Por: Jonas | 01 Outubro 2015
“Agora que se aproxima a segunda parte deste Sínodo consagrado à família, estimamos em consciência que é nosso dever expressar à Sé Apostólica a profunda angústia que nos apreende ao pensar nas “conclusões” que poderiam ser propostas nesta ocasião, se por grande desgraça ocorra um novo ataque contra a santidade do matrimônio e da família, uma nova fragilização da natureza da sociedade conjugal e dos lares”, escreve dom Bernard Fellay (foto), superior geral da Fraternidade São Pio X, em carta direcionada ao papa Francisco e publicada por Religión Digital, 29-09-2015. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/OuF8gu |
Eis a carta.
Santo Padre, com viva inquietude, comprovamos ao nosso redor a degradação progressiva do matrimônio e da família, origem e fundamento de toda a sociedade humana. Esta dissolução se acelera com força, sobretudo pela promoção legal dos comportamentos mais imorais e depravados. A lei de Deus, incluindo a simplesmente natural, é atualmente pisoteada publicamente, os pecados mais graves se multiplicam de maneira dramática e clamam vingança ao céu.
Santo Padre, não podemos negar que a primeira parte do Sínodo dedicada a “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização” nos alarmou vivamente. Temos escutado e lido, de pessoas constituídas em dignidade eclesiástica – que se atribuem o seu respaldo, sem serem desmentidas -, afirmações tão contrárias à verdade, tão opostas à doutrina clara e constante da Igreja no que diz respeito à santidade do matrimônio, que nossa alma se viu profundamente perturbada. O que nos inquieta ainda mais são algumas de suas palavras, que dão a entender que poderia ocorrer uma evolução da doutrina para responder as novas necessidades do povo cristão. Nossa inquietude brota da condenação que São Pio fez, em sua encíclica Pascendi, sobre a acomodação do dogma a pretensas exigências contemporâneas. Pio X e o senhor receberam a plenitude do poder de ensinar, de santificar e de governar na obediência a Cristo, que é o chefe e o Pastor do rebanho em todo tempo e em todo lugar, e a quem o Papa deve ser o fiel vigário sobre esta terra. O que foi objeto de uma condenação dogmática não pode se tornar, com o tempo, uma prática pastoral autorizada.
Deus autor da natureza estabeleceu a união estável do homem e da mulher visando perpetuar a espécie humana. A Revelação do Antigo Testamento nos ensina de modo claríssimo que o matrimônio, único e indissolúvel, entre um homem e uma mulher, foi estabelecido diretamente por Deus e que suas características essenciais foram subtraídas à livre escolha dos homens para permanecer sob uma proteção divina particularíssima: “Não cobiçarás a mulher do seu próximo” (Êxodo 20, 17).
O Evangelho nos ensina que o próprio Jesus, em virtude de sua autoridade suprema, restabeleceu definitivamente o matrimônio, alterado pela corrupção dos homens em sua pureza primitiva: “O que Deus uniu, nenhum homem separe” (Mateus 19, 6).
É glória da Igreja católica, ao longo dos séculos, ter defendido contra ventos e marés, apesar das solicitações, ameaças e tentações, a realidade humana e divina do matrimônio. Sempre levou bem alto – inclusive quando homens corruptos a abandonaram apenas por este motivo – a bandeira da fidelidade, da pureza e da fecundidade que caracterizam o verdadeiro amor conjugal e familiar.
Agora que se aproxima a segunda parte deste Sínodo consagrado à família, estimamos em consciência que é nosso dever expressar à Sé Apostólica a profunda angústia que nos apreende ao pensar nas “conclusões” que poderiam ser propostas nesta ocasião, se por grande desgraça ocorra um novo ataque contra a santidade do matrimônio e da família, uma nova fragilização da natureza da sociedade conjugal e dos lares. Esperamos de todo o coração que, ao contrário, o Sínodo seja uma obra de verdadeira misericórdia, recordando, para o bem das almas, a doutrina salvífica íntegra referente ao matrimônio.
Temos plena consciência, no contexto atual, que as pessoas que se encontram em situações matrimoniais anormais devem ser acolhidas pastoralmente, com compaixão, para lhes mostrar o rosto misericordiosíssimo do Deus de amor que a Igreja dá a conhecer.
No entanto, a lei de Deus, expressão de sua eterna caridade para com os homens, constitui em si mesma a suprema misericórdia para todos os tempos, todas as pessoas e todas as situações. Rezamos, pois, para que a verdade evangélica do matrimônio, que o Sínodo deveria proclamar, não seja na prática evadida mediante múltiplas “exceções pastorais” que desnaturalizam seu verdadeiro sentido, ou por uma legislação que anularia quase infalivelmente seu alcance real. A esse respeito, não podemos esconder que as recentes disposições canônicas do Motu próprio Mitis iudex Dominus Iesus, que permitem declarações de nulidade aceleradas, abrirão de fato as portas a um procedimento de “divórcio católico” sem levar esse nome, apesar das referências à indissolubilidade do matrimônio que o acompanham. Estas disposições caminham na direção da evolução dos costumes contemporâneos, sem procurar de retificá-las segundo a lei divina: como, pois, não estar comovido pelo destino das crianças nascidas destes matrimônios anulados de maneira acelerada, que serão as tristes vítimas da “cultura do descarte”?
No século XVI, o papa Clemente VII negou a Enrique VIII da Inglaterra o divórcio que este solicitava. Frente à ameaça do cisma anglicano, o Papa manteve, contra todas as pressões, o ensinamento imodificável de Cristo e de sua Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio. Veremos, agora, esta decisão desaprovada por um “arrependimento canônico”?
Em todo o mundo, nestes últimos tempos, numerosas famílias se mobilizaram corajosamente contra as leis civis que estilhaçavam a família natural e cristã e que impulsionam publicamente comportamentos infames, contrários à moral mais elementar.
Pode a Igreja abandonar aqueles que, às vezes em detrimento próprio e sempre sob escárnios e ataques, fazem este combate necessário, porém difícil? Isso constituiria um contratestemunho desastroso e seria para estas pessoas fonte de desgosto e desalento. Os homens da Igreja, ao contrário, pela sua própria missão devem apresentar um apoio firme e motivado.
Santo Padre, pela honra de nosso Senhor Jesus Cristo, para consolo da Igreja e de todos os fiéis católicos, pelo bem da sociedade e da humanidade toda, nesta hora crucial, suplicamos, pois, que faça ressoar no mundo uma palavra de verdade, de clareza e de firmeza em defesa do matrimônio cristão, e inclusive simplesmente humano, para sustento de seu fundamento, a saber, a diferença e complementaridade dos sexos, como apoio de sua unicidade e de sua indissolubilidade.
Confiamos esta humilde súplica ao patrocínio de São João Batista, que conheceu o martírio por ter defendido publicamente, contra uma autoridade civil comprometida por um “novo matrimônio” escandaloso, a santidade e a unicidade do matrimônio, suplicando ao Precursor que conceda a Vossa Santidade o valor de recordar para o mundo inteiro a verdadeira doutrina do matrimônio natural e cristão.
Na festa de Nossa Senhora das Dores, 15 de setembro de 2015.
Dom Bernard Fellay - superior geral da Fraternidade São Pio X
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Fellay ao Papa: “A lei de Deus é atualmente pisoteada publicamente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU