28 Julho 2015
É possível que nem mesmo os cidadãos europeus, democráticos e modernos, entendam a insensatez de 28 Estados ligados por uma união formal que gastam centenas de bilhões para manter 28 exércitos nacionais? Parecemos incapazes de repassar a história do século passado e captar os nexos que conectam os defaults econômicos a duas guerras mundiais e a fascismo, nazismo, franquismo, salazarismo, petainismo? Tentemos ao menos entender para onde estamos indo.
A opinião é da jornalista e escritora italiana Giancarla Codrignani, ex-deputada italiana pela Esquerda Independente e sócia-fundadora da associação Viandanti, em artigo publicado no sítio da associação, 22-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Esperamos que a ninguém venha à mente acreditar que se gritou o lobo quando o lobo não existia. Todos viram e continuam vendo que os lobos ainda existem, todos, e têm dentes prontos para dilacerar, sobretudo porque se encontram em um sistema sem saída e não se renderão sem continuar buscando cordeiros para dilacerar.
A globalização indica uma alternativa clara
O neocapitalismo, desde que se tornou mais financeiro do que econômico, procede em meio às destruições e atenta agora aos equilíbrios democráticos. No entanto, ele também está dentro da transformação radical à qual a história levou a globalização e, ao mesmo tempo, continuará recusando concessões, vem gerindo o seu domínio no vácuo virtual e improdutivo dos derivados, dos bad banks e da compra e venda até mesmo das dívidas de países insolventes (a Itália arriscou perder mais de 40 bilhões da dívida grega comprada).
No entanto, é assim que ele controla os Estados, induzidos todos, na Europa, a inserir nas suas leis fundamentais o equilíbrio de orçamento: impossível pensar na soberania das nações individuais para escapar das garras de um poder cruzado e inaferrável formado por bancos, seguradoras, multinacionais, crime organizado e assim por diante. Portanto, por enquanto, que nenhum dos endividados pense que seja possível um bis do caso grego.
O jornal Il Sole 24 Ore do dia 19 de julho lembrava que a dívida mundial supera os 200 trilhões. A Europa faz a sua parte, e a Alemanha (nem mesmo ela, isenta de dívidas) mantém uma boa relação com o PIB e só por isso imagina que pode colocar na linha todos os outros.
Mas a especulação é sistêmica e não poupa ninguém. Romano Prodi constatava nesses dias que "a globalização nos coloca diante de uma alternativa muito clara: ou construímos uma autêntica autoridade federal ou as forças nacionais, que se tornaram totalmente dominantes em relação às instituições europeias, irão reduzir novamente a Europa aos pedaços".
Código vermelho não só para Atenas
A Grécia é um país pequeno, que entra no PIB europeu apenas com 2% e, no cálculo da imponente dívida coletiva, com 3%. Porém, esses percentuais eram capazes de pôr de joelhos toda a União Europeia e despedaçá-la em 28 mônadas insignificantes.
O castelo de segurança em que pensamos viver é de papel, e a certeza de um PIB comunitário, possivelmente renovado nos conteúdos, como garantia do equilíbrio interno, se tornou uma necessidade. De fato, se a Grécia ainda não está totalmente em segurança, a França, a Itália (cuja dívida cresceu ainda mais nessas semanas) e o Chipre, os países mais em risco (mas até a própria Alemanha) a salvaram para evitar que o jogo derrubasse juntos todos os pinos.
Infelizmente, a operação de reentrada nos parâmetros obrigatórios – que alguns definem coo imaginários (e que provavelmente o são) – agiu e agirá com cortes nas pensões, serviços sociais, fiscalidade comum e sacrifícios para todos: especialmente embaixo, em detrimento de trabalhadores e da classe média, porque os gastos públicos são a vítima sacrificial – denunciada, além disso, como responsável pela crise – da fiscalidade geral. Em suma, ainda há um código vermelho não só para Atenas.
A questão geopolítica
Como há 2.500 anos: sempre chegam os embaixadores dos poderosos e humilham os habitantes da pequena ilha: como vocês não podem ser autônomos, ou vocês se adaptam ao nosso ditame ou viremos com os tanques. Depois, os poderosos atenienses de 416 a.C. perderam a guerra e, com a chegada dos "30 tiranos", também deram fim à democracia.
Em 2015, o quadro não é menos complexo. O barulho da mídia fez ressoar bem os sinos helênicos, mas não evidenciou a queda da bolsa de Xangai (foram perdidos três bilhões de dólares) nos mesmos dias do terremoto grego: obviamente, as informações são as reconfortantes do governo chinês, mas os economistas sérios temem uma futura crise "big one" global; nós, europeus, só podemos contar com a União e com o euro para tornar profícua a interdependência.
Por outro lado, não se diz, mas um fator importante para a manutenção da Grécia na União foi a dúbia estabilidade da área mediterrânea e do Oriente Médio, na presença de conflitos não mais apenas potenciais. De fato, não é por acaso que o orçamento de defesa da Grécia, país pertencente à Otan, é cada vez mais imponente. Além disso, tanto Obama quanto a troika sabiam do interesse de Putin para as zonas estratégicas.
Não União, só Zona do Euro
Muitas são as vozes que consideram necessária uma oposição que tome o exemplo de Tsipras que respeitou o povo chamando-o a um referendo (embora as pessoas votaram "não" para dizer "sim"), que se remeta aos princípios de um "novo internacionalismo do trabalho", de uma "esquerda alternativa", de uma resistência "à tirania da Europa usurária" e que temem perdida a "Europa social, a Europa dos direitos".
Até mesmo Luciana Castellina, que também compartilha o pessimismo e teme "as tentações autoritárias", acredita que "não é revolucionário bater a cabeça contra a parede, sem avaliar se se quebrará a cabeça ou se se destruirá a parede". De fato, falta uma "visão" na base dos protestos, e não é suficiente dizer que "somos todos gregos" para sair das chantagens: o risco, ao contrário, é o de ajudar os inimigos do euro e da União Europeia.
De fato, se a Europa fosse uma verdadeira "União", ela teria não só uma moeda única, mas também um orçamento único e apenas a legislação fiscal única. E o caso grego nunca teria nascido. Hoje, é uma "zona do euro" instável, sem cooperação interparlamentar, e o Delors de antigamente repete que a legitimação institucional é tanto da União quanto dos países membros (ou seja, tanto da Comissão Europeia quanto da Grécia).
É possível que nem mesmo nós, cidadãos, democráticos e modernos, entendamos a insensatez de 28 Estados ligados por uma união formal que gastam centenas de bilhões para manter 28 exércitos nacionais? Parecemos incapazes de repassar a história do século passado e captar os nexos que conectam os defaults econômicos a duas guerras mundiais e a fascismo, nazismo, franquismo, salazarismo, petainismo? Tentemos ao menos entender para onde estamos indo...
A falta de novas "visões"
Se nos sentíssemos realmente europeus – talvez à espera de nos tornarmos cidadãos do mundo – entenderíamos por que a soberania nacional – a Constituição italiana diz isso explicitamente – deve dar um passo para trás diante da soberania europeia.
De fato, os países que optaram por ficar de fora do euro vivem os mesmos problemas, e, não por acaso, os seus eleitores, por medo, passaram para as direitas: as crises desprovidas de alternativas projetuais – só o papa pode falar dos direitos e dos deveres sem ter que anexar as previsões orçamentais (e, por isso, habita o imaginário da esquerda radical) – penalizam as democracias, especialmente aquelas do terceiro milênio, que não sabem elaborar o fim dos velhos partidos, que, liberais ou socialistas, não souberam se revitalizar com novas "visões", enquanto o consenso se orienta rumo a "movimentos" indefiníveis, que podem ser indiferentemente M5S na Itália ou "lepenistas" na França.
Não faltaram os alarmismos sobre futuras Weimar e possíveis fascismos: o descontentamento das pessoas (antigamente se dizia "das massas") diante de crises, desemprego, esperanças revolucionárias do comunismo que se disseminaram depois da "vitória" de 1918, produziram o terreno de cultura para uma antipolítica ruinosa.
Estranhos partidos: nacionalistas e xenófobos
Hoje, a confusão não é menor, e que, está "à esquerda" se encontra ao lado de Beppe Grillo, Salvini e Giorgia Melloni; sem falar de Le Pen, Farage e Aurora Dourada, ou mesmo dos Gregos Independentes (Anexartitoi Ellines), nacionalistas e xenófobos, mas no governo com Tsipras.
Enquanto isso, as social-democracias do norte da Europa, já impossibilitadas de fazer crescer o bem-estar social, cederam o governo às direitas e assistem o crescimento de estranhos partidos: na Finlândia, os "Verdadeiros Filandeses", na Dinamarca, o "Partido Popular Dinamarquês", na Noruega, o "Partido do Progresso" (o do terrorista Breivik), na Suécia, os "Democratas Suecos"; enquanto na Alemanha dos cristão-democratas da velha CDU, cresceu a Alternative fur Deutschland temida por Merkel e até mesmo o "Pegida", o Partido dos Europeus contra a Islamização.
Todos nacionalistas e xenófobos: eles preocupam porque não tínhamos nos dado conta da emigração sueca à mais rica Noruega ou do "stop" de Cameron aos imigrantes, com referência também aos nossos jovens formados que trabalham em Londres.
Também por isso – gostemos ou não – o mínimo para sustentar a democracia vacilante dos nossos países é voltar, custe o que custar, a "fazer a Europa".
Voltar a "fazer a Europa"
Portanto, vale a pergunta otimista: "E se a crise grega fosse uma oportunidade?". Distanciemo-nos por um momento das palavras enfurecidas de Varoufakis, Tsipras, Schaeuble ou das críticas nunca preventivas de Krugman, Piketty, Habermas e Bauman, e voltemos a pensar com a nossa cabeça.
Para quem espera o federalismo de antigamente é triste sentir a Europa reduzida a mito: ela não era uma utopia nem mesmo para os fundadores da Liga da Paz e da Liberdade, que, em 1867, queriam uma federação republicana europeia e uma Constituição comum para evitar as guerras e representar uma garantia de paz entre as nações.
E a sua revista, Les Etats-Unis d'Europe – pensem, que título! – foi fechada apenas em 1939, nos primeiros sinais da guerra.
Hoje, a Grécia foi "humilhada", e a Europa sofreu uma "derrota"? E então? O primeiro Parlamento europeu nasceu expropriado da razão política, nas mãos do Conselho dos governos – quase uma troika –, dentro de uma Comunidade apenas econômica.
Altiero Spinelli voltava de Bruxelas furioso por ter tido que suportar a política dos pequenos passos, do piétiner sur place, dos adiamentos a tempo indeterminado. Mas ele nunca pensou em jogar a toalha: o objetivo era importante demais e requeria "paciência".
Hoje, ele também estaria deprimido, mas a amargura de temer o desmoronamento de toda a construção nunca o impediria de exortar Bruxelas gritando ou mediando e de empregar todas as palavras para reformar os tratados, para pedir maior unidade, para não voltar a Ventotene [do Manifesto por uma Europa Livre e Unida]. Por outro lado, quando mesmo? Ventotene permanece sempre.
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Crise grega? Não, europeia. Artigo de Giancarla Codrignani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU