Por: André | 09 Mai 2014
Podemos pensar que se trata de uma piada de mau gosto: a esquerda americana está pasma diante de um intelectual francês que gosta de Balzac e faz referências a Marx, e que retoma a ideia de um imposto mundial sobre as fortunas. Se Thomas Piketty(foto) não estivesse percorrendo os Estados Unidos para uma turnê promocional triunfante, você poderia pensar que tudo não passa da fantasia do radialista ultraconservador Rush Limbaugh.
Fonte: http://bit.ly/1mHvXXB |
A reportagem é de Jordan Weissmann e publicada no sítio francês Slate, 25-04-2014. A tradução é de André Langer.
Mas não, o homem é de carne e osso. Seu O Capital no século XXI, um compêndio de 685 páginas (970 páginas no original francês) sobre o passado e o futuro das desigualdades, acaba de realizar o improvável ao estar no topo dos livros mais vendidos no Amazon (O título do livro é apenas a sua primeira alusão a Marx). “A rock-star dos economistas”, como o apelidou o New York Magazine, atraiu também a simpatia de membros oficiais de Washington.
De passagem pela capital dos EUA, ele tomou tempo para conversar com Jack Lew, secretário do Tesouro, do CEA e do FMI. Mesmo o Morning Joe, que está longe de ser uma figura de proa em matéria de jornalismo, consagrou-lhe uma reportagem. Se eu sei disso é porque minha mãe me mandou um e-mail para me comunicá-lo, acrescentando que o livro parece interessante.
Basta dizer que a situação é grave.
Mas a coisa não seja, talvez, tão surpreendente. Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, é, sem dúvida, o pensador mais importante das desigualdades dos pelos últimos dez anos. Podemos agradecer a ele e seus diversos colaboradores – entre os quais estão Emmanuel Saez, da Berkeley, e Anthony Atkinson, de Oxford – por terem realizado pesquisas para compreender o fortalecimento do 1% mais rico, seja nos Estados Unidos, seja na Europa.
Agora, graças ao seu livro, a esquerda norte-americana tem um quadro teórico coerente e que justifica o desconforto que lhe provoca, há muito tempo, o abismo entre ricos e pobres.
Os ricos de amanhã não o serão por seu trabalho
Muitos autores já resumiram O Capital, embora ele faça aqui uma resenha muito breve. Se nas obras anteriores Piketty focou mais na riqueza – aquela obtida pelos trabalhadores e investidores –, seu novo livro centra-se na renda: sobre o que possuímos.
Graças a dados que remontam ao século XVIII, para o caso francês, ele defende a ideia de que quando o crescimento econômico diminui em um país, as riquezas geradas pela renda inflam em comparação com as riquezas produzidas pelo trabalho, o que faz explodir as desigualdades.
A explicação é que os juros da renda, quer seja um portfólio de ações, um bem mobiliário ou um complexo industrial, giram em torno de 5%. Se a taxa de crescimento cai abaixo disso, os ricos ficam mais ricos. E, ao longo do tempo, os herdeiros de grandes fortunas começam a dominar a economia. Mas, de acordo com o argumento de Piketty, o comum dos mortais pode reagir votando em políticas redistributivas. De onde vem a ideia de um imposto mundial sobre as fortunas, mesmo que, na minha opinião, a maioria dos norte-americanos preferisse ver antes uma taxação maior dos ganhos do capital.
Para alguns, não há motivos para se inquietar com o tema das desigualdades, já que a elite mundial atual é composta por trabalhadores ricos e merecedores: se eles ganham lucros enormes, é porque eles são muito talentosos do ponto de vista técnico e comercial.
Mas Piketty fornece uma maneira simples para contrariar este argumento: os ricos de hoje tiveram, talvez, sucesso graças ao seu trabalho, mas este não será o caso dos ricos de amanhã. Além disso, Piketty demonstra que, mesmo atualmente, os mais ricos obtêm mais da sua renda do que do seu trabalho.
Portanto, como os tubarões da indústria que, no século XIX, precederam os herdeiros e herdeiras ociosos que povoam a obra de F. Scott Fitzgerald, os CEOs e outros gestores de fundos de pensão contemporâneos antecipam uma geração que terá como simples mérito o fato de ter ganhado na loteria do destino.
Contornar a problemática questão da riqueza
Em sua indispensável resenha de O Capital, publicada pelo New York Review of Books, Paul Krugman escreveu que Piketty oferece "uma teoria do campo unificado para a desigualdade, integrando o crescimento econômico, a distribuição de renda entre o capital e o trabalho e a distribuição de renda e riqueza entre os indivíduos em um só arcabouço”. E nisso reside o seu atrativo fundamental.
Há muito tempo, os conservadores têm uma estrutura teórica simples para suas ideias econômicas: a panaceia é o mercado livre. Agora, em vez de se referir a uma luta mal articulada pela classe média, os progressistas têm um ponto de referência sólido e poderão afirmar com clareza e precisão que eles estão lutando contra o aumento, de outra maneira inevitável, dos Hilton.
O Capital também mudará sutilmente o debate político, orientando-o para a renda e não para a riqueza. Debates sobre a riqueza podem facilmente fracassar, especialmente porque os americanos não gostam que se menospreze os salários bem merecidos, mas também porque determinar o que é ou não a riqueza pode ser problemático. Se você se propôs a integrar na equação o seguro saúde e as transferências estatais, como o vale-refeição, um cálculo feito por alguns, o domínio do 1% mais rico não é tão radical.
Com a renda, é outra história. Conceitualmente, os norte-americanos não gostam dos aristocratas – não é uma coincidência se os políticos em campanha preferem falar dos seus ranchos familiares ou das suas fábricas, ao invés das suas mansões em Shelter Island. Além disso, você não pode entesourar o vale-refeição ou um seguro de saúde, e porque a renda inclui unicamente o que você pode economizar, esse elemento permite medir quem é economicamente vencedor no longo prazo.
E é sobre isso que devemos batalhar. Mesmo que se possa discutir se a grande teoria de Piketty seja absolutamente correta ou não, ela permite que o economista oriente o debate na direção correta. Com outras palavras, a raiva de Limbaugh não demora a chegar.
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Como a esquerda dos Estados Unidos se apaixonou por Thomas Piketty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU