17 Dezembro 2015
Jonathan Gonzalez trouxe de arrasto uma grande estátua de São Juan Diego para dentro da Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe dias atrás, não mostrando nenhum sinal de cansaço enquanto se movia através das massas no santuário mariano mais visitado do mundo.
A reportagem é de David Agren, publicada por Catholic News Service, 12-12-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Lavrador do estado mexicano de Hidalgo, Gonzalez percorre 160 quilômetros todos os anos até a basílica sobre o Monte Tepeyac ao norte da Cidade do México, onde uma Virgem Maria de pele escura apareceu ao agricultor indígena Juan Diego em 1531. Gonzalez faz este percurso em nome da fé dizendo: “Ela é a mãe de todos os mexicanos”.
Mas ele também vai à basílica para dar graças pelos “milagres que aconteceram”, embora este ano Gonzalez tenha chegado com um sentimento especial de gratidão e desejando ter a intercessão por sua esposa, que, segundo ele, sofre de câncer.
“Graças a Deus a minha esposa ainda está aqui”, diz ele. “[A Nossa Senhora de] Guadalupe vem, realmente, ajudando muito”.
A história deste homem se parece com a de muitos outros no México, onde a população considera a padroeira nacional mais que uma santa: ela é tida como uma mãe, intercessora e ícone cuja importância transcende os limites da religião.
A cada ano milhões de mexicanos se deslocam à Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, especialmente para a festa do dia 12 de dezembro, com muitos deles fazendo peregrinações de bicicleta ou chegando a pé vindo de estados vizinhos. Alguns chegam do exterior.
Esta fé mostra poucos sinais de enfraquecimento, segundo alguns analistas, enquanto que o crescimento nos Estados Unidos, através das comunidades imigratórias, vem se fortalecendo. Uma telenovela está também apresentando a Nossa Senhora de Guadalupe a outros tantos milhões nas Américas Central e do Sul, onde, juntamente com as Filipinas, a sua devoção possui raízes profundas.
Até mesmo o Papa Francisco já falou da sua importância e irá visitar a basílica em sua viagem ao México em fevereiro, contando aos jornalistas recentemente: “Se não fosse pela Nossa Senhora de Guadalupe, eu não iria” ao México.
Visitantes chegam à basílica durante o ano todo em peregrinações, enquanto que turistas curiosos e viajantes em geral chegam de todos os lados, sejam vestidos de palhaços, sejam usando ternos mariachi.
Alguns mexicanos, no entanto, referem-se a si mesmos como “guadalupanos” (seguidores de Guadalupe), apesar das divergências que possam ter com a Igreja – ou mesmo nem sendo católicos. Frequentemente, eles encontram um sentido de pertença e identidade na padroeira.
“É um símbolo de identidade nacional”, disse o padre jesuíta David Velasco Yanez, professor na universidade ITESO, também jesuíta, em Guadalajara. “As pessoas podem não ser crentes, podem não ser fiéis, nem participarem da vida da Igreja, mas são guadalupanas até os ossos”.
O ex-presidente mexicano Felipe Calderón resumiu estes sentimentos em uma ida à basílica, na qual declarou: “Somos todos guadalupanos”.
A padroeira tem raízes profundas na mitologia e história nacional; a sua imagem aparece em itens tão mundanos como cartões telefônicos e tíquetes lotéricos. Os movimentos de independência e revolucionários marchavam atrás de imagens de Nossa Senhora de Guadalupe, muito embora os revolucionários eram declaradamente anticlericais. Mais recentemente, o perpétuo candidato Andrés Manuel Lopez Obrador tentou trazer junto de si forças para unificar as massas nomeando o seu partido político arrivista de “MORENA” – senhora de pele morena, nome comum dado à padroeira.
“Quando as pessoas querem manter a sua religiosidade sem manter lealdade à hierarquia da Igreja, elas se tornam guadalupanas”, disse Ilan Semo, historiador político da Universidade Ibero-Americana, instituição jesuíta no país.
Uma pesquisa realizada em 2014 pelo Gabinete de Comunicación Estratégica descobriu que 66% dos participantes afirmava que a Nossa Senhora de Guadalupe era “muito milagreira”. Outros 49% reconheciam ir à igreja no dia 12 de dezembro, quando se comemora o dia da padroeira.
O Pe. Hugo Valdemar Romero, porta-voz da Arquidiocese da Cidade do México, disse ver sinais de uma devoção em expansão, já que o número de peregrinos e viagens à basílica aumenta a cada ano.
O porta-voz afirmou que a devoção no exterior tem aumentado também, na medida em que os mexicanos carregam imagens da virgem aos lugares para onde viajam e a telenovela “La Rosa de Guadalupe” ganha audiência em países de língua espanhola, apesar de ser “simples” e “banal” em muitos momentos.
“Tem crescido a devoção à Nossa Senhora de Guadalupe na América Latina, através da transmissão de programas de TV”, diz o Pe. Valdemar.
Segundo os analistas, o comércio em torno de Nossa Senhora de Guadalupe apresenta alguns problemas potenciais. O terreno da basílica se expandiu na última década após doações do governo da Cidade do México e do empresário bilionário Carlos Slim Helu, causando conflitos com os vendedores locais.
A novela também representa a fé de um jeito problemático, retratando Nossa Senhora de Guadalupe como pouco mais do que uma operadora de milagres.
“É uma caricatura, tem a ver com pedir a sua ajuda quando se está numa situação extrema de vulnerabilidade”, afirma Bernardo Barranco, professor e escritor sobre temas católicos no México.
“O maior risco não é a fé dos mexicanos. Não é a devoção das comunidades que organizam a devoção, mas principalmente o uso pelas transmissoras e pela própria arquidiocese. É a comercialização”.
A canonização de São Juan Diego não vem sendo bem vista pelos guadalupanos, com os analistas dizendo que uma figura auxiliar jamais irá receber o mesmo apoio.
“A virgem é a mãe de Deus”, diz Gonzalez, quem carregava a estátua de São Juan Diego enquanto seus amigos carregavam uma imagem de Guadalupe.
Na basílica, a maioria dos entrevistados expressavam motivos simples, não políticos para as suas viagens à região.
“Nós viemos para dar graças por tudo: trabalho, família, saúde”, disse Jesus Romero, motorista do prefeito de uma cidadezinha no interior de Hidalgo.
Romero viajou com outros 66 ciclistas por seis horas até a basílica pelo 18º ano seguido, ainda que tenha viajado para este lugar em outras ocasiões, tendo ido visitar o santuário de joelhos para pedir pela “unidade familiar”.
Todos os meses Rafael Camacho e sua esposa, Sofia Palomar, distribuem gratuitamente 100 tacos, comida típica do México, como uma maneira de retribuir uma “manda” (pedido) pela recuperação da mãe de Palomar, que se encontrava em coma induzido após um ataque cardíaco três anos atrás.
“Ele á tudo”, diz Camacho sobre a virgem e o seu papel no país. “Todo mundo a admira”.
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Mais que uma santa, Nossa Senhora de Guadalupe representa a identidade mexicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU