07 Agosto 2014
Aqueles que estavam perto dele contaram que ele queria morrer sem agonia. Ele queria que a sua vida se apagasse sem holofotes, longe das vigílias do povo que tinham sido vistas com o Papa João XXIII. Ele havia rezado a Deus para lhe consentir um adeus em solidão. Foi ouvido. Paulo VI, que no próximo dia 19 de outubro será beatificado, subiu à casa do Pai quase de repente, mas preparado para a separação.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada no jornal Avvenire, 06-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Era o dia 6 de agosto de 1978, o Papa Montini se encontrava em Castel Gandolfo, o relógio marcava 21h40min. A Via Appia, bem ao lado, estava lotada de carros de turistas desavisados, mesmo que por poucas horas, assim como o mundo inteiro, do que tinha acontecido.
E era um dia especial, de grande significado simbólico, o da Transfiguração, festa predileta de Montini, que, naquela data, havia publicado a sua primeira encíclica, a Ecclesiam suam.
Em suma, quase um selo, como tinha acontecido com o Papa Roncalli, que se apagou na segunda-feira de Pentecostes, 3 de junho de 1963, ou com João Paulo II, que morreu na vigília da festa da Divina Misericórdia, no dia 2 de abril de 2005.
"Eis, irmãos e filhos, a intenção incansável, vigilante, persistente que nos moveu nesses 15 anos de pontificado. 'Fidem servavi'! (Conservei a fé), podemos dizer hoje, com a humilde e firme consciência de nunca ter traído o 'santo verdadeiro'". Assim, na última homilia em São Pedro, o anterior 29 de junho, no 15º aniversário da sua coroação, consciente de uma vida "voltada ao pôr do sol", ele mesmo indicou a senha do seu serviço na cátedra de Pedro, elencando e reiterando todos os documentos do seu magistério.
E, no dia seguinte, escrevendo ao irmão Lodovico, agradecia-lhe pelas palavras de felicitação, "que chegaram muito agradecidas", com "uma consonância espiritual" – confidenciou – "que a hora das vésperas, a minha, entenda-se, torna mais assídua e interior".
Como observa Ennio Apeciti, na parte referente ao pontificado do livro recém-publicado pelo Instituto Paolo VI, junto com a Studium, Paolo VI, una biografia, editado por Xenio Toscani (568 páginas), o papa percebia a iminência do fim da sua vida terrena e, em uma nota pessoal, havia escrito: "Vigília final – Dilexit me. Toda a minha vida inteira foi uma profusão de benefícios divinos – Parce mihi – Cupio dissolvi. Não por decepção, nem por cansaço, mas por alvorejante amor do encontro aberto com Cristo. A progressiva falta de forças físicas e mentais deve ser interpretada como um chamado ao supremo amor: in finem dilexit; não como uma abdicação da verdadeira vida".
Em todo o caso, até o fim, como documentam também as outras partes da nova biografia (na qual Toscani, editor de preciosos documentos, ilustra o período da Bréscia e a década de Fuci; Fulvio De Giorgi, o Montini na Secretaria de Estado; Giselda Adornato, o episcopado de Milão), Papa Paulo VI viveu animado por aquela paixão apostólica que sempre o levara ao serviço da Igreja e dos homens, sustentado pelo diálogo.
É o que surge também em inúmeros testemunhos recolhidos no processo de beatificação e na Positio super virtutibus disponibilizada depois da declaração da heroicidade das virtudes no final de 2012.
Voltando ao texto preparado para o Ângelus daquele 6 de agosto de 1978 em Castel Gandolfo, que ele não pôde pronunciar, mas segundo a sua sugestão, foi lido aos fiéis reunidos ao meio-dia no pátio do Palácio Apostólico, eis que volta a se destacar, nítida, a sua profunda reflexão. Totalmente concentrada naquele mistério do Senhor que "lança uma luz brilhante sobre a nossa vida cotidiana e nos faz voltar a mente ao destino imortal que esse fato em si prenuncia", porque "faz ver também o destino transcendente da nossa natureza humana" que participará da "plenitude da vida".
"Um destino incomparável nos espera – lê-se ainda no texto – se tivermos honrado a nossa vocação cristã: se tivermos vivido na lógica consequencialidade de palavras e de comportamento, que os compromissos do nosso batismo nos impõem".
Isso não é tudo. Essas palavras voltam na sua ardente atualidade, não esquecendo, por exemplo, "os desempregados, que não conseguem prover as crescentes necessidades dos seus entes queridos com um trabalho adequado à sua preparação e capacidade", nem "os famintos, cuja fileira aumenta diariamente em proporções assustadoras; e todos aqueles, em geral, que se esforçam para encontrar um lugar satisfatório na vida econômica e social".
Um Ângelus a ser redescoberto como o último dom de um papa que morreu "murmurando o nome do Pai, confiando e consagrando a Ele" – como se diz na biografia Paolo VI nella sua parola, assinada pelo secretário, monsenhor Pasquale Macchi, recém-reeditada pela Morcelliana (416 páginas) – "a conclusão da vida terrena e o abrir-se da vida eterna".
Um pontífice – lê-se no novo posfácio a esse livro, escrito pelo cardeal Loris Capovilla – preocupado com o destino das Igrejas cristãs e de toda a família humana. E que, um dia, lhe confidenciara: "Trago muito no coração a paz interior da Igreja, à qual eu gostaria que seja assegurado o generoso fermento do Concílio Ecumênico na integridade da autêntica fé e na coesão da caridade e da disciplina. E, não menos, trago no coração a paz civil e social do mundo".
"Ele disse com força e com pena aquele 'trago no coração'", afirma o purpurado já contubernal de São João XXIII. E acrescenta: "Agora, ele reza para que esse compromisso esteja no coração de todos nós".
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O último dom de Paulo VI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU