16 Junho 2015
A tecnologia desencadeia e acelera a mudança (sempre junto com outros factores), mas a horizontalidade e/ou a simetria dos processos comunicativos não são definidas/estabelecidas pela dimensão tecnológica, mas pelo fator humano, sempre decisivo também na facilitação/obstaculização da mudança social.
A opinião é do sociólogo italiano Piero Dominici, professor da Universidade de Perugia, em artigo publicado no sítio da associação Stati Generali Innovazione, 16-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A sociedade interconectada e as novas tecnologias da conexão (assim as definimos), além de fazer explodir gradualmente (des-intermediar) qualquer mecanismos de mediação política e/ou social, têm o poder, talvez ilimitado, de estender as possibilidades e as oportunidades comunicativas da humanidade, facilitando a produção, a elaboração e a troca de informações e de conhecimentos entre os indivíduos.
Embora, como já defendemos várias vezes e em tempos insuspeitos, para que isso (a sociedade do conhecimento) se concretize, seja de importância estratégica que sejam protegidos, e não apenas reconhecidos, outros direitos fundamentais, preexistentes aos digitais.
Na base desses processos, uma renovada confiança na racionalidade – embora seja cada vez mais decisivo o papel da "percepção" em todos os processos de decisão, em nível micro e macro – que encontra na rede e nas tecnologias interativas pontos fundamentais de apoio capazes de tornar disponíveis para tod*s, online, uma enorme quantidade de dados, informações e saber acumulado (em 2003, falei de "saber compartilhado").
No entanto, o Sujeito parece ser cada vez mais vulnerável diante da complexidade dessas dinâmicas: uma complexidade que requer cultura e educação, justamente, para a complexidade (1998). A extraordinária potencialização das modalidades comunicativas e a radical diferenciação dos canais de oferta formativa (policentrismo formativo) resultaram em uma crescente capacidade de autodeterminação por parte do Sujeito em termos de escolhas, valores, modelos de comportamento, esquemas cognitivos.
Assim, acabou envolvido no seu complexo o sistema simbólico compartilhado junto com a linguagem (medium) que tenta descrever e representar mais essa mudança.
A civilização de risco, por outro lado, embora se apresentando como extraordinária oportunidade de evolução econômica, política e social, de fato, aumentou significativamente a sensação de insegurança e de vulnerabilidade dentro dos sistemas sociais, alimentando um clima de medo (e/ou de alerta social), tanto em nível local quanto global, que põe radicalmente em discussão o próprio princípio de precaução (Sunstein, 2005), cada vez mais desenganchado da demanda social de proteção.
O sistema-mundo e a nova economia informacional, global e interconectada requerem uma nova sensibilidade para as problemáticas relacionadas com o Sujeito, as relações sociais e, sobretudo, o espaço do saber na perspectiva de um fortalecimento da esfera pública política transnacional.
A sociedade do conhecimento e as novas tecnologias da conexão parecem estar justamente a ponto de criarem comunidades ilimitadas da comunicação, abertas a todos os sujeitos comunicantes, onde não há lugar para condicionamentos, onde todos têm (potencialmente) a possibilidade de produzir e trocar conhecimentos no marco de um sistema em que a comunicação (aparentemente) tornou-se totalmente horizontal, sem qualquer tipo de filtro.
Na realidade, as questões em discussão são mais complexas: a tecnologia desencadeia e acelera a mudança (sempre junto com outros factores), mas a horizontalidade e/ou a simetria dos processos comunicativos não são definidas/estabelecidas pela dimensão tecnológica, mas pelo fator humano, sempre decisivo também na facilitação/obstaculização da mudança (relações sociais -> relações de poder – assimetrias).
A partir de uma realidade complexa como a atual, que oferece a possibilidade de escolher entre múltiplas éticas possíveis, emerge um novo Sujeito mais autônomo e desvinculado em relação aos vínculos do contexto e/ou dos grupos de referência; um Sujeito que tomou consciência da ocorrência do despedaçamento do laço social, da moral religiosa e da dissolução dos tradicionais vínculos éticos.
E não podia ser diferente, já que as fases históricas de mudança social são sempre acompanhadas por grande incerteza e por uma desorientação geral causada pela ausência de um modelo cultural forte e por um vazio normativo.
Sistemas sociais cada vez mais vulneráveis e marcadas pelo risco e por uma racionalidade limitada que mina o terreno de decisões, tanto em nível sistêmico quanto organizativo; mas também existências e vivências sociais cada vez mais precárias e incertas.
Aquela que chamamos anos atrás (2005) de "sociedade hipercomplexa", além de modelos culturais "fortes" e políticas diferentes, requer, talvez – para citar as palavras de um grande estudioso, intelectual "verdadeiro", Stefano Rodotà –, o relançamento de uma utopia necessária (solidariedade-fraternidade) – com mais razão ainda em um contexto de crise global – capaz de soldar novamente os laços sociais e definir as condições da cidadania, segundo uma lógica inclusiva e paritária.
O problema consiste também em tentar entender se, por trás da sociedade e da economia interconectada – que parecem, contudo, capazes de garantir mais oportunidades para uma igualdade das condições de partida para todos os atores sociais –, não se esconde, na realidade, o risco de um maior enfraquecimento do tecido conectivo dos sistemas sociais e de uma passividade generalizada por parte dos indivíduos (pessoas/atores sociais), convencidos de que o virtual é real, para além de uma tradução operativa sua, capaz de produzir mudanças e decisões políticas.
Mas o perigo também é o de uma homologação cultural, verdadeiro terreno fértil para uma civilização do controle social total e da vigilância, capaz de reduzir as margens de liberdade do cidadão/consumidor. Portanto, embora sendo indubitável que a Network Society representa concretamente uma extraordinária possibilidade de emancipação e libertação das forças e das energias do tecido social e global, os Estados-nações devem estar atentos para que a Grande Rede, além de aumentar as possibilidades comunicativas e cognitivas, também contribua para criar um tipo de humanidade culturalmente mais evoluída e aberta, capaz de contrastar aquele que alguns veem como o fim do social e a crise dos mecanismos sociais de confiança e de reciprocidade (Touraine, 2004).
A comunicação, como se sabe, desde as origens das sociedades pré-complexas, alimentou incessantemente o sistema das relações sociais, representando o tecido conectivo dos sistemas sociais (Dominici). Mas tal pressuposto não nos impede de observar como a rede e as mídias sociais estão determinando um salto de qualidade sem precedentes em relação às épocas passadas, justamente com relação à ação social e à práxis comunicativa.
Do mesmo modo, estão se sucedendo muito mais rapidamente as modificações dos mecanismos sociais correlacionados com a confiança e a cooperação (Coleman, 1990), por sua vez, incrementadas pelas redes de proteção e de promoção social – conceito de capital social (Putnam, 2000); intensificam-se os laços de interdependência e de interconexão que inervam o sistema-mundo, com todas as implicações do caso.
Mas a questão fundamental reside no fato de que a sociedade do conhecimento apresenta todas as aparências de uma sociedade global do risco que estendeu, para além de toda fronteira ou limite, as dinâmicas dos conflitos, os riscos, as emergências (reais e potenciais) e as anomalias sistêmicas, que aumentam precisamente com a progressiva diferenciação dos sistemas complexos.
Tal dimensão intercepta aquela igualmente crucial da confiança que continua sendo um mecanismo social fundamental capaz de reduzir a complexidade (Luhmann, 1968) e de tornar sustentável a aceitação do risco. Confiança que mantém, desde sempre, um estreito laço com o problema do saber e do conhecimento. Os modernos sistemas sociais, muitas vezes órfãos de um modelo cultural forte, já são caracterizados por instabilidades e por um alto coeficiente de imprevisibilidade das ações e dos processos; fato este que torna ainda mais estratégica, além de urgente, a escolha da opção (a meu ver, o caminho obrigatório) "partilha do conhecimento".
A rede digital já está corroendo estruturas e hierarquias da sociedade industrial e se apresenta como uma extensão do sistema relacional, um espaço público ilimitado (Dominici) aberto às inteligências coletivas (P. Lévy), à cooperação e à inteligência colaborativa (M. Minghetti). Questões e problemáticas complexas que, como reiterado várias vezes também no passado, nos obrigam a repensar os próprios conceitos de cidadania (não apenas digital) e de democracia, redefinindo ao mesmo tempo as fronteiras e as condições de um novo "contrato social" (2003, 2008 e 2015).
Mas eu sempre vou repetir ad nauseam que, sem políticas de longo prazo centradas na escola, na educação, na instrução, a chamada "sociedade do conhecimento" será um sistema-mundo cada vez mais marcado por novas e profundas desigualdades – além de assimetrias informativas e cognoscitivas (Dominici) – cuja complexidade, no entanto, requer há muito tempo a definição de novos indicadores (A. Sen).
E assim, sem adequadas medidas corretivas, até mesmo falar de meritocracia será, mais uma vez, pura retórica em uma sociedade sem mobilidade social vertical e com um familismo amoral (E. C. Banfield) difuso, que vai continuar favorecendo elites e grupos restritos; a meritocracia também será a meritocracia dos costumeiros "poucos", daqueles que têm mais oportunidades e mais "liberdade de", já de partida. Educação e instrução = cidadania,
Epílogo
Como repito há anos: não bastam "cidadãos conectados". São necessários cidadãos criticamente formados e informados, educados para a cidadania e não para a sujeição... por hábito cultural; cidadãos que possuam competências não apenas técnicas e/ou digitais, mas, acima de tudo, educados e formados ao "pensamento crítico" e à complexidade.
A esse respeito, agora, alguns tecnoentusiastas – rótulo para indicar os modernos "integrados" – também começam finalmente a afirmar que o problema é cultural, não tanto de infraestruturas (que, repetimos, são necessárias).
Nesse sentido, uma cidadania "verdadeira", ativa e partícipe do bem comum e, mais em geral, a mudança cultural profunda são sempre o "produto" complexo, de um lado, de processos e mecanismos sociais que devem começar "de baixo"; de outro lado, da ação daquela sociedade civil e daquela esfera pública, atualmente absorvidas e fagocitadas pela política, que lhes tirou a sua autonomia (alguns anos atrás, eu falei de "esfera pública serva do sistema de poder").
Também são necessárias – não é inútil repetir – políticas (de longo prazo) projetadas e realizadas com uma perspectiva sistêmica (dimensão ausente), que devem ser constantemente avaliadas e monitoradas nos seus efeitos. Caso contrário, de pouco servirão até mesmo processos inclusivos e dinâmicas (concretamente) participativas, ativadas por elites (mais ou menos iluminadas), grupos de poder e por uma Administração Pública – essa é a esperança e o desejo – que se tornou, enquanto isso, cada vez mais transparente e eficiente.
Aproveito para assinalar algumas iniciativas interessantes sobre as complexas questões do acesso, da cidadania e, mais em geral, das "regras" para o governo do novo ecossistema:
A cultura – repetimos – é variável estratégica em todos esses processos: "fator tecnológico" e "fator jurídico", por si sós, não bastam para determinar a mudança... aquela mudança e aquela inovação real que, se forem tais, não podem "ser para poucos".
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O novo ecossistema e a urgência de repensar a cidadania: liberdade e assimetrias. Artigo de Piero Dominici - Instituto Humanitas Unisinos - IHU