17 Fevereiro 2014
A intenção de Francisco é dar o privilégio à caridade mais do que à ortodoxia. A atenção atual da Igreja não é dada à verdade, mas sim à caridade, ao amor.
Publicamos aqui o artigo de Arturo Paoli, sacerdote da Fraternidade dos Pequenos Irmãos de Jesus, que viveu durante muitos anos como missionário no Brasil. O texto foi publicado na revista Oreundici, de fevereiro de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A missão fundamental dos pontífices é a de nos guiar ao reto caminho da fé, porque, evidentemente, não podemos nos chamar de cristãos se não conhecemos e não seguimos o caminho aderente à verdade do Evangelho. A característica essencial da doutrina do Papa Francisco é a de ser muito simples e de não ser guiado por grandes pensadores, mas, acima de tudo, de reconhecer que "não podemos pretender que todos os povos dos vários continentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as modalidades adotadas pelos povos europeus em um determinado momento da história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão duma cultura. É indiscutível que uma única cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo" (Evangelii gaudium, n. 118).
Essa expressão pode dar origem a polêmicas e a dúvidas. A escolha do Papa Francisco está apoiada em Cristo que ama o homem pecador e quer persuadi-lo de que, para a sua paz, deve seguir o amor por todos os irmãos, especialmente os mais pobres, os mais sofredores e os mais ignorados na sociedade.
A sua verdade se defende em outro artigo da Evangelii gaudium. A citação de Francisco de Assis e da Bem-aventurada Teresa de Calcutá nos explica que o Papa Francisco quer fundamentar a sua missão não na racionalidade, mas sobretudo no amor: "Quem ousaria encerrar num templo e silenciar a mensagem de São Francisco de Assis e da Bem-aventurada Teresa de Calcutá? Eles não o poderiam aceitar. Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela" (n. 183).
Pode parecer estranho que o Papa Francisco, homem muito culto de pensamento, assuma essa atitude tão clara e direta, simples e eloquente.
A sua opção preferencial é a dos mais abandonados da terra. A sua finalidade é de seguir "esse caminho luminoso de vida e sabedoria". Evidentemente, essa mudança de orientação ocorre na época em que a queda repentina e prepotente dos seguidores de uma prática católica não poderá ser recuperada com o chamado a uma fidelidade à doutrina da fé com argumentos racionalistas, mas apenas descobrindo realmente que a relação entre ricos e pobres aumenta diariamente a sua divisão de maneira preocupante.
Jesus nos ensinou o "serviço humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre. Jesus ensinou-nos este caminho de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com os seus gestos. Para quê ofuscar o que é tão claro?" (n. 194). Em suma, essas palavras nos dizem claramente que a intenção de Francisco é dar o privilégio à caridade mais do que à ortodoxia.
A fé da Igreja não pode ser retórica no momento histórico em que vivemos: "Duas grandes questões que me parecem fundamentais neste momento da história. Desenvolvê-las-ei com uma certa amplitude, porque considero que irão determinar o futuro da humanidade. A primeira é a inclusão social dos pobres; e a segunda, a questão da paz e do diálogo social" (n. 186).
Esse pontífice escreve, fala, age com base nas "exortações bíblicas que convidam, com tanta determinação, ao amor fraterno, ao serviço humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre" (n. 194). Fala uma pessoa que viveu com os olhos abertos e com uma sensibilidade descoberta em meio "sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde – lesadas em seus direitos. Vendo a sua miséria, ouvindo os seus clamores e conhecendo o seu sofrimento, escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda. O problema se agrava com a prática generalizada do desperdício" (n. 158).
A escolha do nome Francisco certamente não é retórica. É apropriada conscientemente a um pontífice que não é professor acadêmico, mas sim uma pessoa que vive em meio às periferias pobres e não pode se fechar nos Palácios Vaticanos ditando princípios muito claros, mas absolutamente não em harmonia com a realidade que incumbe.
Vem-me à mente um episódio antigo, mas sempre atual. Na guerra mundial de 1915, alguns oficiais levaram armas ao Vaticano e pediram que o papa as abençoasse. Sem comentários, Bento XV respondeu que o papa não pode abençoar as armas, mas apenas apelar à esperança da paz.
Uma passagem citada pelo papa me deu muita alegria: "Desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde" (n. 158). Da minha vida fora da Itália, eu vivi a parte mais longa no Brasil e estou muito feliz que o papa destaque a fidelidade dos bispos brasileiros que buscam chamar a atenção do seu país certamente rico para as condições miseráveis do povo pobre.
Acredito que os primeiros efeitos de ter dado a preferência aos pobres por parte do Papa Francisco e ter conseguido expressar de muitos modos a sua preferência pelos últimos são de ter posto a Igreja nessa preferência, e ele não vai mais voltar atrás. A atenção atual da Igreja não é dada à verdade, mas sim à caridade, ao amor.
O pai realmente pai certamente não ignora a verdade, mas busca de todos os modos a sua opção preferencial pelos seus filhos vítimas de injustiças flagrantes. A resposta rápida e visível que a juventude brasileira deu à visita do pontífice me comoveu profundamente. Se todos os bispos pusessem a Igreja na preferência pelos pobres e pelos excluídos, isso mudaria radicalmente a face da terra.
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O privilégio à caridade: as grandes novidades da Evangelii gaudium. Artigo de Arturo Paoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU