Por: André | 19 Mai 2015
Gianni Vattimo, filósofo italiano e considerado um dos fundadores do pensamento pós-moderno, considera-se um “fã” do Papa Francisco, mas em entrevista à MDZ Radio, colocou em dúvida se sua particular marca consegue triunfar sobre a cúria romana.
O autor de O fim da modernidade e Acreditar em acreditar (entre muitos outros), avaliou, no programa Tormenta de Ideias, que a chegada do ex-cardeal Jorge Bergoglio ao Vaticano significou o pontapé inicial para modificar a imagem da Igreja católica.
A marca de Bergoglio, com sua simplicidade e seus gestos de humildade – refletiu – fez cambalear os fundamentos do “naturalismo absoluto”, sustentado e reproduzido por todos os pontífices anteriores, entre eles, os últimos, Bento XVI e João Paulo II.
A entrevista é de Conte, Montiveros e Bustos, à Rádio MDZ, e reproduzida por Religión Digital, 17-05-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
A propósito de seus escritos sobre espiritualidade e cultura, como avalia o papel de Bergoglio na Igreja católica e em sua relação com a época atual?
Sou um grande partidário de Bergoglio, um fã ou um torcedor; efetivamente, deu uma guinada interessante, uma mudança radical na imagem da Igreja católica, porque uma parte do problema da Igreja no mundo contemporâneo é a imagem que as pessoas têm dela. Com efeito, os papas anteriores, João Paulo II e Bento XVI, levaram a Igreja a cometer um suicídio por um extremo rigor ético sexual vinculado à proibição do uso de profiláticos, um, e por demasiado tradicionalista, o outro. Historicamente, a Igreja caiu na pretensão de um naturalismo absoluto que não corresponde à maneira como as próprias pessoas vivem. Os últimos papas colocaram a Igreja em risco de ser rechaçada; Bergoglio, ao contrário, apareceu e modificou isso. A começar, por exemplo, por sua atitude individual de usar sapatos pretos e carros populares.
Seus característicos gestos de humildade...
Absolutamente e, sobretudo, com gestos de pertença ao mundo comum. Jesus, de fato, se fez homem, se fez um de nós e, no entanto, até agora, os pontífices foram alheios a nós.
Acredita que o Papa está realizando uma revolução dentro da Igreja; uma atualização na época atual ou o quê?
O caráter revolucionário do pontificado de Francisco consiste, em primeiro lugar, em levar a sério o Evangelho. O problema da pobreza era resolvido por Jesus sendo pobre, mas até agora a Igreja sempre foi uma potência econômica notável. Quero dizer que Bergoglio aparece revolucionário, porque até agora a própria Igreja não tinha levado a sério o que estava escrito em sua doutrina.
Considera que Francisco vai poder triunfar sobre a cúria romana?
Aí está o problema. Não sei até que ponto a imagem de luta entre o Papa e a cúria é objetivamente aceitável. Quando se pensa neste conflito, o primeiro nome que vem à cabeça é o de Tarcisio Bertone, por exemplo. Ou, também, o Banco Vaticano é o banco da máfia impenetrável do exterior, e estas são todas coisas que se sabe e que contribuem para criar uma imagem do cristianismo que dá um pouco de vergonha. A cúria tenta sempre manter seus modelos, obviamente com derrotas contínuas, porque teve que reconhecer que Galileu tinha razão, por exemplo. A imagem de uma Igreja que defende e perde progressivamente privilégios do passado é a imagem que os fiéis têm e provoca certo mal-estar porque acaba sendo vista como um castelo antigo que defende tudo isso.
Você sempre defendeu o pensamento latino-americano, e a partir disso o consultamos: avalia como necessária a chegada de Bergoglio a Roma para que se desse, finalmente, uma mudança de paradigma na religião católica?
Absolutamente. Parece-me muito providencial tudo isso de fato. A tal ponto que a eleição de Bergoglio ao trono do Papa é como uma conclusão natural das transformações políticas da América Latina das últimas décadas. Porque quando se pensa no que aconteceu de novo e importante do ponto de vista político, é preciso ter presente as mudanças ocorridas na América Latina: Chávez, Correa, Lula, Cristina. O continente tinha como um direito natural de dar, também, o Papa, só que tomou uma hegemonia ideal.
Bergoglio deu sinais, inclusive através de Guillermo Karcher, que não morreria sendo Papa. Essa mensagem lhe parece sincera da parte dele de querer reformar a Igreja e retirar-se ou a avalia como uma limitação pelas pressões dos mais ortodoxos?
O problema é que se defende de morrer cedo. Porque no Vaticano são, inclusive, capazes disto. Como aconteceu com João Paulo I, que foi assassinado. Bergoglio não vai abandonar o pontificado e não por ambição, mas porque tem um sentido do dever; se abandonasse agora a sua posição seria um atestado de que não conseguiu triunfar sobre a reação da cúria. Isto seria como uma violação do seu dever e tarefa, e não acredito nisso.
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Papa Bergoglio. "Uma conclusão natural das transformações políticas da América Latina”. Entrevista com Gianni Vattimo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU