Por: Cesar Sanson | 05 Fevereiro 2014
“Sou um apaixonado pelo que faço, e cheguei a conclusão que toda minha obra é um único e grande filme”, revela o cineasta carioca Silvio Tendler, que está no Rio Grande do Norte para rodar as cenas finais do documentário “Os militares que disseram não”. Com lançamento marcado para 31 de março, o filme, na verdade, já está pronto, mas a presença do ex-fuzileiro naval Raimundo Nonato, potiguar de São Rafael, será uma espécie de arremate, um P.S., o post-scriptum de Tendler que costuma dizer que suas produções “não acabam”. Autor de documentários campeões de bilheteria como “Jango” (1984) e “Os Anos JK” (1980), ele aproveita sua passagem pelo RN para participar de um bate-papo aberto ao público na sede da Fundação Capitania das Artes.
A reportagem é de Yuno Silva e publicada pela Tribuna do Norte, 04-02-2014.
“Como será o debate?”, retruca antes de responder: “Vai depender das pessoas, do que elas vão querer saber”. Na bagagem, o diretor trouxe o filme “Sujeito oculto na rota do Grande Sertão Veredas”, de 2012, onde defende a palavra como patrimônio imaterial.
As três coisas que movem o trabalho de Tendler são o quebra-cabeças, o caleidoscópio e o labirinto, e como os filmes são montados e remontados é gerado um diálogo entre eles; tanto é que neste novo documentário o cineasta desdobra um dos fatos retratado em “Jango”: na cena (real) que mostra militares incumbidos de reprimir um protesto no sindicato dos metalúrgicos do Rio depondo as armas, o primeiro que baixou o fuzil, tirou o capacete e aderiu à manifestação foi Nonato.
“Na época (1964) Raimundo Nonato morava no RJ, estava de plantão naquele dia da manifestação, e disse ‘não vou prender meus companheiros’. Ele não é um cara altamente politizado, agiu com humanidade”, contou Silvio, que localizou o potiguar após indicação de ex-fuzileiros entrevistados no documentário. “Depois da conversa ele me levou pra conhecer a antiga São Rafael (alagada em 1981 para construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves), que reapareceu devido a seca na região”.
O diretor não descarta a possibilidade de fazer um outro filme só sobre a história de Nonato e da cidade de São Rafael. “Cinema tem mil possibilidades, nunca consigo acabar um filme”, confessa. “Trinta anos depois de ‘Jango’ voltei a filmar o mesmo tema, por isso digo que a História não tem ponto final”, garante.
Também conhecido como ‘cineasta dos vencidos’, ele prefere a definição ‘cineasta dos sonhos interrompidos’, “A história mostrou que são vencedores, esse sonho interrompido é justamente o que há de comum em todos os meus personagens”, analisa.
Sempre envolvido em diversos projetos simultâneos, além do lançamento de “Os militares que disseram não” Silvio Tendler também finaliza o documentário “Os advogados contra a ditadura”: “Se passaram 50 anos do golpe Militar e as pessoas ficam discutindo muito sobre justiça, governo Jango... mostro um outro lado, o dos advogados que defenderam presos políticos em um país onde não havia justiça, não havia habeas corpus, quando os julgamentos eram transferidos para tribunais militares – uma farsa da ditadura. E eles (os advogados) enfrentam essa farsa com galhardia e assim salvaram muita gente da morte. Resolvi homenageá-los”, adianta.
Esses dois documentários serão transformados em cinco episódios de 50 minutos cada, para a TV Brasil, e dois longas-metragens. Essa abordagem em torno do tema ditadura Militar ainda inclui “O poema sujo”, onde o diretor fala sobre o exílio do poeta Ferreira Gullar.
Tudo ao mesmo tempo
“Também estou fazendo ‘O veneno está na mesa 2’ (continuação de outro filme lançado em 2011), só que dessa vez com uma pegada mais light, tratando da agroecologia e das alternativas de se cultivar a terra sem agrotóxicos”.
Tendler ainda trabalha em um documentário sobre o processo de privatizações, sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, “contextualizado com governos anteriores”, cujos movimentos eram contrários ao defenderem a presença do Estado na economia. “O moderno capitalismo brasileiro é uma invenção do Estado: Getúlio Vargas montou a Petrobras, entre outras empresas, a partir de uma concepção meio ‘dinossáurica’. Mas foi ela (essa concepção) que fez muita coisa acontecer. Nisso vem JK e inventa o que hoje chamamos de PPP (Parceria Público-Privada) e alavanca a industria automobilística. Uma coisa sempre puxa outra, e acredito que no cinema cabe uma reflexão filosófica”.
É por esses caminhos filosóficos que circula “Alma e Moral”. Silvio está gravando entrevistas com o rabino Nilton Bonder (líder na Congregação Judaica do Brasil) e apresenta dois judeus, um agnóstico e um religioso, que se encontram para discutir as transgressões da alma. “Bonder mostra as transgressões bíblicas e eu mostro as transgressões políticas. Comprovo que os que transgrediram a História tinham razão, aqueles que negaram o lugar comum é que, no final, a vida deu razão”, garante.
“Um homem do bem”
Sobre a morte trágica do cineasta Eduardo Coutinho, Tendler diz ser muito triste: “O Coutinho era um cara absolutamente do bem; não tinha inimigos nem adversários. Cinematograficamente tínhamos divergências, mas era muito amigo dele. Participamos de debates juntos, sempre com muita gentileza e amabilidade. Nossa divergência está no fato dele, que foi militante político que fez filme pelo CPC (Centro Popular de Cultura, da UNE), não acreditava mais na eficácia do cinema como arma política; e eu a cada dia acredito mais. Fico muito triste, uma coisa bem dolorosa”.
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Golpe 50 anos. Silvio Tendler recupera história do golpe de 64 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU