05 Novembro 2015
Quarta-feira, 4 de novembro de 1969. Há 46 anos, na Alameda Casa Branca, Jardim América, zona oeste paulistana, um dos grandes nomes da resistência à ditadura militar no Brasil é brutalmente assassinado pelos agentes da repressão que há muito o perseguiam. Seu nome: Carlos Marighella. “Ainda é proibido falar de Marighella nesse país. Talvez porque no Brasil as forças que predominam, que têm o protagonismo nos processos políticos, sejam ainda as mesmas que apoiaram a ditadura. Talvez por isso haja essa hesitação em celebrar Marighella”, afirma Carlos Marighella Filho, que perdeu o pai aos 21 anos de idade.
A reportagem é de Talula Mel, publicada por Painel Acadêmico, 04-11-2015.
Apesar do silêncio institucional que ainda paira em torno de seu nome, o dia de hoje foi marcado por homenagens tanto em São Paulo, onde ele foi morto, na Bahia, sua terra natal, e também em outros estados, como Pernambuco e Pará, onde centenas de pessoas celebram a data como um marco histórico da resistência popular.
“A gente pode dizer que, sem dúvida nenhuma, Marighella foi um dos grandes lutadores pela democracia, pelas liberdades, isso realmente era uma essência da atuação política dele. Ele não aceitou as ditaduras, e lutou contra elas correndo riscos incríveis. Ele ficou preso durante quase nove anos na ditadura Vargas, foi preso também em 1964 e depois brutalmente assassinado. Ele é uma inspiração”, ressalta seu filho, que também traçou uma trajetória política de resistência e, por conta disto, passou por episódios brutais de repressão durante o regime militar, nos anos seguintes à morte de seu pai.
O baiano Carlos Marighella iniciou sua militância aos 18 anos, quando se filiou ao Partido Comunista Brasileiro. Preso em 1936, durante a ditadura de Getúlio Vargas, foi eleito deputado federal constituinte em 1946 e, no ano seguinte, teve o mandato cassado. Quase 20 anos depois, foi preso pela Dops (Delegacia de Ordem Política e Social). Em 1968, fundou a ALN (Ação Libertadora Nacional), grupo armado de resistência à ditadura. No dia 4 de novembro de 1969 foi emboscado e assassinado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Esperança
Mesmo com os sucessivos avanços conservadores no Congresso Nacional, como a recente aprovação do projeto de Lei que dificulta até mesmo o acesso da pílula do dia seguinte para mulheres vítimas de aborto, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Carlinhos Marighella, como é chamado o primogênito do líder revolucionário, se diz “esperançoso” em relação aos rumos políticos do Brasil.
“É claro que a ditadura naquela época foi totalmente inspirada por esses mesmos segmentos conservadores que se mantêm no poder, que têm o domínio econômico, que dominam os negócios e a nossa economia, que elegem deputados. O poder da grana ainda é um poder muito forte no Brasil, isso ainda não foi uma coisa suprimida, mas eu vejo com muita confiança que esse retrocesso não vai avançar”, afirma. "Eu fui de uma geração que lutou muito contra a ditadura, que lutou muito politicamente. Eu espero que a atual juventude brasileira assuma suas responsabilidades, que participe do debate, que opine, que não se omita", completa.
Para Carlinhos, no entanto, a impunidade dos agentes que cometeram crimes na ditadura dificulta o processo de tomada de consciência dos brasileiros sobre sua própria história. De acordo com ele, a morte do ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas de São Paulo) no período de 1970 a 1974, no último dia 15 de outubro, é um exemplo da impunidade aos agentes da ditadura que nunca foram condenados pelos crimes que cometeram contra toda a nação. Processado por diversas vítimas de suas ações, Ustra nunca foi condenado por nenhum de seus crimes na Justiça.
“Efetivamente, não há como deixar de assinalar que toda essa desesperança que aí está também decorre do fato de que o Brasil não rejeitou a ditadura firmemente. A Comissão da Verdade apura responsabilidades, mas isso também não avança no sentido de punir os agentes que cometeram crimes, mais do que crimes políticos, mas crimes comuns contra a humanidade. Tudo isso dá uma sensação de impunidade que, de um lado, estimula essas ‘desbandeiras saudosas’ e, de outro lado, desanima aqueles que lutam e acreditam que é importante criar uma sociedade que respeite as liberdades públicas e individuais”, afirma.
Ele ressalta que não devem ser considerados inexpressivos os que se manifestam saudosos da velha ditadura, o que não deve ser aceito de forma alguma, mas que “o mundo de hoje não é o mesmo daquela época”, no que diz respeito aos avanços institucionais que o Brasil experimentou nos últimos anos. Além disso, a conjuntura internacional, fundamental na efetivação dos golpes que sucederam na América Latina, mudou significativamente. “Nós não teríamos ditadura no Brasil se não fosse o apoio dos grandes países da Europa e dos Estados Unidos”, relembra. Para as novas gerações, ter acesso a essa memória e à história recente do país é fundamental para a construção de uma sociedade mais igualitária, princípio fundamental das bandeiras levantadas por Marighella.
Legado
Muito do espírito ‘esperançoso’ de Marighella Filho se justifica na inspiração que novos militantes têm em seu pai, sua história de vida e de líder político
Carlos Marighella, 1911-1969
“Se eu tivesse que dizer, tentando uma interpretação do que Marighella pensaria e recomendaria à nossa juventude, é que ela participe, que dê suas opiniões, não se omita, porque foi isso que Marighella fez a vida toda. Ele discordava das ditaduras e as enfrentou de todo modo possível. Todo jovem sabe como expressar o seu inconformismo, ou a sua admiração por alguém, por uma bandeira, por uma luta, e todo jovem sabe ocupar uma trincheira política. O que se espera é que a juventude ocupe essas trincheiras, exprima as suas opiniões e assuma suas responsabilidades. O Brasil avançou muito mas ainda é um país onde há muita coisa para se fazer e se construir. A gente é muito carente de heróis que tenham efetivamente dedicado sua vida a nos inspirar na luta pelas liberdades, e Marighella é exatamente isso”.
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Ainda é proibido falar sobre meu pai nesse país', afirma filho de Marighella - Instituto Humanitas Unisinos - IHU