Por: André | 07 Fevereiro 2014
Parecia possível e Francisco o conseguiu. O Papa consegue “refundar” os Legionários de Cristo, elegendo um conselho geral mais próximo das vítimas e propenso à renovação da instituição, e promovendo uma histórica declaração na qual, pela primeira vez, a congregação rompe definitivamente com Marcial Maciel, condena taxativamente sua conduta, assim como a reação da ordem, de ocultação, mentiras e falta de misericórdia durante anos.
Fonte:http://bit.ly/1euVuTF |
A reportagem é de Jesús Bastante e publicada no sítio espanhol Religión Digital, 06-02-2014. A tradução é de André Langer.
O Capítulo Geral, além disso, elegeu o mexicano Eduardo Robles Gil (foto), um dos membros da comissão de aproximação às vítimas de Maciel, como novo diretor-geral. A votação ocorreu no dia 20 de janeiro, mas foi mantida em segredo à espera da confirmação do próprio Papa e para que este fizesse suas oportunas modificações. Estas chegaram na manhã desta quinta-feira, quando José Rodríguez Carballo negou algumas escolhas, confirmou outras e impôs, pessoalmente, dois dos legionários mais abertamente partidários da refundação como conselheiros gerais: Juan María Sabadell (que publicou um pedido de perdão, no qual se baseou o comunicado oficial dos Legionários de Cristo) e Juan José Arrieta, que também será vigário-geral.
Junto com eles, foram eleitos conselheiros-gerais os padres Sylvester Heereman (Alemanha) e Jesús Villagrasa (Espanha). O Capítulo Geral, além disso, escolheu o padre José Cárdenas (México) como Administrador-Geral e Clemens Gutberlet (Alemanha) como Procurador-Geral.
Uma refundação de toda a regra, embora oficialmente não se chame assim, e que se plasma numa declaração de 10 pontos, na qual se rompe “de modo conclusivo” com Marcial Maciel, denuncia-se os “comportamentos gravíssimos e objetivamente imorais” do fundador da congregação, e enfrenta-se o futuro sem ele e com o compromisso de trabalhar por um Legionários de Cristo mais em sintonia com os novos tempos, com uma “profunda revisão” do carisma, da formação e do exercício da autoridade. E com um sonoro pedido de perdão às vítimas, sem paliativos. Às vítimas de Maciel e da própria estrutura dos Legionários de Cristo.
Na nota reconhece-se que “a nossa congregação religiosa poderia ter desaparecido”, e que “a ajuda da Santa Sé foi imprescindível para descobrir como a personalidade e o modo de agir do padre Maciel estavam afetando a nossa congregação religiosa”.
“Sabemos que este é o começo de um caminho e que ainda temos muito por fazer”, afirmam. “Tudo isto exige não apenas uma mudança dos textos legislativos, mas uma conversão contínua de mente e coração”, reconhecem. “Estamos comprometidos a continuar com humildade este processo de renovação e de conversão”, garantem.
Sobre Maciel, os Legionários de Cristo são especialmente duros. E não deixam nenhum ato sem condenação. “Consideramos os comportamentos gravíssimos e objetivamente imorais do padre Maciel que mereceram as punições que a Congregação para a Doutrina da Fé justamente lhe impôs. Nosso fundador morreu em 2008 e suplicamos para ele a misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo queremos expressar o nosso profundo pesar pelo abuso de seminaristas menores de idade, pelos atos imorais com homens e mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e dos bens, o consumo desmesurado de medicamentos aditivos e o fato de ter apresentado como seus, escritos publicados por terceiros. Para nós é incompreensível a incoerência de continuar se apresentando durante décadas como sacerdote e testemunha da fé enquanto ocultava estas condutas imorais. Reprovamos tudo isto firmemente. Sentimos muito que tantas vítimas e pessoas afetadas tenham esperado em vão um pedido de perdão e de reconciliação por parte do padre Maciel, e hoje queremos fazê-lo nós, expressando a nossa solidariedade para com todas elas”, afirma a declaração.
Mas nem a própria congregação se salva, nem seus até agora máximos responsáveis. “Reconhecemos com tristeza a incapacidade inicial de acreditar nos testemunhos das pessoas que foram vítimas do padre Maciel, o longo silêncio institucional e, mais adiante, os titubeios e erros de julgamento na hora de informar os membros da congregação e as demais pessoas. Pedimos perdão por estas deficiências que aumentaram a dor e a confusão de muitos”, reconhece a congregação.
Os Legionários de Cristo confirmam que “não podemos propor o padre Maciel como modelo, nem seus escritos pessoais como guia de vida espiritual. Reconhecemos sua condição de fundador. No entanto, uma congregação religiosa e seus traços essenciais não têm origem na pessoa do fundador; são um dom de Deus que a Igreja acolhe e aprova e que depois subsiste no instituto e em seus membros”, diz a declaração.
Os Legionários de Cristo reconhecem também que “uma compreensão adequada do conceito de fundador, a exaltação excessiva e a visão acrítica da pessoa do padre Maciel nos levou muitas vezes a dar um valor universal às suas indicações e a nos aferrar demasiado a elas. Por isto, na revisão das atuais constituições, uma das tarefas mais importantes foi separar o que realmente expressa o patrimônio carismático da nossa congregação de outros elementos acidentais. Além disso, asseguramos a conformidade de todo o nosso direito próprio com as normas universais da Igreja. Os três anos do processo de revisão foram semelhantes a um prolongado exame de consciência comunitário para descobrir e purificar o que, em nosso comportamento pessoal e institucional, não era próprio da vida religiosa. Constatamos algumas tendências que ofuscaram a compreensão do nosso carisma, entre outras coisas, a falta de uma maior inserção na Igreja local e uma insistência desmedida no próprio esforço, na eficácia humana, no prestígio externo e no cumprimento de normas minuciosas”.
Na declaração reitera-se em várias ocasiões o pedido de perdão a todas as vítimas e pessoas afetadas pelo fundador, assim como a todas as pessoas cuja “dor e confusão” aumentou pelas deficiências no processo e aquelas que deixaram a congregação “porque não as escutamos e acompanhamos evangelicamente”. Recolhe um balanço da comissão de aproximação, que atendeu os 12 casos apresentados, e que concluíram seu trabalho. A congregação “pede ao novo Governo para que mantenha este compromisso de continuar buscando a reconciliação”.
O comunicado recolhe, além disso, as conclusões do relatório feito pela comissão para o estudo e revisão da situação econômica da Congregação dos Legionários de Cristo, apresentado por Mons. Mario Marchesi, que destaca que, nas auditorias internas e externas, “não se encontraram malversações de dinheiro ou outras irregularidades nos exercícios fiscais examinados”.
Os Legionários de Cristo expressam no ponto 10 da declaração um agradecimento profundo àqueles que tornaram possível este processo de renovação, especialmente a Igreja e o Papa, o cardeal Velasio De Paolis e seus conselheiros, todos os Legionários de Cristo, “especialmente aqueles sacerdotes maiores de idade que durante tantos anos nos ofereceram um exemplo de autenticidade e de entrega à missão”, os membros da Regnum Christi e todas as pessoas “que nos acompanharam nestes anos com sua oração e caridade”, dizem.
“Os acontecimentos destes anos marcarão a identidade e a vida da nossa congregação”, assegura a declaração, que afirma: “À luz da Providência divina podemos acolhê-los, enfrentá-los e transformá-los em elo para uma nova etapa da nossa história”.
Em suma, um grande passo para frente para a sobrevivência de uma congregação sem seu fundador, sem seu carisma pessoal e arrastando o peso de um passado marcado pela injustiça, pelos abusos, pelo silêncio e pela destruição de muitas pessoas. Um passo para frente forçado pela vontade de muitos dos que hoje continuam nos Legionários de Cristo, pelos que abandonaram a congregação e pelos que denunciaram – contra qualquer adversidade – os abusos do pederasta Marcial Maciel e pelas vítimas. E, como não, por um Papa que parece ter superado seu primeiro grande desafio.
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Francisco “refunda” os Legionários de Cristo sem deixar vestígio de Marcial Maciel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU