Por: Caroline | 05 Junho 2014
“É assim que uma morte se torna necessária para que nasça outra forma de fazer política e expandir a potência organizativa e a resistência social. Um coletivo planetário... É possível? Poderemos? Aqui está o ‘deixar de existir para nascer em coletivo’ que deixou o ensinamento da iniciativa zapatista”, essa é a reflexão trazida por Norma Giarracca, socióloga do Instituto Gino Germani (UBA); e Diana Itzú Gutiérrez Luna, socióloga da UAM (México), integrante da Rede contra a Repressão no México, em artigo publicado pelo jornal Página/12, 04-06-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
No início da madrugada de 25 de maio desapareceu publicamente um dos personagens mais emblemáticos das resistências ao capitalismo das duas últimas décadas. Uma das maiores provocações deixadas pelo zapatismo em seus 20 anos de existência em Chiapas e o modo e contexto no qual foi anunciado o “desaparecimento do Subcomandante Marcos”. Este novo acontecimento, esta irrupção inesperadas, tem muitas leituras possíveis e tentaremos realizar algumas.
Na verdade, tratava-se de uma homenagem ao homem assassinado no último 02 de maio pelo grupo paramilitar que assume a forma de Central Independente de Trabalhadores Agrícolas e Agricultores Histórico (CIAOC-H). O falecido “companheiro Galeano”, ativista social indígena zapatista, foi o escolhido pelos funcionários do governo para provocar insegurança e violência na região autônoma. O zapatismo respondeu sabiamente frente aqueles que denominaram ser “o verdadeiro criminoso”. Se o assassino é o capitalismo, e este continua fomentando a guerra contra a dignidade, então deve-se enterrá-lo, como disse há dois anos atrás um personagem da simbologia zapatista, Don Durito: “Não basta enterrar o capitalismo, há que sepultá-lo de cabeça para baixo. Para que, se quiser sair, se enterre mais”. E enquanto isso é feito, a proposta zapatista é desenterrar seus mortos com ações consequentes, concretas e coletivas para dar lugar ao nascimento do “coletivo” como uma forma essencial e necessária de construir outra forma de fazer política.
Os significados deixados por estas situações vividas com muita intensidade por mais de cinco mil pessoas que vieram de todo o México e do mundo, com os sons e a comovedora poesia da “Cigarra”, de María Elena Walsh, são muitos. Em primeiro lugar, desativar o imaginário do poder colonial, um manda (primordialmente o mestiço, das classes abastadas, educado etc.) e o resto obedece. Em outras palavras, o coletivo atua em todos os níveis e não se deve “esperar a orientação ou liderança, nem pretender submissão ou acompanhamento”. Em segundo lugar, manter-se coerente ao “abaixo e a esquerda” que implica não apenas em “não se vender, não se render, não desistir”, mas também ao humor, a alegria, ao cuidado de nós, a evitar os rumores, os “boatos”.
Muitas vezes nos perguntamos em nossos territórios como se constrói o “bem viver” aymara e quéchua ou “a vida digna” da que falam estes povos, propostas novas tão distantes da esquerda tradicional. Existe uma experiência de 20 anos (talvez a mais longa na história moderna) e conquistada no dia a dia com uma série de slogans simples, densos, que desativam a construção complexa na qual nós estamos imersos, muitos com perplexidade e tédio. Esses slogans são: a tomada do poder sobre a construção a partir de baixo; da política profissional para a política cotidiana; dos líderes aos povos; da marginalização do gênero para a participação direta das mulheres; da zombaria ao outro para a celebração da diferença (“um mundo onde cabem muitos mundos”).
É assim que uma morte se torna necessária para que nasça outra forma de fazer política e expandir a potência organizativa e a resistência social. Um coletivo planetário... É possível? Poderemos? Aqui está o “deixar de existir para nascer em coletivo” que deixou o ensinamento da iniciativa zapatista. Como opina Gustavo Esteva, o intelectual oaxaquenho comprometido com estes processos, “trata-se de um novo ciclo de organização e mobilização para resistir, deter o horror e práticas, cada qual a seu modo, em seu lugar, para as novas formas de fazer política”. Para compreender estes desafios, novamente, deverá se desativar, em cada um de nós e coletivamente, os velhos modos coloniais e o conhecimento do século passado, que enunciam que existe apenas um modo democrático de fazer política, que no mínimo, necessita ser retocado. Os zapatistas, em troca, apostam que a política é cheia de criatividade e está começando a andar.
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Zapatismo e política, uma análise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU