cultivados por uma outra ala, a dos também autointitulados “novo-desenvolvimentistas”.
É fato notório que os optantes por esta ou aquela forma de pensamento, no interior do desenvolvimentismo, não somente se diferenciam, mas o fazem sem mostrar disposição aparente para eventuais diálogos de tipo socrático, em que buscariam, cooperativamente, alguma forma de consenso. Explica-se: economistas profissionais não falam para si mesmos, nem só para seus iguais. Querem influir, cada qual a seu modo. São ativos atores políticos.
Para os social-desenvolvimentistas, os “novos” apegam-se aos mesmos preceitos essenciais do liberalismo, visando os exclusivos fins de uma estratégia em que a intervenção do Estado é conveniente para a estabilização macroeconômica —, e só, ou quase isso. Os “sociais” falam em um renovado desenho institucional para o Estado, acoplado a uma renovação de modos de atuação que o capacitem para uma ampla atuação planejada e de liderança na condução de todo o processo de um também novo desenvolvimento, mas de feitio teórico e prático diverso nas políticas que o espelhem.
Os novo-desenvolvimentistas afirmam que os “sociais” apenas “fazem teoria ad hoc”, diz um conhecido adepto da corrente tachada pelo outro lado de enviesadamente liberal. Seria tudo muito simples: “No fundo, [os “sociais”] tratam de justificar o modelo econômico do PT”.
O novo-desenvolvimentismo nada teria de oportunista. Como explica o mesmo economista, seria bem o oposto. Teria a permanência de uma real estratégia nacional de desenvolvimento, movida pelo objetivo de fazer o “catching-up” (alcançamento) dos países ricos. Os meios seriam dados por “um regime de política macroeconômica que elimine a dependência com respeito à poupança externa e induza um processo de crescimento alavancado na exportação de bens manufaturados com crescente conteúdo tecnológico”. Em síntese, um modelo de crescimento voltado para o comércio global, com abertura gradual da economia, eliminação da sobrevalorização cambial, ajuste nas contas públicas para permitir a redução dos juros e, assim viabilizar o aumento dos investimentos. Ou seja, com pleno aproveitamento de possibilidades trazidas pela globalização. Os salários, variável de primeira importância na equação da competitividade, seriam ajustados ao ritmo da produtividade, presumivelmente acelerada em função do aumento da taxa de investimento. Enfim, uma agenda para a hora, mas também para o futuro.
Fala-se em salários, está se falando de repartição de renda com o capital, inclusive e particularmente o financeiro (que merece atenção crítica em várias passagens do livro). Questão delicada. Os “sociais” abominam qualquer ideia que, mesmo longinquamente, lembre possível aviltamento da remuneração do trabalhador. Os “novos” tentam fazer-se entender, explicando a racionalidade da relação produtividade/crescimento, mas são acusados de mal-intencionados.
A China, com seu modelo industrial-exportador de açambarcamento de mercados, inclusive o brasileiro, é exemplo sempre lembrado pelos “sociais” de crescimento e inserção internacional com submissão do trabalho a condições degradantes. Batem nessa tecla insistentemente, como uma de suas principais bandeiras. Tomar essa direção — risco que vislumbram — seria um retrocesso impensável em face do que restou por fazer depois que, nas palavras dos editores do livro, “o crescimento econômico e o relaxamento da estrutura concentrada de poder social do subdesenvolvimento, principalmente pelo retorno da mobilidade entre os estratos, oxigenaram o problema do desenvolvimento”. Argumentam que, “diante das raízes profundas da condição periférica, dependente e subdesenvolvida, o crescimento e a mobilidade social foram insuficientes para promover a ruptura com o passado e a esperança da teoria do desenvolvimento latino-americano”. O livro vem com ideias dos social-desenvolvimentistas para se ir adiante.
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O desenvolvimento como obra inacabada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU