Por: Caroline | 08 Agosto 2014
Durante a primeira semana de julho, diferentes organizações sociais foram para a fronteira de Melilha para avaliar as denúncias das ONGs locais em relação aos direitos humanos. Ana Fornés, integrante da Campanha pelo Encerramento do Centro de Internamento de Valencia (CIE), esteve em Melilha e participou da elaboração do relatório. A estadia permitiu focar em aspectos que os meios de comunicação não atendem ou invisibilizam diretamente. Como a realidade cotidiana de Melilha, “uma cidade muito pequena com um muro fronteiriço (que se encontra em território espanhol) onde a violência extrema está normalizada, você fica com a impressão de que o muro e as concertinas estão presentes por todas as partes”, destaca a ativista.
A reportagem é de Enric Llopis, publicada por Rebelión, 02-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/clEY83 |
Em Melilha, além disso, “todo mundo é consciente do que ocorre, do que acontece no portão onde se encontra o Centro Temporário para Imigrantes (onde inclusive ocorreram operações policias)”. A fotografia real é a de uma cidade colonial fortemente militarizada e com presença permanente da legião, da polícia nacional e da guarda civil, com seus respectivos corpos anti-distúrbios. Ana Fornés recorda de Melilha a profusão de símbolos espanholistas e franquistas, que impregnam a cidade de uma atmosfera rançosa. Além disso, as ONGs vivem algo como uma tensão constante: “pendentes dos saltos sob o muro e a presença de helicópteros; com a violência das polícias espanhola e marroquina, sempre muito presente”.
O muro espanhol é, além de um elemento material, um símbolo que rodeia tudo em Melilha. A isso se acrescenta um segundo portão, que está sendo atualmente construído pelo estado Marroquino. Frente aos obstáculos e as fronteiras, Ana Fornés ressalta a capacidade de auto-organização das pessoas migrantes: “buscam saltar o muro de maneira conjunta, em grupo, para que pelo menos alguém consiga chegar” (há também um alto grau de auto-organização durante as longas rotas migratórias, por etnias e nacionalidades de pessoas que vão se encontrando pelo caminho; no Monte Gurugú de Melilha as pessoas migrantes se auto-organizam nos acampamentos, em um entorno sem alimentos nem água; e também há a auto-organização para os “saltos” sob o muro). Mas a resposta do estado espanhol em muitas ocasiões é de “devoluções quentes”, totalmente ilegais já que “não se pode expulsar ninguém como está se fazendo, sem passar por um procedimento administrativo”, explica. “Eles são coagidos nas ruas de Melilha e expulsos, por isso há quem vá ao CETI para se proteger”.
A porta-voz da Campanha pelo Fechamento dos CIE insiste a todo o momento em uma ideia: situar em um contexto o que ocorre na fronteira melilhense. O muro não é um fenômeno isolado. “Tem haver com a proibição da livre circulação de pessoas, mas não de mercadorias; há uma lógica dos estados de se proteger cada vez mais, e para isso fecham e militarizam as fronteiras”. O discurso da União Europeia caminha cada vez mais por esta via. “Nosso objetivo é demonstrar a lógica das fronteiras sagradas”. Estas limitações territoriais levam com que as pessoas da África Subsaariana possam sofrer até dois ou três anos de um percurso migratório para chegar ao Estado espanhol; ou que as mulheres (como as nigerianas, por exemplo) tenham que sofrer violações ou serem vítimas de maus-tratos.
Além disso, os estados obtêm grandes receitas geradas pelas pessoas imigrantes. De fato, “os estados nacionais estão enriquecendo com os trâmites de vistos, autorizações de residência e imigração, mas também com a militarização das fronteiras”, explica Ana Fornés. Uma interpretação que pouco se difunde, solapada e obscurecida pelo discurso da segurança. “Em Melilha se joga muito com o perigo constante de invasão e a invenção de um inimigo imaginário; mas que se embasa em uma relação totalmente assimétrica e desproporcional, de uma suposta guerra entre imigrantes e estados”.
Por outro lado, “as leis de imigração e fronteiras são injustas e, assim, nos parece legítimo desobedecê-las”. Trata-se de outra mudança do olhar: “o que chamam de imigração ilegal deve ser entendida com um ato de desobediência civil que desafia o mundo no qual vivemos”. A isso deve-se acrescentar outro argumento, silenciado pela hegemonia retórica da segurança e do “inimigo” imigrante. Trata-se do “espólio dos recursos de outros países, o empobrecimento e os conflitos armados para a sustentação de uma sociedade capitalista”, o que remete ao “negócio da xenofobia”. A mudança no olhar colocada pela ativista implica considerar a imigração “como uma parte da história da humanidade; o que não esteve sempre presente são o controle, a repressão e as fronteiras; a criação de espaços como Schengen, em 1985”.
Outro problema é a “sobrerrepresentação” midiática do muro de Melilha. Ana Fornés recorda que a porcentagem de pessoas que entram pelo muro é “mínima”. “As pessoas entram em Melilha pelas passagens fronteiriças, de carro, de barco ou com passaportes falsos”, acrescenta. Também é mínima a proporção de migrantes que entrar por Ceuta e Melilha em relação aos que o fazem de carro ou avião através de outras fronteiras do estado espanhol. “Aqueles que buscar driblar o muro é porque não tem outra saída, apesar do que os meios transmitem”, destaca a ativista.
Também é um assunto de legislação. Qualifica as leis de imigração de “racistas e de estarem baseadas na exclusão”. “Alguns podem entrar e têm direitos, outros não, e é a fronteira que marca esta diferença”. Por exemplo, viola-se a legislação internacional com as expulsões “quentes”, as quais agrega-se uma permanente repressão policial. Ana Fornés recorda das 15 pessoas assassinadas em Ceuta, fato que não teve nenhum tipo de responsabilidade penal. “A polícia nacional ou a guarda civil praticam estas expulsões, ou espancam os agentes do Marrocos (também foram vistas imagens de policiais marroquinos adentrando no território espanhol) e não fazem nada”. Além disso, mesmo que de maneira geral se desconheça, o muro de Melilha dispõe de pequenas portas, por onde “colocam e tiram gente”.
A estadia de uma semana em Melilha e o contato com as ONGs locais permitiu conhecer de perto o problema da saúde. “Contaram para nós o caso de um menor imigrante que foi severamente espancando na rua e teve a tíbia quebrada; no hospital de Melilha colocaram nele uma faixa e disseram a ele que estava pronto”. A Comissão de Observação dos Direitos Humanos (CODH) tentou mediar. Houve uma outra menina menor de idade que tinha um sarcoma (um tipo de câncer) e que foi dito a sua mãe no hospital “que ela foi morrer no Marrocos”. Depois do esforço de mediação conseguiu-se que o rapaz fosse atendido no Hospital de Málaga. Em resumo, “há uma vulnerabilidade brutal do direito à saúde por parte de médicos e administrativos”. “E se faz o que se pode, já que em Melilha as organizações sociais estão muito saturadas; o nível de perseguição, violência e impunidade que se sofre nesta cidade não é comparável com a que vivemos aqui”.
A ideia do relatório do CODH é a observação de Melilha “a partir de outro ponto de vista”. Agora se trará de que o documento tenha o maior alcance possível e, para isso, a Comissão de Observação de Direitos Humanos irá torná-lo conhecido frente aos órgãos europeus contra a tortura e a defensoria do povo, entre outras instituições, também frente aos movimentos sociais e a opinião pública. Outro objetivo é romper com a imagem midiática de “invasão”, “ameaça” e “ilegalidade” vinculada à imigração, na qual discurso oficial não considera estas pessoas “vítimas de uma injustiça nem de um flagrante de vulnerabilidade dos direitos humanos”. Que se esconde por detrás desta retórica, aplicada em Melilha? Ana Fornés reproduz a explicação das ONGs locais: “Que a Europa enviou dinheiro ao estado espanhol e ao Marrocos”. Definitivamente, “não somos idealistas, mesmo o sejamos de certo modo, porque lutamos por um mundo melhor”. Tratam apenas de que se cumpra a legalização vigente (devoluções quentes, voos de deportação, situação dos CIE...). Algo que não se está fazendo.
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“O que os Estados chamam de imigração ilegal é um ato de desobediência civil”, diz a ativista Ana Fornés - Instituto Humanitas Unisinos - IHU