21 Setembro 2015
Por ocasião do 70º aniversário (1945-2015) da morte de Dietrich Bonhoeffer, a Editora Queriniana publica a edição em brochura (da edição crítica) do comentário de Bonhoeffer aos Salmos, com o prefácio, aqui publicado, do biblista Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e presidente do Pontifício Conselho para a Cultura.
O artigo foi publicado no blog Teologi@Internet, 18-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com as suas 19.531 palavras hebraicas, o Saltério é, por amplitude, o terceiro livro veterotestamentário, depois dos de Jeremias e do Gênesis. Mas a sua presença na história da tradição judaica, primeiro, e cristã, depois, foi primordial. Pense-se, por exemplo, que, das cerca de 60.000 citações bíblicas que pontilham os escritos de Santo Agostinho, 20.000 pertencem às Escrituras hebraicas, e delas 11.500 são tomadas dos Salmos, o livro sagrado mais citado depois dos Evangelhos.
Mas não é só o aspecto quantitativo que domina. O próprio Padre da Igreja, de fato, nas suas Enarrationes in Psalmos, exclamava: "Psalterium meum, gaudium meum!" (PL 37,1775), dando voz idealmente a uma apaixonada adesão coral que continuaria por séculos na cristandade.
Essa mesma adesão alegre e mística permeia também o breve e denso texto que Dietrich Bonhoeffer dedicou aos salmos. De fato, ele confessa:
Quem começou a rezar o Saltério com seriedade e regularidade, bem logo "se despedirá" das outras mais fáceis e familiares "orações devocionais", dizendo: "Aqui não há o vigor, a força, o ímpeto e o fogo que eu encontro no Saltério, tudo parece frio e árido" (Lutero).
Porém, não é uma sintonia sentimental para a qual "o eco de toda a nossa invocação permanece confinada dentro do nosso eu". O rezar sálmico genuíno, de fato, é graça; brota de um diálogo aberto por Deus mesmo: assim como "a criança aprende a falar enquanto o pai lhe fala [...], do mesmo modo aprendemos a falar com Deus, enquanto Deus nos falou e nos fala".
Sob essa luz, não deveria surpreender que, na Bíblia, que é por excelência Palavra de Deus, nos deparamos com um livro de orações.
A um primeiro olhar, é muito surpreendente encontrar na Bíblia um livro de oração. De fato, a Sagrada Escritura é a Palavra de Deus para nós, enquanto as orações são palavras humanas. Por que elas entram na Bíblia? [...] A Bíblia é Palavra de Deus também nos salmos. Mas, então, as orações a Deus são Palavra de Deus?
A resposta a essa interrogação está justamente na natureza dialógica das Escrituras, mas especialmente na sua pedra fundamental que é a figura do Filho, de Jesus Cristo, Deus e homem. É ele que transfigura a palavra humana orante em Palavra divina bendizente.
Jesus Cristo levou perante Deus toda miséria, toda alegria, toda gratidão e toda esperança dos homens. Nos seus lábios, a palavra humana torna-se Palavra de Deus e, no nosso participar na sua oração, a Palavra de Deus se faz por sua vez palavra humana.
O eixo hermenêutico que Bonhoeffer adota erigindo-o a chave constante de leitura dos salmos é, portanto, cristológico: "Se a Bíblia contém também um livro de oração, isso nos ensina que a Palavra de Deus não é só aquela que Deus nos diz, mas também aquela que ele quer ouvir de nós, como Palavra do Filho que ele ama".
O arco inteiro da nossa existência humana é assumido por Cristo e transformado em glória divina, mesmo no momento mais sombrio, porque "Jesus morreu na cruz com as palavras dos salmos nos lábios" (cfr. Mt 27, 46 e Sl 22, 2; Lc 23, 46 e Sl 31, 6). De fato, o grande teólogo e testemunha cristã não hesita em responder também à questão mais espinhosa: "Como pode Cristo rezar com os salmos" que confessam uma culpa? Pois bem, os chamados "salmos penitenciais", na realidade, além de serem expressão da confiança pura na graça divina que lança para trás o pecado (razão pela qual Lutero os definia como "salmos paulinos"), são prova da expiação redentora de Cristo para a nossa salvação: "Jesus reza pela remissão do pecado, não por causa de um pecado seu, mas por causa do nosso pecado que ele assumiu, pelo qual sofre".
* * *
É sabido, porém, que o Saltério também é um texto poético que deve ser submetido à análise histórico-crítica, como já tinha intuído São Jerônimo, que, na sua Carta 53 a Paulino não hesitava em escrever que "Davi é o nosso Simônides, o nossa Píndaro, o nosso Alceu, o nosso Flaco, o nosso Catulo. É a lira que canta Cristo!" (PL 22,545). O livro se revela, de fato, como um canteiro de obras para a crítica textual, por causa da sua secular transmissão e das relativas modificações e até mesmo degenerações. Apresenta-se também como um laboratório filológico, seja em razão da disparidade cronológica na composição dos vários carmes, seja pelas características lexicais muito variadas, seja pelas passagens do original hebraico à versão grega do Septuaginta e ao texto massorético vocalizado final.
O Saltério também é um campo fecundo de análise literária: pense-se na questão dos vários gêneros literários, nas estruturas poéticas muitas vezes sofisticadas refinadas e complexas, no fascinante desdobramento das imagens que tornam os Salmos "um jardim de símbolos", para usar uma expressão do grande poeta Thomas S. Eliot. Também não se pode ignorar as reinterpretações que, como acontece com os cantos reais, podem transferir certas composições sálmicas ao horizonte messiânico, como fariam os Setenta para todo o Saltério e como aconteceu na liturgia e na teologia cristã através da perspectiva cristológica.
Bonhoeffer, embora de modo muito simplificado, também está ciente de todos esses problemas exegéticos, a partir da simbólica e fictícia atribuição a Davi, "o cantor do Espírito Santo... o sumo cantor do sumo guia", como Dante o definira (Paraíso 20, 38; 25, 72).
Eis, então, a escolha de organizar a sua síntese introdutória ao Saltério através de um decálogo temático que é também uma catalogação dos vários registros e gêneros literários que regem as 150 composições sálmicas. Passa-se, assim, dos hinos que cantam a criação, contemplada não tanto liricamente, mas em um ato adorante, à lei divina celebrada como meditação da "ação redentora de Deus e prescrição de uma nova vida na obediência", até a história da salvação, exaltada como uma sequência de atos divinos que do Egito chegam ao Gólgota, porque é em Cristo que se tem o cumprimento do itinerário salvífico.
A história salvífica, depois, tem um ancoradouro com a erupção da figura do Messias, cujo rosto, naturalmente, é relido à luz do de Cristo. Nos salmos dedicados a Sião e ao seu templo, intui-se o perfil da "igreja de Deus em todo o mundo e de cada lugar onde Deus habita junto à sua comunidade na Palavra e no sacramento".
A mesma "terrenicidade" de muitos salmos em que domina a invocação por uma cotidianidade serena é coerente com a encarnação cristã, razão pela qual
não devemos ter escrúpulos de consciência de rezar com o Saltério para obter vida, saúde, paz, bens terrenos, contanto que, com o Salmo, reconheçamos em tudo isso os sinais da comunhão de graça que Deus nos concede e mantenhamos bem firme que a benevolência de Deus é preferível à vida (Sl 63, 4; 73, 25s.).
Nessa linha também se coloca o amplo espectro obscuro das súplicas nas quais se estende o planeta tenebroso do sofrimento, da luta, do medo, da dúvida.
"Quem sofre, combate contra Deus em defesa de Deus", observa Bonhoeffer, que, no entanto, nesse horizonte, vê mais uma vez erguer-se a figura de Jesus paciente, "o único que provou integralmente" o sofrimento, irradiando-o, porém, com a sua confiança e com a sua própria divindade que vence e transcende o mal.
Assim acontece, como se disse, com os salmos "penitenciais" e também para os embaraçosos "salmos imprecatórios", marcados por um anseio ardente de vingança. A pergunta, nesse caso, é óbvia: eles encarnam talvez "um grau inferior de religiosidade"? "Podemos, portanto, como cristãos, rezar esses salmos?".
E a resposta é, mais uma vez, cristológica. "A oração pela vingança de Deus é a oração pela plena aplicação da sua justiça ao julgar os pecados"; mas temos esse cumprimento "não pela via mais costumeira". "A vingança de Deus, de fato, não atingiu os pecadores, mas o único inocente, que tomou o lugar dos pecadores, o Filho de Deus. Jesus Cristo assumiu o peso da vingança de Deus", da realização da necessária justiça em relação ao mal.
Criação, lei, história da salvação, messias, Sião-igreja, vida, sofrimento, culpa, vingança: o decálogo dos gêneros sálmicos delineado por Bonhoeffer se conclui com um olhar projetado para a última meta, que é também o último tema, "o fim" [la fine], ou, talvez melhor, "a finalidade" [il fine] de todo o ser e existir, a escatologia.
"O objeto da oração nos Salmos é a vida em comunhão com o Deus da revelação, a vitória final de Deus no mundo e a instauração do reino messiânico." É a mesma meta a que nos conduz o Novo Testamento, é o mesmo fôlego que sustenta o Pai Nosso, considerado por Bonhoeffer como a summa ideal do Saltério.
Por isso, "a única coisa importante é recomeçar de novo, com fidelidade e amor, a rezar os Salmos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo".
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O Saltério nas reflexões de Bonhoeffer. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU